PEE, mais uma negligência  do governo Alckmin?

Eventos recentes relacionados ao trâmite de propostas de Plano Estadual de Educação (PEE-SP) parecem indicar que este está, novamente, destinado a não se con­cretizar, atribuindo-se a culpa à “lentidão” da Assembleia Legislativa (Alesp). Tal como em 2003, sem que a mídia noticie devidamente o curso dos acontecimentos na Alesp. Naquela ocasião, houve grande alarido quando do anúncio do processo: o (já) então governo Alckmin “presentearia” os docentes com um PEE, no “Dia do Professor”.

Daniel Garcia
Pronunciamento do professor Otaviano Helene na Alesp, em 22/9

Contudo, em 2003, a existência de outro plano — PEE-Proposta da Sociedade Paulista — elaborado pelo, à época, ativo Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública (Fedep), fez com que o projeto oficial nunca chegasse à apreciação do plenário da Alesp e fosse retirado, anos mais tarde, pelo governo Serra.

Atualmente, por força do artigo 8° do Plano Nacional da Educação, o governo estadual foi obrigado a elaborar um novo PEE com “ampla participação” e para tanto ressuscitou um Fórum Estadual de Educação (FEE-SP, que não se confunde com o Fedep). Os últimos acontecimentos na Alesp, em particular o cancelamento da audiência pública da Comissão de Edu­ca­ção e Cultura (CEC), agendada há semanas para 22/9, sugerem, porém, temor do Executivo de que o debate escancare as fragilidades da sua proposta.

O cancelamento foi comunicado pela presidente da CEC, deputada Rita Passos (PSD), aos demais membros às 17 horas de 21/9, alegando que apenas nesse horário recebeu mensagem do secretário da Educação, Herman Voorwald, na qual ele comunicou a impossibilidade de comparecer.

Três projetos

Como já noticiado, desta vez há três propostas de PEE em disputa na Alesp.

A primeira, PL 1.035/15, é a atualização do PEE-Proposta da Sociedade Paulista de 2003, contando novamente com um diagnóstico detalhado e nove metas, que abarcam todos os pontos essenciais para uma efetiva melhora na situação da educação no Estado, dentre eles o financiamento compatível com tais metas e a indispensável melhoria salarial para os docentes da educação básica.

Posteriormente o Executivo estadual apresentou a sua proposta, que se tornou o PL 1.083/15, formatado pela Secretaria da Educação (SEE). Ele desrespeita, em pontos essenciais, a proposta elaborada pelo FEE-SP e encaminhada em março à SEE.

Ao constatar que fora “passado para trás”, o FEE-SP decidiu sustentar sua proposta original e fazê-la concorrer com as outras duas. Desse modo, ela foi protocolada como substitutivo ao PL 1.083/15.

Preocupação

Há muitos pontos preocupantes nas metas e correspondentes estratégias contidas no PL 1.083/15 e no substitutivo do FEE-SP. É o caso da Meta 17 do PL 1.083/15, que versa sobre a “valorização dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica”, mas não demonstra  compromisso com a melhoria de salários e condições de trabalho dos professores e ainda cita a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”.

Sua estratégia 20, que se refere ao financiamento da educação, é escandalosa: simplesmente repete o teor da lei federal, vinculando o financiamento ao PIB do país.

É exatamente nesses pontos negligenciados pela proposta oficial que reside a principal preocupação do PEE-Proposta da Socie­dade Paulista, ou PL 1.035/15, pois sem enfrentá-los de forma consistente nenhum progresso real poderá ser atingido. Mas existem outros itens reprováveis.

A Meta 1, que se refere à educação infantil, é inócua, pois já está sendo praticamente cumprida se levada em conta a contribuição das “creches conveniadas”. Atender em São Paulo, em 2023 (!), apenas metade das crianças de até 3 anos de idade é piada de mau gosto.

As metas que tratam do ensino médio, nos seus diferentes tipos e modalidades (Educação Profissional Técnica e EJA), também causam estranheza: sua redação ambígua permite adequar esta etapa de ensino às propostas do governo estadual de flexibilização e redução dos conteúdos curriculares, ou à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sugerida pelo MEC. Tais metas são contrárias ao que vem sendo historicamente defendido pelos educadores e apenas pretendem atender a conveniências de órgãos gestores nas esferas estadual e federal.

De forma análoga, com respeito à educação superior, o PL 1.083/15 e o substitutivo do FEE-SP incorporam as metas do programa Reuni do MEC (do mesmo modo que o PNE-2014) que determinam valores mínimos para a relação estudante por professor e para a taxa de conclusão, contrários à boa qualidade do ensino e da pesquisa nas universidades. E ambos permitem que as instituições privadas continuem a expandir-se, quase na mesma proporção alarmante atualmente verificada.

Assembleia

As entidades ligadas à educação, lideranças políticas e movimentos sociais presentes à Alesp em 22/9 reagiram ao cancelamento da audiência pública da CEC, transfor­man­do-a numa assembleia para discutir o assunto pautado.

Compuseram a mesa os deputados João Paulo Rillo e Márcia Lia (ambos do PT); os professores Otaviano Helene, do GTPE-Adusp, João Palma, representante do FEE-SP, e Sílvia Elena de Lima, presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza (Sinteps); João Marcos de Lima, presidente do Sindicato dos Funcionários e Servidores da Educação de São Paulo (Afuse); um representante discente das Fatecs; e Vera Soares, que representou grupos de defesa dos direitos humanos. Todos contestaram o PL de Alckmin.

Helene destacou “a enorme quantidade de problemas” do PL 1.083/15 e que “alguns atingem o limite do ridículo”, ao aparentarem ser “simplesmente um ‘copiar e colar’ sem limites”. Em contraponto, defendeu a meta inscrita no PL 1.035/15 de que sejam investidos 6% do PIB paulista em educação pública, a partir de 2018, com incremento de 0,5% ao ano, até atingir 9,5% do PIB paulista em uma década, o que permitiria aumentar a remuneração dos professores da educação básica paulista, “que é muito baixa se comparada com a renda de outros trabalhadores com mesma escolarização e mesma carga horária”.

Por sua vez, o professor Palma, que parece estar se distanciando das posições do governo, atacou duramente a adoção pela SEE de três metas que introduzem mudanças extremamente criticáveis no ensino médio e, em especial, uma reforma que a Meta 23 do PL 1.083/15 pretende realizar naquele nível de ensino.

Vera Soares chamou a atenção para a questão dos conteúdos a serem contemplados no ensino: “Se estamos falando de direitos humanos, isso implica a inclusão de discussões acerca da igualdade e diversidade de gêneros, orientação sexual, a questão racial e indígena”.

Nem mesmo a tentativa de tumulto por parte de membros do grupo de extrema-direita “Tradição, Família e Propriedade” (TFP), no início do evento, impediu a realização do debate. Ao final, os deputados Rillo e Raul Marcelo (PSOL) comunicaram que, antes da votação do PEE, serão realizadas seis audiências públicas em diversas cidades. Uma modesta, mas importante vitória do movimento, pois significa um recuo em relação à urgência para a tramitação do projeto do governo na Alesp, que se encerraria em setembro.

Informativo nº 407

EXPRESSO ADUSP


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