Nome da ocupante designada pelo general Augusto Heleno não foi revelado em publicação de portaria no Diário Oficial. Associação dos Docentes divulgou carta aberta sobre a situação da universidade aos participantes da reunião da SBPC, que ocorre em Campo Grande. No encontro, a presidenta da ANPG fez uma defesa veemente da educação, da cultura e da ciência

Sede da 71ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – que se encerra neste sábado (27/7), em Campo Grande -, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) é palco também de ocorrências que ilustram o período de ataques à educação, particularmente ao ensino superior público, que caracterizam o governo de Jair Bolsonaro.
 
No último dia 11/7, o Diário Oficial da União publicou portaria do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) autorizando "a cessão da servidora matrícula nº 909050, pertencente ao quadro de pessoal da Agência Brasileira de Inteligência – Abin, para exercer o cargo comissionado de Assessora da Reitoria, código CD-04, na Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS". A cessão é por prazo indeterminado.
 
De acordo com a portaria, assinada pelo general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI, "o ônus pela remuneração ou salário é do órgão cedente". Assim como o nome da servidora não foi revelado, também não foram divulgadas as atribuições da "assessora da Reitoria" – seria arapongagem?
 
Militar grava evento da SBPC
 
Na última terça-feira (23/7), um militar fardado gravou e fotografou participantes de pelo menos um evento da reunião da SBPC. O tema do encontro deste ano é "Ciência e inovação nas fronteiras da bioeconomia, da diversidade e do desenvolvimento social".
 
De acordo com reportagem publicada pela agência Ponte, um dos convidados gravados pelo Exército foi o neurocientista Sidarta Ribeiro, professor titular e diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), autor do recém-lançado O oráculo da noite (Companhia das Letras), sobre o qual falou também na recente Festa Literária de Paraty (Flip). Ribeiro é coordenador da Comissão de Financiamento à Pesquisa e de Política Científica da SBPC e fez críticas aos cortes impostos pelo governo federal desde 2016 no financiamento de ciência e tecnologia – cortes aprofundados no governo Bolsonaro.
 
A Ponte enviou perguntas ao setor de Comunicação do Exército a respeito da presença do militar. A nota enviada em resposta diz que a gravação não foi feita por determinação do Exército, mas que "o que ocorreu é que um militar, por interesse pessoal no tema, viu a palestra, e resolveu registrar algumas imagens, por conta própria". A respeito da intimidação que algumas pessoas relataram, a nota diz que a pergunta "deve ser dirigida ao Comando do Exército".
 
"Opiniões públicas e liberdade de cátedra são cerceadas", diz ADUFMS
 
Aproveitando a presença da comunidade acadêmica brasileira em Campo Grande, a Associação dos Docentes da UFMS (ADUFMS) divulgou carta aberta na qual denuncia "a grave situação vivida pelos/as trabalhadores/as e estudantes da UFMS", bem como conclama "a sociedade civil a se organizar e lutar em defesa do patrimônio público nacional, em defesa da ciência e da tecnologia brasileiras".
 
A ADUFMS aponta que "grave é a situação de docentes que se tornaram alvo de ações diversas que resultaram em processos administrativos, exonerações, assédio moral e principalmente em adoecimento". De acordo com a entidade, "elevados são os números de licenças para tratamento de saúde em tempos em que as opiniões políticas e a liberdade de cátedra são cerceadas em nome de ideais estranhos ao espirito democrático e à pluralidade sob as quais nasceram as universidades no mundo inteiro".
 
Essas ações políticas, prossegue a carta aberta, "colaboram para o lento desmantelamento do ensino superior público de Mato Grosso do Sul". Entre os pontos mencionados pela entidade estão a restrição de atividades pela manhã em alguns câmpus "a título de economia com gastos de energia elétrica e água" e a determinação de que "as unidades da UFMS devem priorizar a arrecadação de valores com aluguel de seus espaços ao invés de reforçar as ações comunitárias que implicam usos gratuitos de seus ambientes – anfiteatros e quadras – pelas populações alvos de projetos diversos".
 
"No atual contexto de crise de legitimidade do discurso acadêmico e científico pelo governo Bolsonaro, a Universidade se apresenta como bastião da democracia, da defesa da democracia e do debate político sólido de base filosófica. Não podemos ceder à sanha do mercado por formação ao estilo fast food para atender demandas que afrontam a própria condição humana com o crescente desemprego e baixa remuneração", afirma a nota da ADUFMS.
 
"A SBPC precisa ser um palco da defesa da universidade e da democracia"
 
Uma defesa contundente da universidade, da ciência e da democracia foi feita na abertura da reunião da SBPC, no dia 21/7, por Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) e mestranda do programa de Pós-Graduação em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
 
Flávia lembrou que o encontro ocorre no marco dos duzentos dias do novo governo, que "tem seguido à risca" a receita que o próprio Bolsonaro anunciou em sua visita aos Estados Unidos no início do mandato: "que, antes de construir, está aqui para destruir muitas coisas".
 
"A celebração da aliança entre o ultraliberalismo econômico e o reacionarismo das ideias e costumes produziu um país de profunda crise econômica e de extrema violência social", disse Flávia. "Essa aliança não é novidade na nossa história. Aliás, é típica de uma elite que na sua origem reivindicou, por exemplo, o movimento constitucionalista, mas sempre conviveu com a escravidão. Prefere um país de joelhos para o mundo a ver sua gente liberta, porque teme o povo."
 
A presidenta da ANPG ressaltou que "Bolsonaro elegeu professores e estudantes como inimigos da nação". "As universidades viravam alvo do governo", afirmou, "porque a universidade, por excelência, é o lugar da crítica, porque é o lugar da ciência, da experimentação com finalidade, mas também do saber desinteressado, voltado à elevação cultural de uma sociedade. Por ser crítica, é lugar de resistência."
 
Flávia enfatizou que a ANPG, que completou 33 anos, nasceu no seio da SBPC e que os "jovens cientistas brasileiros estão sem perspectiva devido ao desemprego e devido ao desincentivo à ciência". "As bolsas estão há seis anos sem reajuste. Nossa agenda é a recomposição das bolsas cortadas e o reajuste das bolsas em vigor", defendeu.
 
"A sociedade anseia por uma outra agenda para o país – de recuperação econômica e de geração de empregos. Foi isso o que as ruas disseram nos dias 15 e 30 de maio", apontou. "A SBPC precisa ser um palco da defesa da universidade pública e gratuita, da democracia e do patrimônio social, educacional e científico que são as universidades brasileiras", concluiu.
 

EXPRESSO ADUSP


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