Publicamos a seguir algumas das intervenções mais marcantes na reunião de 7/3/17 do Conselho Universitário da USP (Co), que se iniciou enquanto soldados da Polícia Militar ainda perseguiam e agrediam manifestantes dentro do campus. No andar térreo do prédio da Reitoria, local de reunião dos conselheiros, a PM manteve detidas cinco pessoas, depois encaminhadas a uma delegacia de Polícia Civil.

Reproduzimos a seguir cinco falas. O professor Pedro Dallari, ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (cujo relatório final propõe a desmilitarização da PM), defendeu a repressão e sustentou a proposta da Reitoria de “Parâmetros de Sustentabilidade”. O professor Eugenio Bucci falou em intransigência dos manifestantes, mas demonstrou-se emocionado e chocado com a violência policial. O representante dos funcionários, Bruno Sperb Rocha, acusou diretamente o reitor pelo episódio de brutalidade. A professora Ana Maria Loffredo também criticou expressamente o reitor, responsabilizando-o pelo ciclo de violência e pelas agressões à USP. O professor André Singer, dizendo representar os 15 mil uspianos da FFLCH, questionou os métodos da Reitoria e a celeridade imposta à votação, associando-os à repressão.

 

PEDRO DALLARI (diretor do IRI):

“O documento é até tímido, me causa estranheza essa reação. Não discutimos de maneira mais aberta a cobrança de mensalidades, me parece uma contradição. Com relação à Polícia, não vejo alternativa. Tentei entrar por um dos portões e os manifestantes tinham colocado cola no cadeado”

“Eu entendo que o documento é até muito tímido, me causa estranheza essa reação, porque na verdade, ele não suscita discussões mais aprofundadas com relação aos parâmetros de sustentabilidade, em relação à mudança do modelo de financiamento da universidade. Evidentemente não faz isso porque há dificuldade, política inclusive, para suscitar esse debate.

Nós não discutimos a presença mais efetiva de recursos privados na universidade. A universidade fornece quadros que dirigem as grandes empresas desse país, empresas multinacionais e o retorno que nós temos é muito pequeno. A universidade resiste a uma política mais efetiva de atração de recursos privados.

Não discutimos de maneira mais aberta a cobrança de mensalidade dos alunos que vêm de famílias mais ricas. Do ponto de vista ideológico, me parece uma contradição. Há muitas universidades públicas pelo Brasil afora, principalmente universidades e faculdades municipais que cobram mensalidades dos seus alunos, portanto não é um tabu. Não quer dizer que devêssemos adotar, mas deveríamos discutir isto, em um momento em que discutimos sustentabilidade.

Com relação à presença das forças de segurança pública, da Polícia, que eu não vejo alternativa. Eu, com alguns colegas professores, tentei entrar por um dos portões e os manifestantes tinham colocado cola no cadeado. Evidente que houve uma decisão clara de impedir a realização dessa reunião. Quando se impede o funcionamento normal das instituições — e isso vale para o Congresso Nacional, para uma Câmara Municipal e para o Conselho da USP — é evidente que se deve chamar as forças de segurança pública. Ora, quem deveria ser chamado nesse caso se não as forças de segurança pública? Portanto, do ponto de vista do Estado Democrático de Direito, me parece que o que ocorreu foi uma decorrência dos eventos que nós vimos aqui e que são inquestionáveis, por mais que agora haja uma tentativa de se mudar os fatos, dizendo que foi a Reitoria que impediu a realização da reunião do Conselho Universitário”.

 

BRUNO SPERB (funcionário técnico-administrativo):

“Foi você [reitor] quem chamou a PM! Do meu lado, foi detida uma trabalhadora que, imobilizada pela Polícia, teve o rosto chutado por um policial; uma companheira, com 1,60 de altura, levou um golpe de cassetete que abriu sua cabeça e saiu carregada para o hospital, coberta de sangue”

“É revoltante que o reitor venha abrir a reunião falando sobre democracia na universidade, dizendo que na universidade é intolerável a violência. Foi você quem chamou a Polícia Militar!

Do meu lado, foi detida uma companheira trabalhadora que, imobilizada pela Polícia, teve o rosto chutado por um policial; do meu lado, uma companheira, se tanto com 1,60 de altura, levou um golpe de cassetete que abriu sua cabeça e saiu carregada correndo para o hospital, coberta de sangue; do meu lado, a mesma coisa aconteceu com um estudante. Isso para falar do que aconteceu do meu lado.

E ainda que tenha sido a Polícia Militar que tenha feito isso dentro da universidade, é na mão do reitor que está o sangue derramado aí fora, dentro da Universidade de São Paulo. Na mão do reitor, que tomou a decisão de chamar a Polícia, e na mão de cada um e cada uma, de cada membro do Conselho Universitário, daqueles que entraram aqui escoltados pela Polícia. Na mão de vocês está o sangue de quem se feriu lá fora, dentro da universidade pública, pelas mãos da Polícia Militar, nunca é demais dizer.

