Defesa da Universidade
Comunidade do Instituto de Biociências se mobiliza para exigir esclarecimentos sobre convênio com a empresa canadense Greenheart
Documentos foram aprovados ad referendum da Congregação. Plenária dos três setores realizada em 23/5 apontou contradições no processo que transfere a gestão da Reserva Florestal do IB a um grupo privado de ecoturismo
Marcos Santos/USP Imagens
A comunidade do Instituto de Biociências (IB-USP) iniciou uma mobilização para demandar que a direção da unidade explique em que circunstâncias firmou o convênio com a Greenheart Brasil Empreendimentos em Ecoturismo e Conservação Ambiental Ltda. para “o desenvolvimento conjunto de um projeto em benefício da Reserva Florestal do IB-USP” e quais as consequências da eventual implantação desse convênio, especialmente nas atividades de pesquisa desenvolvidas por docentes e aluna(o)s na chamada “Matinha”.
Na segunda-feira (23/5), uma plenária dos três setores do IB, realizada no anfiteatro Sérgio Antônio Vanin e com maciça participação de estudantes, mobilizada(o)s pelo Centro Acadêmico da Biologia (CABio), decidiu que vai encaminhar ao diretor da unidade, professor Marcos Buckeridge, um abaixo-assinado para que ele e os membros da Comissão de Gerenciamento da Reserva Florestal participem de uma reunião aberta com a comunidade para debater os termos e consequências do convênio.
O abaixo-assinado, que deve ser entregue na próxima semana, começou a circular nesta quinta-feira (26/5). Seu texto destaca “a importância per se da Reserva Florestal do IB, somada à sua relevância para projetos de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, e a indispensabilidade do diálogo entre toda a comunidade do IB, visto que a transparência e a democracia devem ser sempre alicerces vigentes nesse Instituto”, e solicita à Diretoria e à Comissão de Gerenciamento “que venham a público, por meio de uma plenária aberta”, justificar o convênio com a Greenheart Brasil.
“Solicitamos que se tornem explícitos os processos institucionais envolvidos e todos os termos do contrato, como garantido pela Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011)”, diz o documento. “Dado o estágio avançado dessa discussão, requeremos que a plenária ocorra o mais rápido possível, no máximo até a terceira semana de junho de 2022, em um horário que abarque a troca de turnos entre o período integral e o noturno, assim garantindo uma maior participação de toda a comunidade do IB”, conclui.
O convênio foi assinado em fevereiro de 2021. No entanto, conforme publicou o Informativo Adusp, na reunião que a Comissão de Gerenciamento — constituída por docentes, servidora(e)s técnico-administrativa(o)s e discentes — realizou em novembro passado, surgiram questionamentos a alguns tópicos do documento, que não teriam sido suficientemente discutidos na comunidade. Integrantes da comissão defendem que é necessário reformular diversos itens, especialmente os que se referem às questões de confidencialidade, propriedade intelectual e gerenciamento de recursos financeiros. Nova reunião da Comissão de Gerenciamento agendada para esta quarta-feira (25/5), na qual o tema seria debatido, foi cancelada.
O convênio diz por exemplo que, caso haja geração de propriedade intelectual, “deverá ser acordada a divisão entre os partícipes, de acordo com a sua contribuição efetiva”, cabendo à empresa a “produção e exploração comercial da Propriedade Intelectual”, com regulação a ser definida “em instrumento específico”. As manifestações na plenária deixaram claro que o assunto não foi debatido, com o cuidado e a profundidade que merecia, pela comunidade diretamente interessada. Muitas pessoas só tomaram conhecimento de detalhes do que está em jogo a partir da publicação da reportagem do Informativo Adusp, no último dia 29/4.
Na plenária, houve quem defendesse que o processo precisa parar imediatamente: “A melhor forma de parar é dizer: isso não foi discutido de forma coletiva na academia”. Isso porque o tema não chegou a ser apreciado nem no Conselho Técnico-Administrativo (CTA) nem na Congregação da unidade. Na Congregação, tanto o protocolo de intenções quanto o convênio foram aprovados ad referendum, ou seja: por seu presidente, sem discussão e apreciação do colegiado.
Congregação do IB não chegou a discutir o convênio
As discussões sobre como fazer com que o potencial da reserva do IB como floresta urbana integrada à sociedade seja melhor aproveitado remontam a 2019. A Comissão de Gerenciamento elaborou então um projeto prevendo a construção de centro de visitantes, mirante, trilha suspensa, trilha monitorada e plataforma de observação e passou a procurar parcerias para captação de recursos.
Foi nesse momento que entrou em cena a Greenheart Brasil, cuja matriz, a Greenheart Conservation Company, tem sede no Canadá. Na justificativa do plano de trabalho que integra o convênio, a empresa diz que “entendeu o potencial do projeto” do IB para “desenvolver a Reserva Florestal […] de forma a promover pesquisas e visitação” e propôs “apoiar o IB-USP na sua concepção e viabilização”.
