Desigualdades raciais
Depois de anular concurso que escolheu professora negra, USP publica novo edital para a mesma vaga; Érica Bispo entra na Justiça para garantir sua contratação

Diversas entidades e organizações têm manifestado repúdio e indignação contra a decisão da USP de anular o concurso público em que a professora e pesquisadora Érica Cristina Bispo foi aprovada em primeiro lugar para a vaga de docente de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), aberta pelo edital FFLCH/FLC 24/2024, publicado em dezembro de 2023.
Única candidata negra no certame, Érica foi nomeada para exercer o cargo em portaria assinada pelo reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior em 12 de novembro de 2024. O concurso, porém, acabou anulado por decisão do Conselho Universitário (Co) em março de 2025.
O DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme” e o Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade” (CAELL) divulgaram nota na qual exigem “que essa decisão injusta seja revista” para que Érica possa assumir o seu cargo como docente da USP.
O Congresso Internacional de Literaturas e Culturas Africanas (Griots) e a Associação de Escritores da Guiné-Bissau (Aegui) também publicaram manifestações de solidariedade à professora, assim como parlamentares, acadêmicos(as) e outros coletivos.
A anulação do concurso decorre de recurso apresentado por seis candidatos e candidatas que haviam concorrido à vaga, que alegaram a ocorrência de “possíveis irregularidades”, tais como “relações pessoais muito próximas entre a candidata indicada e os membros da banca, alterações não previstas em edital e discrepância injustificada entre as notas dos candidatos nas duas fases do concurso”,
FFLCH e MP-SP não acataram recurso, mas PG levou tema ao Co
O primeiro fórum a analisar o recurso foi a Congregação da FFLCH. Em sessão do dia 26 de setembro de 2024, a Congregação acolheu o parecer do professor Osvaldo Coggiola e indeferiu o recurso: foram 22 votos pelo indeferimento, nenhum contrário e duas abstenções.
Na contramão da decisão do colegiado da unidade, porém, a Procuradoria-Geral (PG) da USP acolheu a demanda dos(as) demais candidatos(as). O parecer da PG desconsidera questões que dizem respeito às notas ou a outros critérios: “A respeito das alegações de discrepância de notas, falta de critérios objetivos e desempenho inferior da candidata indicada, esclarece tratar-se de clara avaliação de mérito, na qual a comparação de provas quantificando atividades, nada mais é do que pretender substituir a Comissão Julgadora”.
A PG, no entanto, considerou que fotos retiradas de publicações de redes sociais demonstrariam “convivência íntima” e “não circunscrita ao âmbito acadêmico” entre Érica e duas docentes que participaram da banca, e com base nisso emitiu parecer pela anulação do concurso, acatado pela Comissão de Legislação e Recursos (CLR) do Co.
Em sessão realizada no dia 18 de março de 2025, o Co aprovou o parecer pela anulação por 59 votos favoráveis, um contrário e quatro abstenções. O professor Adrián Pablo Fanjul, diretor da FFLCH, foi o autor do voto contrário, e afirmou que sua manifestação tinha a “ver com o que é uma decisão da minha Congregação, e eu preciso acompanhar”.
A anulação da nomeação de Érica foi publicada no último dia 15 de julho, e em 1o de outubro o Diário Oficial do Estado publicou o edital FFLCH/FLC 37/2025, que abre novo concurso para a vaga.
O caso também foi levado pelo grupo de candidatos(as) ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que arquivou o inquérito civil por “não restar evidenciada a atuação dolosa de qualquer agente público”.
“Novo concurso consolida a injustiça e passa por cima do meu direito”, diz Érica
Docente do Instituto Federal do Rio de Janeiro, com mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Érica Bispo entrou com uma ação na Justiça para tentar reverter a anulação do concurso na USP.
Numa série de vídeos publicados nesta semana em sua conta no Instagram, ela afirma que com o novo concurso a universidade pode preencher um cargo que ainda é objeto de discussão judicial e que a eventual aprovação de outra pessoa pode tornar ainda mais difícil a reversão da anulação.
“Esse novo concurso consolida a injustiça e passa por cima do meu direito. Fui aprovada por mérito, por unanimidade, por todos os cinco avaliadores que estavam compondo a banca, tanto aqueles que tiveram a suspeição levantada quanto os que não tiveram. Com a abertura do edital, a minha luta se tornou uma corrida contra o tempo”, afirmou.
Em relação à argumentação da suposta amizade íntima com duas integrantes da banca, Érica diz que as “seis fotos aleatórias retiradas de redes sociais” retratam eventos e congressos da área de literaturas africanas, “que é uma área bem pequenininha”. “São fotos do Rio de Janeiro, Moçambique e Natal, são fotos em grupos e que definitivamente não provam uma amizade íntima”, argumenta.
Além disso, a banca era composta por cinco componentes, “e os cinco me deram notas consistentes e altas o tempo inteiro”, prossegue.
Érica afirma ainda que teve negado o seu direito a ampla defesa. De acordo com seu relato, quando comunicada sobre a abertura de processo referente ao recurso do grupo de candidatos(as), enviou à PG vários documentos, inclusive a manifestação técnica elaborada por seus advogados.
Depois da anulação do concurso, a professora requereu o processo inteiro, “e quando tomei ciência eu descobri que a manifestação técnica que havia sido elaborada pelos meus advogados não foi incluída, ou seja, foi-me negado o direito a ampla defesa”. “O Co votou sem ao menos ter ciência daquilo que eu estava argumentando para me defender”, afirma.
Na sua avaliação, a USP “não só validou essas acusações frágeis como também não garantiu que eu tivesse direito a ampla defesa”. “O concurso foi anulado por um mero indício”, considera.
Por ser a única candidata negra a ter prestado as provas, “esse recurso tem um caráter discriminatório”, entende Érica Bispo.
Integrante do Coletivo de Docentes Negras e Negros da USP, a professora Adriana Dantas, da Faculdade de Educação (FE), disse ao Informativo Adusp Online que a Reitoria deveria reverter a anulação do concurso: “Se o Ministério Público fez uma profunda investigação ouvindo todas as partes envolvidas e considerou que não houve improbidade, então o concurso foi legitimo, fato que a Congregação da FFLCH já tinha averiguado. Se o concurso foi legal, a anulação deveria ser revertida”.
“A USP tem sido questionada pelo baixo número de docentes negros”, prossegue. “Esta é, então, uma oportunidade histórica para o reitor pautar essa anulação para reconsideração do Co e impedir que essa injustiça seja cometida contra uma candidata preta que passou, de forma legítima, indicada por unanimidade pela banca.”
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