Não venham dizer que os que estão contra essa medida querem o totalitarismo, querem uma sociedade onde ‘eu dito e os outros obedecem’. Nós já vivemos em uma sociedade onde o reitor dita. E o fato de que ele compartilha, com mais meia dúzia, com, inclusive, interesses materiais no que está sendo votado aqui […], o fato de que não seja um, e sim cem burocratas, de acordo com seus interesses pessoais, aí sim defendendo os seus privilégios, que mandem e queiram que os outros obedeçam, não faz disso uma democracia. Esse Conselho aqui, portanto, não tem absolutamente nada de democrático […].

O reitor soltou um documento no qual ele afirma que a creche está sendo fechada. Ele dá, como motivo para o fechamento da creche, a falta de funcionários; que houve uma redução de quadros e não tem funcionário suficiente para fazer a creche funcionar. […] Fechou o Pronto Socorro do Hospital Universitário, fechou 40% dos leitos de UTI, dizendo que o motivo é falta de funcionário. É o mesmo motivo para estar terceirizando o bandejão, para não ter aula de disciplina obrigatória na Escola de Aplicação. Metade desta universidade já está sendo fechada, e vocês estão reconhecendo que é por falta de funcionários. E saíram, até agora, 2.600. Na semana que vem saem mais mil, e vocês estão votando uma medida em que está escrito que tem que cortar, que tem que ter pelo menos 40% de professores. É só fazer a conta. Depois desses 3.600 que já foram mandados embora, isso significa mandar embora no mínimo mais 5 mil trabalhadores. É só ver o que está acontecendo com a creche, com o hospital, com as unidades de ensino. O que vocês estão votando não tem nada a ver com ‘defesa da universidade’, ao contrário, é aprofundar o processo que está em curso de destruição da universidade, de fechamento de cada um desses serviços; em primeiro lugar dos poucos serviços que são prestados ao povo, à população que sustenta a universidade, como é o HU, como são as creches; aos poucos estudantes pobres que entram aqui dentro. […]

Nenhum de vocês falou nada sobre o fato de que o governador, sistematicamente e há quase dez anos, descumpre a lei e não repassa os 9,57% do ICMS, e que só a diferença desse desfalque nos últimos dois anos foi mais de meio bilhão de reais. E nem o reitor, nem ninguém nesse Conselho falou absolutamente nada sobre isso”.

Se vocês estão escandalizados com o que aconteceu hoje — não com a violência que a Reitoria promoveu e com a qual a maior parte de vocês foi conivente, mas sim com a resistência — saibam: isso é só o começo. Isso foi em função da falta de tempo, do atropelamento e da falta de democracia do modo como foi feita essa votação, que não passou por Congregação, não permitiu discussão em lugar nenhum. E se vocês aprovarem isso, saibam: isso foi só o começo e a resistência vai ser muito, muito maior”.

 

Professora ANA MARIA LOFFREDO (Congregação do IP):

“Bombas, armas apontadas para alunos, funcionários e docentes, prisões e pessoas feridas. Lembrei-me da Ditadura. Me incluo naquela parcela da universidade que não se curva a este ciclo de violência e ausência de exercício democrático capitaneado por esta Reitoria”

“Quando cheguei, ninguém da turma que estava defronte à Reitoria me impediu de entrar. Não havia nenhum obstáculo. A grade estava fechada, o policial me impediu e me falou gentilmente para procurar os conselheiros. Mas ele nem sabia onde eles estavam. Não havia desrespeito por parte do grupo de pessoas que queriam se manifestar legitimamente”.

Fazia muito tempo que eu não vivia diretamente uma experiência de violência, de absurdo, de uma dimensão quase irreal desse tipo — que fizeram minhas pernas tremerem e meus olhos se incomodarem enormemente com o gás. Bombas, armas apontadas para alunos, funcionários e docentes, prisões e pessoas feridas. Lembrei-me da época da Ditadura, quando eu era estudante da USP. […]

Quando o professor Zago diz que a universidade está sendo agredida por forças internas, fiquei perplexa. Devo apenas lembrar ao professor que tudo depende do ponto de vista. […] Seria muito interessante se ele pudesse perceber que dependendo do ponto de vista, sua gestão e os encaminhamentos autoritários que têm delineado o perfil identitário que a tem caracterizado, estes encaminhamentos autoritários, estes sim, são as forças internas que estão agredindo a nossa querida Universidade de São Paulo. Colocando-se na contramão da história de dignidade que atravessa o percurso da maior universidade pública brasileira. […]

Eu e os colegas do IPUSP, os quais represento aqui, fazemos parte da resistência justamente a essas barbaridades que tem ocorrido na USP nos últimos tempos, cujos campos de tensões, as atitudes da Reitoria têm estimulado, alimentado e fomentado. Tive um embate mais ou menos tenso com o reitor na entrada, quando eu cheguei, e ele falou para mim: “Olha o que vocês estão fazendo!”. Eu acho que é uma maneira muito irresponsável de tirar o corpo fora de tudo isso que está acontecendo.

