Defesa da Universidade
Reitoria continua pagando indevidamente “diárias” ao vice-reitor, pró-reitores e outros dirigentes, em aberto desrespeito ao TCE
A USP ignorou totalmente a recomendação do Tribunal de Contas do Estado (TCE), feita em novembro de 2018, de que suspendesse imediatamente o pagamento irregular de “diárias” a dirigentes da universidade a título de indenização por deslocamentos entre suas cidades de origem e a capital. Em 2017 a universidade desembolsou R$ 535.840 com esse tipo de diárias, que constituem, segundo a medida cautelar do TCE, claro desvio de finalidade.
Naquele ano, o então reitor M.A. Zago e outros integrantes do alto escalão da universidade foram beneficiados com expressivas quantias, de acordo com levantamento apresentado pela promotora de justiça Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas (MPC). Coube ao próprio Zago, lotado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) e autor de um implacável programa de “ajuste fiscal”, receber a maior cifra total paga a título de “diárias” irregulares aos dirigentes da universidade em 2017: R$ 89.723.
Por meio de consulta ao Portal da Transparência da USP, o Informativo Adusp constatou que, apesar da advertência do TCE, os pagamentos irregulares prosseguiram nos meses de dezembro de 2018 e janeiro de 2019. O vice-reitor Antonio Carlos Hernandes, que é lotado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), recebeu diárias no valor de R$ 2.004,60, referentes ao período de 3/12 a 6/12/2018, com a seguinte motivação: “Viagem empreendida ao campus USP São Paulo para exercer atividades de vice-reitor”. Em 2017, Hernandes percebeu um total de R$ 50.872 a título de “diárias”, segundo o MPC.
Entre novembro e dezembro de 2018, o pró-reitor de Pós-Graduação, Carlos Gilberto Carlotti Jr., professor da FMRP, recebeu diversas diárias tendo São Paulo como “cidade de destino”. A título de “cumprir com a agenda da PRPG [Pró-Reitoria de Pós-Graduação] como pró-reitor”, fez jus à quantia de R$ 1.171,92, referente ao período de 4/12 a 6/12/2018; recebeu outros R$ 1.464,90, referentes às datas de 10/12 a 13/12; e mais R$ 683,62 relativos ao período de 18/12 e 19/12/2018. Em 2017, Carlotti Jr. percebeu R$ 67.543,47 com as “diárias” que recebeu por deslocar-se entre Ribeirão Preto e a capital, de acordo com os dados levantados pelo MPC.
Presidente da Aucani e pró-reitora adjunta estão entre contemplados
Raul Machado Neto, presidente da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani) e um dos citados na representação da promotora Élida, recebeu R$ 1.953,20 a título de diárias referentes ao período de 10/12 e 14/12/2018, por “exercer as atividades da presidência da Aucani”, tendo São Paulo como “cidade de destino”. Entre 2/1 e 4/1/2019, o professor da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, recebeu R$ 1.008,14, e entre 7/1 e 8/1/2019 mais R$ 504,07, sempre por “exercer as atividades da presidência da Aucani” em São Paulo. Ao longo de 2017, Machado Neto recebeu nada menos do que R$ 55.444 a título de “diárias”.
Maria Vitoria Lopes Badra Bentley, pró-reitora adjunta de Graduação, lotada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), após a decisão do TCE foi contemplada com diárias nas quais São Paulo aparece como “cidade de destino”. Relativamente aos dias 3/12 e 4/12, a título de “Participação em reuniões com o staff, com o pró-reitor, reuniões com docentes e outras atividades inerentes ao cargo de pró-reitora adjunta de Graduação”, percebeu R$ 683,62; de 11/12 a 14/12/2018, com a justificativa de “Participação no Co, reunião com staff e pró-reitor, participação na reunião de dirigentes e outras atividades inerentes ao cargo”: R$ 1.660,22; de 29/1 a 31/1/2019, em razão de “Participação na condução dos trabalhos da matrícula virtual do vestibular 2019 – Fuvest e SISU, reunião com assessor da PRG” etc.: R$ 1.209,77.
“As diárias são importantes, têm que existir, mas não dessa forma”, sustenta a promotora Élida. No seu entender, as diárias pagas pela USP nos moldes atuais configuram “completo desvio de finalidade”, pois quem exerce cargo em comissão “passa necessariamente a morar na sede do cargo”. O que deveria ser um ressarcimento eventual torna-se uma “indenização permanente, a indicar falta de obediência ao domicílio necessário do servidor ocupante de cargo comissionado ou função de confiança”.
Assim, se um professor lotado num campus do interior aceita ocupar cargo em comissão ou função de confiança da Reitoria no campus da USP em São Paulo (ou vice-versa), não lhe cabe reclamar diárias a pretexto de ressarcimento por despesas com o seu deslocamento cotidiano. Porém, como sugerem as justificativas apresentadas por eles nas planilhas de diárias, como “motivação” das viagens realizadas, na prática os dirigentes citados estão recebendo uma espécie de segundo salário para exercer tarefas pelas quais eles já são remunerados.
O valor das “diárias” pagas a esses altos funcionários impressiona quando comparado, por exemplo, à remuneração mensal concedida a mais de 200 professores temporários da USP, que é de cerca de R$ 1.700 (quando doutores). Portanto, essa remuneração equivale, por exemplo, a menos de metade do ressarcimento total de R$ 3.465,41 recebido no mês de dezembro último pelo presidente da Aucani, por deslocar-se de Piracicaba para São Paulo e passar dez dias na Cidade Universitária exercendo uma função de confiança cuja sede é, precisamente, São Paulo.
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