Alesp aprova projeto que corta recursos da educação pública, proposta qualificada como “retrocesso” e “crime” pela oposição
Professores e estudantes se manifestaram contra a PEC 9 em audiência pública no dia 13/11 (Foto: Bruna Sampaio/Alesp)

A base do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) desferiu nesta quarta-feira (27/11) mais um ataque à educação pública do Estado. Em votação em segundo turno, o plenário aprovou por 59 votos favoráveis (um a mais do que o necessário) e 19 contrários a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023, que permite ao governo reduzir de 30% para 25% da receita o investimento anual em educação. O mínimo de 30% vigora desde a promulgação da Constituição Estadual, em 1989.

A redução de cinco pontos percentuais equivale a 16,5% do orçamento da educação e pode significar a retirada de cerca de R$ 11 bilhões dos recursos da educação pública no Estado somente no seu primeiro ano de vigência, que é 2025, provocando reflexos inclusive no financiamento das universidades estaduais.

De acordo com o texto aprovado, que altera o artigo 255 da Constituição Estadual e introduz o artigo 217-A, o governo poderá utilizar 5% da receita “em despesas com educação ou em ações e serviços públicos de saúde ou em ambos”.

O deputado Gilmaci Santos (Republicanos), líder do governo na Alesp, diz que esses recursos vão ficar “flutuando”. “Vamos continuar tendo 42% entre educação e saúde. Hoje é 30% e 12% [respectivamente], e nós teremos 25% e 17%. Havendo necessidade desses 5% serem usados na saúde no ano que vem, com certeza o governo vai usar”, disse o deputado ao final da sessão.

Parlamentares da oposição criticaram duramente a aprovação da PEC 9. A deputada Professora Bebel (PT), segunda presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), chamou a medida de “um grande retrocesso”, talvez o maior que tenha conhecido. “Como líder sindical, já lutei contra muitos [governos], mas nenhum deles ousou mexer nas verbas da educação”, afirmou. “Defendemos, é claro, uma saúde de qualidade, mas a educação não pode pagar esse preço para que a saúde tenha qualidade.”

O deputado Carlos Giannazi (PSOL) também chamou a aprovação do projeto de “um dos maiores retrocessos do Estado de São Paulo”. “É um dos maiores crimes praticados por um governo contra a escola pública, que já está sucateada, degradada, com superlotação de salas, pagando um dos piores salários da federação. O governo, ao invés de investir mais, está cortando recursos. É um crime contra a educação e contra a escola pública”, afirmou o parlamentar, que anunciou que pretende ingressar com ação no Supremo Tribunal Federal para tentar derrubar a medida.

Estado tem dinheiro para atender demandas da educação e da saúde sem cortes, defende Fórum

Em boletim publicado nesta quinta-feira (28/11), o Fórum das Seis diz que a justificativa da destinação de verbas para a saúde é “demagógica”. “Ficará a cargo do Executivo decidir, ano a ano, o quanto quer cortar da educação e repassar para a saúde. É evidente que ambos os setores necessitam de mais recursos para atender à população, mas o Estado tem dinheiro para atendê-los sem cortar nada”, defende o Fórum, que reúne as entidades representativas de docentes, funcionários(as) e estudantes da USP, Unesp, Unicamp e Centro Paula Souza.

“Há recursos suficientes no Estado de São Paulo, que tem o Produto Interno Bruto (PIB) mais alto do país, para investir em saúde, educação e no conjunto dos serviços públicos com bastante folga. O problema é que a prioridade é outra: sob a gestão de Tarcísio de Freitas, o Estado tornou-se recordista em renúncia fiscal, ou seja, isenções e benefícios para grandes empresas. Em 2025, serão cerca de R$ 77 bilhões, 30% do montante de isenções praticadas no país. E essa vultosa quantia é destinada às isenções sem nenhuma transparência: não se sabe quais empresas são beneficiadas e qual retorno social elas supostamente ofereceriam à sociedade para justificar tamanho saque aos cofres públicos”, prossegue o Fórum das Seis.

Redução de verbas vinculadas é marca histórica de períodos ditatoriais, diz docente da FE

Na avaliação do professor Otaviano Helene, docente sênior do Instituto de Física (IF) da USP e ex-presidente da Adusp, a redução do orçamento da educação significa que o investimento por aluno(a) da rede pública vai cair de cerca de 15% da renda per capita do Estado para aproximadamente 13%.

“Nenhum lugar do mundo que tem uma educação minimamente razoável investe menos do que 25% da renda per capita por aluno por ano. Ou seja, nós investimos bem menos que seria o necessário e o governo ainda propõe um corte. Isso é absolutamente calamitoso”, afirma. “Temos que reconhecer o mérito e a extrema eficiência do setor público por conseguir fazer o que faz com tão pouco dinheiro.”

Caso o corte de 16,5% seja aplicado de maneira uniforme, alerta Otaviano Helene, em relação às universidades a redução no financiamento equivaleria a diminuir o percentual da cota-parte do ICMS de 9,57% para cerca de 8%, valor da folha de pagamento de cerca de 900 docentes e 2 mil funcionários(as).

O professor lembra que o texto da PEC 9/2023 não explicita como e onde será aplicada a redução de recursos e critica “a omissão e a ausência [no debate]” dos órgãos de administração acadêmicos, como os Conselhos Universitários, congregações, diretorias e unidades e o próprio Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), “como se o corte não fosse com eles”.

“O que está acontecendo é que o Tarcísio, lamentavelmente, está nadando de braçada e testando a fragilidade do setor educacional em reagir a essas situações”, lamenta.

O professor Fernando Cássio, docente da Faculdade de Educação da USP (FE) e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), considera que a aprovação da PEC 9 representa “um dia muito triste para a educação pública”.

“Como professor de políticas educacionais, costumo ensinar aos/às estudantes que reduções de vinculações constitucionais [de verbas] para a educação são marcadores históricos de períodos ditatoriais no país. É lamentável testemunhar a desfaçatez com que o Executivo e o Legislativo paulistas dão de ombros para uma rede de ensino que está fechando turmas, que paga péssimos salários e oferece uma carreira pouquíssimo atrativa, e que não investe o necessário nas condições de trabalho dos servidores e na infraestrutura escolar. Essa rede, nessas condições, não merece perder 1/6 dos seus recursos”, afirma.

O projeto foi encaminhado pelo Executivo à Alesp em outubro de 2023 e desde logo teve seus aspectos deletérios apontados por vários setores e instituições, como o Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que em parecer defendeu a rejeição da PEC 9.

A oposição procurou obstruir a tramitação do projeto, especialmente na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, mas finalmente o colegiado aprovou o parecer favorável do relator, deputado Carlos Cezar (PL), em agosto deste ano. Como o governo e os(as) parlamentares da sua base avaliaram que a matéria poderia ter efeitos negativos nas eleições municipais de outubro, o texto só foi pautado para votação em plenário depois do pleito.

EXPRESSO ADUSP


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