A desocupação da Creche Oeste, na Cidade Universitária, pode começar a tomar forma nas próximas semanas, a partir da intervenção da Comissão Regional de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

Nesta quinta-feira (8/8), foi finalmente expedida a decisão do juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 1ª Vara da Fazenda Pública, dando ciência às partes de que a Comissão dará início aos procedimentos para realizar uma audiência de conciliação entre os(as) atuais ocupantes e a USP. A manifestação anterior do juiz para que a Comissão fosse consultada para “avaliação sobre a possibilidade de intervenção” no caso ocorreu no dia 26/4, há mais de três meses.

Agora, a Comissão dará início aos seus trâmites, que incluem visitas técnicas e produção de relatórios, até que seja agendada uma reunião de conciliação. Tanto a USP quanto os(as) atuais ocupantes já se manifestaram favoravelmente, no âmbito do processo, à realização da audiência. Não há estimativa de prazo para esses andamentos.

A audiência de conciliação reunirá as partes envolvidas, além da Defensoria Pública, que representa os(as) ocupantes, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e outros órgãos, e vai tratar também da questão da futura moradia dos(as) ocupantes.

A Comissão foi criada no ano passado, atendendo a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) válida para tribunais de todo o país, e substituiu o Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (Gaorp), que existia no TJ-SP desde 2014.

Desde o fechamento, USP não tinha nenhum plano para destinação do imóvel

O processo no qual a USP requer a reintegração de posse das instalações da Creche Oeste remonta a 2017. Logo em janeiro daquele ano, em pleno período de férias, a unidade teve suas atividades interrompidas de forma abrupta, truculenta e sem justificativa pela gestão do então reitor M.A. Zago, atual presidente da Fundação de Amparo à Pequisa do Estado de São Paulo (Fapesp) , sem que funcionários(as) e a comunidade fossem previamente avisados(as). Na opinião de Zago e de outros reitores que o sucederam, as atividades desenvolvidas na Creche são de cunho assistencialista, visão contrária àquela dos movimentos em defesa das creches.

As creches, assim como a Escola de Aplicação e o Hospital Universitário, são unidades de ensino, pesquisa e extensão, além de serem fundamentais para as políticas de permanência, especialmente para estudantes que são mães.

Rapidamente um movimento de resistência ao fechamento do espaço foi formado, criando-se a Ocupação Creche Aberta, o que motivou a Reitoria a abrir o processo já em março daquele ano.

Um mandado de reintegração de posse chegou a ser expedido naquele mês pelo juiz Danilo Mansano Barioni, da 1ª Vara de Fazenda Pública. Porém, a reintegração foi suspensa pelo desembargador Marcos Pimentel Tamassia, da 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, que determinou a realização de uma audiência de conciliação.

Na audiência, realizada em 20/4/2017, os representantes da USP não conseguiram explicar as razões da repentina decisão de desativar a creche. Ao final, o próprio juiz Barioni, que expedira o mandado, mudou o seu entendimento.

“Levando em conta o que foi dito ao longo dessas duas horas e meia de audiência […] mesmo mantendo o entendimento de que favorável à autora [USP] a questão possessória, o fechamento da Creche Oeste ocorreu de forma inexplicavelmente abrupta, sem o mínimo planejamento e sem dimensionamento de eventual comprometimento da estrutura montada no imóvel, específica e complexa, voltada ao atendimento de menores. Mais que isso, ficou claro que não existe qualquer planejamento relacionado ao destino do imóvel”, considerou então o juiz. “Em simples resumo, a autora não tem o que fazer com o imóvel, ou ao menos isto não comprovou. Nesse quadro, a retomada não é urgente, não porque esbulho não há, mas porque sua imediata debelação implicaria mais prejuízo do que a manutenção do estado de coisas como hoje se apresenta.”

Perfil da ocupação mudou, mas se mantém a luta pela reabertura da creche

Ao longo desses sete anos e meio de ocupação, o perfil e o número de ocupantes passaram por várias alterações. Na atualidade, permanecem de forma fixa quatro pessoas no local. Até o final de 2023, relataram dois ocupantes ao Informativo Adusp Online, havia cerca de 30 pessoas, mas elas passaram a sair nos meses seguintes por se sentirem intimidadas após novas ações no âmbito do processo, como o envio de oficiais de Justiça às instalações da antiga Creche Oeste.

A USP também exerceu novas pressões, com a circulação de integrantes da Guarda Universitária da USP no espaço, aproveitando-se de trabalhos de poda executados pela Prefeitura do Câmpus.

“Não podemos sair por duas razões. Primeiro, porque somos os responsáveis pela ocupação e não podemos abandoná-la no meio do processo. E, segundo, não temos para onde ir”, relatou à reportagem uma das ocupantes.

Num documento encaminhado à Procuradoria-Geral da USP no final do ano passado, os(as) ocupantes atestam que “o Patrimônio Público e Histórico do imóvel encontra-se preservado e, dentro do possível, conservado pela Comunidade OCA (Ocupação Creche Aberta)” e sustentam que o movimento luta para que o espaço “seja reformado e restaurado, e volte a cumprir sua função social, ou seja, volte a ser uma creche, com a sua reabertura”.

