Democratização da USP: urgente desafio
Daniel Garcia
Humor e alegria no ato da Avenida Paulista em 24/11

A mobilização dos estudantes cresce, conquistando apoios até em unidades que geralmente não aderem a movimentos coletivos. O protesto estudantil ganha vigor ao mesmo tempo em que realça algumas de suas características mais marcantes, como o uso do humor como instrumento de crítica e a disseminação dos círculos de debate. A ampliação da curiosidade e das indagações quanto às causas estruturais dos recentes episódios ocorridos no campus Butantã da USP é um dos ganhos do movimento.

A assembleia da Adusp de 9/11 apontou diversas questões cujo debate é urgente e deve ser aprofundado. Todas elas relacionadas, de algum modo, aos índices de democracia existentes dentro e fora do campus, o que remete, de imediato, à discussão da estrutura de poder vigente nesta universidade, com seu Estatuto que mantém intacta a hierarquia oligárquica, a centralização do poder na figura do reitor e as heranças da Ditadura Militar, como o regimento disciplinar de 1972.

Claro está que a operação de desocupação da Reitoria protagonizada por um contingente despropositado de policiais militares, com direito a apoio aéreo e cavalaria, não teria sido possível, em termos legais e políticos, caso não tivesse sido requisitada pelo reitor por via judicial, confirmando seu estreito vínculo com um governo estadual, afeito a soluções autoritárias e à repressão das demandas populares. É nosso entendimento que essas questões deveriam ter sido resolvidas pelo diálogo e pela negociação.

Como já assinalamos na edição anterior, o convênio com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) que trouxe a PM ao dia a dia do campus do Butantã não foi submetido ao Conselho Universitário (Co), embora o reitor disponha de amplíssima maioria nesse colegiado. Isso significa que, eventualmente, nem sequer os ritos formais da instituição são respeitados, ainda que não impliquem risco para as intenções da Reitoria. Ora, levar assuntos dessa natureza ao Co permitiria que as poucas vozes da comunidade universitária que se dispõem a exercer a crítica e a reflexão no âmbito daquele colegiado se manifestassem.

O sistema de poder da USP é exercido por um seleto círculo, pertencente, por sua vez, a um segmento relativamente pequeno: os professores titulares, que são 1.072 ou 18,7% dos 5.732 docentes (dados de 2009). Somente os professores titulares podem candidatar-se aos cargos de reitor, vice-reitor e diretor de unidade. Eles controlam as congregações e praticamente todos os órgãos importantes. O grau de sua presença no principal colegiado da universidade expressa adequadamente a medida do seu poder, quando comparado ao de outros segmentos docentes e ao de outras categorias. Continuemos a conferir os números.

Dos 122 assentos do Co, nada menos do que 81 (66%) são ocupados atualmente por professores titulares, na condição de diretores de unidades e representantes de congregações (esse segmento preenche até a vaga reservada aos ex-alunos). Os 3.080 professores doutores, que são 53,73% de todo o corpo docente, contam com um solitário representante no Co, vale dizer, ocupam 0,8% dos assentos!

A discriminação não se limita aos doutores. Os alunos de graduação e de pós-graduação, que em 2009 eram quase 91 mil, possuem apenas 15 representantes no Co, o que resulta em 12,29% do total de assentos. Os funcionários, que eram 15.341 naquele mesmo ano, têm 3 representantes ou 2,4% dos assentos.

Este sistema, fundamentado na concentração de poder e que se reproduz nas congregações e nos demais colegiados, tem-se perpetuado por meio de eleições indiretas de reitores e diretores de unidades, com troca de favores entre grupos, loteamento de cargos e perseguição aos opositores. O fato de caber ao governador a palavra final, escolhendo um dos três nomes mais votados em um colégio eleitoral que não representa a comunidade (no segundo turno se reduz a cerca de 300 eleitores), é uma concessão do Estatuto; a eleição poderia concluir-se no âmbito da própria universidade.

Um dos elementos centrais do exercício do poder na USP é a criação de casuísmos e normas ilegais, sendo frequente a prática de atos que ferem a Constituição Federal, como apontado, reiteradas vezes, pela Adusp. A oferta de cursos pagos, as regalias concedidas às fundações privadas ditas de apoio, a crescente terceirização do corpo de funcionários técnico-administrativos, as demissões de dirigentes sindicais com estabilidade são alguns dos exemplos de tais práticas. Na atual gestão esses vícios acentuaram-se. O reitor é alvo de inquérito do Ministério Público Estadual por suspeita de nomeações irregulares na Procuradoria Geral da USP, ex-CJ (Informativo Adusp 332).

Neste contexto de falta de representatividade na tomada de decisões por parte da Reitoria, as insatisfações acumuladas vieram à tona como reação às ações da PM. Se tivéssemos à frente da Reitoria dirigentes universitários afeitos à democracia, a resposta às tensões represadas poderia ter sido mais inteligente.

Indubitavelmente, a democratização da USP e a realização de uma Estatuinte voltam a figurar, com força, na agenda do movimento. Materializar essa agenda é um desafio a ser superado diante da falta de sintonia entre os segmentos que sustentam esta proposta, o que já inviabilizou o quinto Congresso da USP em 2008. Tornou-se um urgente desafio a união em torno da bandeira da Estatuinte.

 

Informativo n° 338

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!