Assina o convênio como representante da Greenheart Brasil sua sócia-diretora Sandra Steinmetz, ex-aluna de graduação e mestrado do IB. Na sua página no Linkedin, Sandra apresenta-se como sócia da Greenheart Conservation Company e sócia-diretora da Ambiental Consulting. Realiza “trabalhos de planejamento turístico e consultoria ambiental, incluindo desenvolvimento, execução e monitoramento de projetos de educação, mobilização social, treinamento, turismo, desenvolvimento sustentável, gestão, manejo, licenciamento ambiental, planejamento estratégico, dentre outros”, descreve. Marcelo De Martine Oliveira, também sócio da Greenheart, assina o documento como testemunha.
Um protocolo de intenções entre o IB e a empresa foi assinado em setembro de 2020 e aprovado pela Comissão de Gerenciamento, sendo sancionado pelo diretor da unidade, Marcos Buckeridge, ad referendum da Congregação. De acordo com a ata da reunião do colegiado em 25/9/2020, a professora Vânia Pivello, presidenta da comissão, discorreu “sobre a oportunidade que surgiu com o convênio com a empresa Greenheart para a viabilização da captação de recursos para o desenvolvimento do projeto da Mata, de caráter ecológico, educacional, científico e turístico, que abrange projeto arquitetônico e a organização de trilhas”.
Na reunião de 7/4/2021, fala-se de convênio cujo texto inicial foi “aprovado ad referendum da Congregação em 22/3”. Nessa mesma reunião, comunica-se que a Agência USP de Inovação (Auspin) requisitou alterações no texto, especialmente na cláusula quinta, que se refere à propriedade intelectual.
O diretor Buckeridge disse que “o projeto completo” seria “apresentado posteriormente” à Congregação, e que naquele momento tratava-se ainda de uma “etapa inicial”. A professora Vânia Pivello, por sua vez, afirmou que o “projeto geral inicial” já havia sido aprovado pela Congregação.
No entanto, de acordo com um dos participantes da plenária, o protocolo de intenções estipulava somente que a Greenheart faria a captação de recursos. “Esse protocolo foi de fato aprovado pela comissão. Já o texto do convênio não foi discutido”.
Todos esses procedimentos foram realizados em pleno período de pandemia, recorde-se, com reuniões em formato online e todas as dificuldades para mobilização, debate e circulação de informações sem as atividades presenciais.
Convênio precisaria passar por outras instâncias da USP, afirma advogado
Além das dúvidas sobre os encaminhamentos do convênio no âmbito da unidade, há questionamentos que podem ser feitos sobre a tramitação na USP e mesmo sobre a legalidade de suas cláusulas, disse na plenária o advogado Cristiano Buoniconti. Na avaliação do advogado, que atuou na ação judicial contra o fechamento da Creche Oeste da Cidade Universitária, por envolver mudança de finalidades numa área do câmpus o projeto deveria tramitar por órgãos superiores da USP, como a Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) e o próprio Conselho Universitário (Co).
A assessoria de Imprensa da Reitoria não respondeu ao Informativo Adusp se o convênio chegou a receber a assinatura do então reitor Vahan Agopyan e se foi apreciado por outras instâncias da universidade, além da Auspin.
Procurados pela reportagem, Sandra Steinmetz e Marcelo De Martine Oliveira, da Greenheart, não responderam, até o fechamento desta matéria, às perguntas que lhes foram enviadas por e-mail. Umas delas é a seguinte: “De acordo com o plano de trabalho [constante do convênio], o projeto já estaria na etapa 3, de Implantação. Esse cronograma está sendo seguido e a etapa 3 está em andamento? Quais são os passos já dados e concluídos? Quais são os passos seguintes?”.
Afirmações do Informativo Adusp “carecem de precisão”, diz Buckeridge no Jornal da USP
Na quinta, 26, o Jornal da USP publicou artigo assinado pelo diretor Buckeridge e pela presidenta da Comissão de Gerenciamento, no qual defendem a Greenheart e o projeto em curso: “A empresa não visa lucro com a participação no projeto da Reserva Florestal do Instituto de Biociências. Não é um projeto com fins lucrativos e NÃO se trata de privatização do espaço” (destaque no original). No entanto, omitem a existência das cláusulas do convênio que tratam de sigilo e propriedade intelectual.
Os autores afirmam, adiante, que a Adusp, “entidade que respeitamos, publicou um texto no seu jornal que traz informações que carecem de precisão, já que se trata de recortes do texto de um convênio”. Novamente, porém, deixam de mencionar as cláusulas que são alvo de questionamentos dentro da própria Comissão de Gerenciamento e na comunidade do instituto.
Nota da Redação. Texto atualizado em 31/5, para corrigir a informação de que os documentos em questão foram aprovados ad referendum do CTA, o que não ocorreu até esse momento, e destacar que até agora o CTA não tomou conhecimento do projeto.
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