Uma possível reabertura, embora em moldes bastante distintos dos originais, que transformaram a Creche Oeste em referência pedagógica e também em fonte de pesquisa para trabalhos acadêmicos, foi anunciada em março do ano passado. A USP e a Prefeitura Municipal de São Paulo assinaram um protocolo de intenções “com o intuito de realizar estudos técnicos visando a futura instalação de um Centro de Educação Infantil no antigo prédio da Creche/Pré-Escola Oeste”.

De acordo com comunicado emitido à época pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), o protocolo de intenções “terá vigência de 24 meses, a partir da data de sua assinatura, e todos os termos do futuro convênio entre a Universidade e a Secretaria da Educação do Município de São Paulo serão definidos ao longo desse período”.

O futuro Centro de Educação Infantil (CEI) atenderia crianças de zero a 3 anos e 11 meses e seria “uma unidade conveniada para atender a comunidade externa, contudo, há previsão de um percentual de vagas, ainda não definido, para a comunidade USP”.

Procurada em duas oportunidades pelo Informativo Adusp Online, a PRIP não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem sobre a negociação para a desocupação do espaço nem sobre eventuais avanços nas tratativas com a Prefeitura de São Paulo para a eventual criação de uma CEI nas instalações da antiga Creche Oeste.

A PRIP também não se manifestou a respeito da renovação do protocolo de intenções, caso o espaço não seja desocupado até março de 2025, quando se esgota a vigência do documento assinado no ano passado.

“Agora a USP diz que está interessada em suprir a demanda. Antes não estava? Mudou de lá para cá?”, diz um dos ocupantes. “A ocupação existe para isso. Para não fecharem a creche”, completa, ressalvando que o protocolo de intenções é vago e que os(as) integrantes do movimento não estão plenamente convencidos(as) de que um CEI venha de fato a ser instalado no local.

“Poder público virou caixa de pagamento de empresas privadas”, diz defensora pública

Na avaliação da defensora pública Daniela Skromov de Albuquerque, que representa os(as) ocupantes no processo, “aparentemente a ocupação alcançou o seu fim, que era que o espaço permanecesse com uso e creche”.

A defensora considera que a demora na realização dos procedimentos judiciais não é ruim porque “dá tempo para os ocupantes se organizarem para sair e para a Prefeitura se organizar para implementar uma creche”. “Não há nenhuma urgência por parte da USP nem da Prefeitura”, disse ao Informativo Adusp Online.

A defensora pública, no entanto, faz várias críticas ao caráter do futuro CEI que é objeto do protocolo de intenções entre USP e Prefeitura, porque essas instalações têm sido administradas pelas chamadas Organizações da Sociedade Civil (OSC) – na prática, entidades privadas a quem o poder público vem terceirizando a gestão dos equipamentos de saúde e educação sob sua responsabilidade.

“Isso é um vírus, um problema crônico do poder público, que em São Paulo é bastante agravado”, disse Daniela Skromov de Albuquerque ao Informativo Adusp Online. “O poder público virou uma caixa de pagamento de empresas privadas.”

A defensora pública relatou que tem acompanhado casos que qualifica de “dramáticos”, inclusive em áreas como moradia e atendimento à saúde mental. “Com essas gestões de direita, que terceirizam tudo, virou a regra. Quando se elege esse tipo de político, é esse tipo de execução de política pública que vai existir”, afirma.

A Defensoria Pública e o MP-SP acompanham casos concretos, diz, “mas têm pouca perna para questionar uma política inteira e uma forma de governo que é eleita”.

Pouco depois da assinatura do protocolo de intenções, as professoras de Educação Infantil da Creche e Pré-Escola Central da USP divulgaram uma carta de repúdio à proposta.

“Repudiamos o fato de uma Universidade Pública, como a Universidade de São Paulo, se unir ideologicamente a esta prática mercantilista do conhecimento, bem como sua repulsa à Educação Infantil, dentro de seus domínios. Repudiamos o fato de não cumprirem em sua totalidade e de maneira qualitativa – considerando a potência que tem – todas as ações ligadas aos três aspectos de sua função social: ensino, pesquisa e extensão”, afirma o documento.

Sintusp vai criar Secretaria de Educação Básica

No próximo dia 16/8, o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) realiza um ato para criar a Secretaria de Educação Básica da entidade. O papel da nova secretaria será “acolher, refletir, articular, unificar e apoiar a organização das lutas da comunidade universitária que digam respeito à Educação Básica”.

No texto-convite para a atividade, que ocorre a partir das 18h na sede do sindicato e é aberta à comunidade, o Sintusp descreve o processo de “desmonte e terceirização” imposto pela USP ao setor de serviços gerais, aos agentes de segurança, aos restaurantes e ao Hospital Universitário (HU), submetidos a um orçamento insuficiente para a sua manutenção.

Novas vagas não são abertas para crianças e não há contratação de funcionários(as) para esses e outros setores, aponta o texto. Essa realidade deixa os espaços de formação e extensão representados pelas creches, Escola de Aplicação, Escola de Arte Dramática e Colégio Técnico de Lorena (Cotel) “com um quadro envelhecido, adoecido e alheio às decisões da Reitoria” sobre as suas atividades.

Na avaliação do Sintusp, o mesmo projeto levou ao fechamento da Creche Oeste e agora “pretende entregá-la à iniciativa privada, por meio de uma parceria com a Prefeitura de São Paulo”.

EXPRESSO ADUSP


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