Me incluo naquela parcela do Co e da universidade que não se curva a este ciclo de violência e ausência de exercício democrático capitaneado por esta reitoria.

Força física é a maneira mais precária do convívio da alteridade e a missão do espírito universitário é favorecer esse convívio em todos os níveis, planos e dimensões. E este Co deveria ser exemplar nesse quesito”.

 

Professor EUGÊNIO BUCCI (Congregação da ECA):

“Partilho dos depoimentos feitos aqui, nós tivemos hoje um dia muito triste. O que ocorreu lá fora não foi um episódio de natureza administrativa. Foi algo muito grave, que ficará como um trauma e será difícil de superar”

“Nós precisamos, como instituição, entender que precisamos prestar contas de maneira metódica, transparente e permanente para a sociedade que nos sustenta. Nós não devemos ceder a pressões corporativas nessa missão e neste sentido.

Partilho dos depoimentos feitos aqui, de que nós tivemos hoje um dia muito triste. E esta percepção e este sentimento não podem ser desvinculados do que nós estamos decidindo aqui. Não é administrativamente que nós vamos resolver o impasse e que nós vamos resolver a fissura que se abre no íntimo da nossa universidade. Aqui, neste conselho, nós sentimos isso.

O que ocorreu lá fora não foi um episódio de natureza administrativa. Foi algo muito grave, que ficará como um trauma nesta universidade e que será difícil de superar.

Este conselho deve se responsabilizar por acompanhar o que ocorreu com aqueles que foram detidos, nossos alunos, com buscar informação e oferecer amparo às pessoas que foram agredidas.

Nós precisamos pensar com mais seriedade sobre o que ocorreu hoje, na frente da Reitoria da nossa universidade. Eu não defendo e jamais defenderei a intransigência e prepotência dos que quiseram impedir a nossa entrada. Isso ocorreu e não concordo com eles”.

 

Professor ANDRÉ SINGER (Congregação da FFLCH)

“Para surpresa de todos nós, aparece uma proposta às vésperas de uma reunião do Conselho. Este é um método democrático de deliberação? A decisão de desencadear uma brutal repressão aos manifestantes só faz crescer a impressão de que isto está sendo votado à força”

O professor comenta, inicialmente, que participou de reunião da Congregação da FFLCH no dia 16/2. Nessa reunião, a diretora da unidade, professora Maria Arminda, fez relato acerca de uma reunião presidida pelo reitor com os dirigentes de unidades.

“Neste relato, não apareceu uma vez a proposta de parâmetros de sustentabilidade que hoje está em discussão. Alguns dias depois, para surpresa de todos nós, aparece uma proposta, às vésperas de uma reunião do Conselho, às vésperas do Carnaval, quando as aulas não haviam começado. Eu pergunto às senhoras e senhores: é possível considerar este um processo democrático de deliberação? E eu tenho a obrigação funcional e regimental de vir aqui pôr esta questão para os senhores as senhoras, porque a minha Congregação não se reuniu para decidir. Portanto óbvio que eu, como representante da Congregação, pergunto: este é um método democrático de deliberação?

A FFLCH é a maior unidade desta universidade. Nós somos 15 mil uspianos. Muitos deles nesta manifestação que aconteceu aqui em frente. Eu sou responsável por estes uspianos.

Noto uma profunda contradição nas falas daqueles que defendem que a votação ocorra hoje. Porque dizem que este plano ‘não tem nada demais, são apenas as regras que já estão aí’. Mas se são ‘apenas as regras que já estão aí’, porque votar desta maneira?

A decisão de desencadear uma brutal repressão em relação aos manifestantes que estavam na frente desta Reitoria só faz crescer a impressão de que isto está sendo votado à força. Faço um apelo a este conselho e um chamado à razão e um apelo ao Magnífico Reitor, de que não faça esta votação hoje. Esta votação vai corroborar algo muito grave. Na realidade, a sociedade brasileira está naturalizando a violência e as coisas estão sendo decididas pela violência. E a universidade não pode embarcar nisso, a universidade tem de dar o exemplo contrário.

O diálogo até o fim! Esta é a nossa responsabilidade enquanto professores, enquanto educadores, enquanto Conselho Universitário, enquanto Magnífico Reitor. Decisões equivocadas acontecem, todo mundo toma decisões equivocadas. Mas é preciso saber voltar atrás, é preciso ter razão. Por isso eu faço este chamado à razão, breve, mas eu espero que ele seja pelo menos registrado no sentido de que esta votação não ocorra hoje. A FFLCH está plenamente de acordo de que é preciso ter responsabilidade na administração da universidade. É uma unidade inteiramente comprometida com a autonomia universitária e portanto sabemos a seriedade do que está sendo discutido. E queremos discutir. Mas acho muito arriscado que se aliene de toda a discussão uma parcela enorme dessa universidade que tenho muito orgulho de representar”.

EXPRESSO ADUSP


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