“Show Medicina” e Atlética são foco de CPI na Alesp sobre violência sexual na Medicina

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre violações de direitos humanos nas faculdades paulistas, instalada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), chegou à sua 15a reunião no dia 28/1. Presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), a CPI já ouviu diversos estudantes, colheu denúncias e solicitou documentos. Em 27/1 a CPI aprovou os requerimentos de convocação dos reitores da Unicamp, PUC, PUC Campinas e de Waldyr Jorge, superintendente de Assistência Social da USP e diretor da Faculdade de Odontologia.

Daniel Garcia
Em audiência da CPI, estudante da FMUSP dirige pergunta a membros da Atlética

Em 21/1, o reitor M.A. Zago esteve presente na Alesp. Por conta do alto número de ausências não justificadas de pessoas convocadas, Adriano Diogo disse que será necessário adotar medidas coercitivas para que a CPI não seja desmoralizada.

O “Show Medicina”, evento anual organizado por uma entidade privada estudantil nas dependências da Faculdade de Medicina (FMUSP), bem como as atividades da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC), por estarem associados a um expressivo número de denúncias de abusos sexuais, inclusive estupros, e manifestações machistas, homofóbicas e racistas, estiveram no foco das investigações da CPI.

Show Medicina 1

O psiquiatra Leon Lobo Garcia foi um dos depoentes da 14a audiência, realizada em 27/1, e deixou claro o quanto a prática do trote e da ridicularização pública influencia a vida acadêmica e profissional dos futuros médicos.

Ex-aluno da Faculdade de Medicina da USP, Leon contou as suas experiências com o “Show Medicina”. Em seu terceiro ano, em 1993, o Centro Acadêmico Osvaldo Cruz (CAOC) denunciou uma fraude nas listas de presença que beneficiava alunos que mal frequentavam as aulas. Em represália às denúncias, o CAOC sofreu depredações que aconteceram, segundo Leon, durante as noites de ensaio preparatório para o Show Medicina, abalando a relação entre as duas entidades.

Após saber como aconteciam os “vestibulares” para se ingressar no Show, com atividades degradantes como obrigar os calouros a ficarem nus e pegarem objetos com as nádegas, Leon decidiu publicar artigos de denúncia no jornal do CAOC. Os artigos publicados, escritos não só por Leon, abordaram várias questões envolvendo o Show, como também o fato de as mulheres participarem exclusivamente da costura dos figurinos e cenários. A reação aos artigos foi de rejeição completa pelos colegas, que achavam “que o problema é de quem denuncia”, pensamento ainda hoje disseminado, sendo o psiquiatra.

Leon relatou que chegou a ter dificuldades para conseguir vaga para sua residência por conta do caso, uma vez que seu preceptor era um ex-membro do Show Medicina, que sofreu pressão para prejudicá-lo na prova. Institucionalmente, foi aberto um processo administrativo para apurar as denúncias veiculadas no jornal do CAOC, que fez o Show Medicina perder o direito de usar os palcos da faculdade por dois anos.

Show Medicina 2

Da mesma forma que ter denunciado os abusos cometidos pelo Show Medicina dificultou a vida acadêmica de Leon, participar dele e se submeter às humilhações decorrentes dessa opção beneficia aqueles que escolhem pelas carreiras mais concorridas dentro da Medicina, como a cirurgia e a ortopedia.

Outros estudantes ouvidos pela CPI, porém, alegaram que a apresentação teatral do Show Medicina tem caráter cultural. Vinicius Diniz e Renan Maloni Augusto, estudantes do sexto ano, afirmaram que não foram submetidos a humilhações durante o “vestibular” para o Show Medicina e que poderiam desistir a qualquer momento, se quisessem.

Vinicius, que participou do último show como “estrelo” do balé, disse que não esteve envolvido com o planejamento do conteúdo do espetáculo que teve como tema a Ópera do Malandro, segundo ele definido em outubro de 2013, e disse desconhecer que a apresentação tenha viés homofóbico ou machista. “Acho estranho quando falam que a gente é homofóbico porque, com certeza, o Show Medicina é a entidade que têm mais membros homossexuais”, afirma Vinicius.

Segundo denúncias, a última apresentação ridicularizou o coletivo feminista Geni e um estudante homossexual.

Atlética nega “cafofos”

Estiveram presente também na Alesp em 28/1 o atual presidente da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz (AAAOC), Diego Pestana, e o tesoureiro da gestão de 2011, Rafael Kaeriyama e Silva. Eles afirmaram que as duas festas semestrais, a “Carecas no Bosque” e a “Fantasia no Bosque”, rendem lucro líquido de cerca de R$ 100 mil para a Atlética e que são importantes para a independência financeira da entidade, que também conta com a contribuição de seus sócios. Entre as despesas da entidade estão a manutenção do clube e os encargos de seus oito funcionários.

Diego afirmou que a intenção da AAAOC é só fazer festas quando puder garantir a segurança dos frequentadores, a maioria externa à universidade. Admite falhas na segurança de eventos passados, que são palco de várias denúncias de abusos sexuais, cometidos inclusive dentro de dependências da Atlética, nos “cafofos” como são conhecidos. Segundo Rafael, esses espaços reservados para relações sexuais que, segundo denúncias, contariam até com camas, não existem. “Existem anexos às barracas feitos para depositar bebidas, que são guardados por seguranças para que não haja roubos”, afirma, “e eu nem sei o que a palavra ‘cafofo’ significa”.

“Se tivéssemos outras fontes de renda, nem precisaríamos fazer as festas”, sustentou Diego. Os patrocínios à entidade, acrescenta ele, diminuíram muito desde 1999, quando o estudante Edison Tsung Chi Hsueh morreu durante o trote.

Os livros-caixa da AAAOC e do CAOC foram solicitados pela CPI, mas os documentos apresentados não podem ser usados como prova por não serem oficiais.

Ana Lúcia Pastore na CPI

A professora de antropologia da FFLCH Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, que ocupava até recentemente a Superintendência de Prevenção e Proteção da USP, mas foi exonerada repentinamente pelo reitor no final de janeiro, participou da sessão da CPI.

Ana Lúcia relatou que a última coisa que fez no cargo foi conversar com o reitor M.A. Zago sobre a necessidade de a Guarda Universitária passar a atuar na FMUSP, que atualmente conta com segurança própria. O pedido ao reitor aconteceu depois que o próprio diretor da FMUSP, José Otavio da Costa Auler Júnior, entrou em contato com a então superintendente. Mas a resposta do reitor à professora foi de que isso é problema do diretor.

A professora acredita que sua exoneração tem relação com as diferenças de concepção de segurança entre ela e o reitor, que os levaram a entrar em conflito em diversos momentos durante os nove meses em que esteve à frente da Superintendência.

EXPRESSO ADUSP


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