Entidades científicas e acadêmicas repudiam aprovação do “PL da Devastação” e pedem que presidente da República vete integralmente o projeto
Desmatamento na região de Colniza (MT), área da Amazônia Legal (Fotos Públicas)

Entidades científicas e acadêmicas de todo o país repudiaram a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que desmonta as regras de licenciamento ambiental no Brasil. O chamado “PL da Devastação” foi aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada desta quinta-feira (17 de julho), com 267 votos favoráveis e 116 contrários.

De acordo com a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que classificou a aprovação como “um ataque à ciência e à soberania nacional”, o texto “anula décadas de conquistas na proteção de biomas sensíveis, como a Amazônia e o Cerrado, e abre caminho para a expansão descontrolada de atividades predatórias”.

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) divulgou nota nesta quinta-feira em que denuncia que o PL 2.159 “é ‘primo-irmão’ da Lei nº 14.701/2023 (Marco Temporal) e representa um dos mais graves ataques à proteção ambiental e aos direitos territoriais dos povos originários e comunidades tradicionais”.

“Para o capital em crise, avançar sobre nossos bens naturais é estratégia de sobrevivência do próprio capital: coloca o lucro acima da vida. A aprovação deste projeto coloca o Estado brasileiro em uma política de destruição com impactos socioambientais sem precedentes. Crimes como os de Mariana e Brumadinho (MG), que ceifaram vidas humanas e devastaram comunidades e ecossistemas inteiros, tendem a se repetir – agora com ainda menos controle, uma vez que empreendimentos minerários poderão obter licenças automaticamente, sem estudos técnicos e sem análise prévia dos órgãos ambientais competentes – levando ao desmonte dos serviços públicos voltados à fiscalização ambiental, como o Ibama”, ressalta o Andes-SN.

Eline Luz/Andes-SNEline Luz/Andes-SN
Docentes fizeram protesto durante Conad do Andes-SN em Manaus

A entidade lembra que o texto foi relatado na Câmara pelo deputado de extrema-direita Zé Vitor (PL-MG), “um dos beneficiados por doações eleitorais do agronegócio em 2022”.

“Conforme o sistema de divulgação de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o parlamentar recebeu R$ 200 mil na campanha eleitoral de 2022, doados pelo empresário Roberto Carlos Lyra, presidente da Delta Sucroenergia, proprietária de três usinas de cana-de-açúcar no Triângulo Mineiro, reduto eleitoral do deputado”, diz o Andes-SN.

O Sindicato Nacional convoca a sua base a “fortalecer a mobilização pela campanha #VETALULA, em articulação com os movimentos sociais, para exigir que o governo vete integralmente este ataque à natureza e à vida”.

Durante o 68º Conad, realizado de 11 a 13 de julho em Manaus (AM), cerca de 300 docentes realizaram uma manifestação na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) contra a aprovação do “PL da Devastação”.

No protesto, ocorrido no domingo, dia nacional de luta contra o projeto, Annie Schmaltz Hsiou, 3ª vice-presidenta do Andes-SN e diretora regional da Adusp em Ribeirão Preto, ressaltou que o Congresso Nacional tem se comportado como inimigo do povo brasileiro e lembrou que o PL também impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos que financiem.

SBPC chama projeto de “afronta à ciência produzida pelos cientistas do Brasil e do mundo”

Em nota divulgada nesta quinta-feira, nove entidades acadêmicas e científicas “manifestam profunda preocupação e posicionam-se contrariamente a essa decisão do Parlamento, por entenderem que ela trará consequências gravíssimas para o meio ambiente e para os compromissos assumidos pelo país em relação à sustentabilidade”.

“Às vésperas da realização da COP 30, prevista para ocorrer na cidade de Belém, o Brasil envia ao mundo um péssimo sinal ao aprovar o que vem sendo justamente denominado como ‘PL da devastação’. A medida vai na contramão do que estabelece o conhecimento científico e contradiz a postura que o país historicamente defende nos fóruns internacionais sobre mudanças climáticas e preservação ambiental”, dizem as entidades, que “solicitam ao Presidente da República que vete, integralmente, o referido projeto de lei, em respeito à ciência, à democracia ambiental e ao futuro sustentável do Brasil”.

A nota é assinada, entre outras entidades, pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A SBPC já havia divulgado manifesto no último dia 14 de julho, às vésperas da votação, no qual classifica o PL como “uma ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros” e também como “uma afronta à ciência produzida pelos cientistas do Brasil e do mundo”.

O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos também criticou a aprovação do “PL da Devastação”, registra o jornalista Jamil Chade no UOL. “Nosso escritório compartilha as profundas preocupações com a aprovação dessa legislação, que representa um grande retrocesso para o meio ambiente e os direitos humanos no Brasil”, afirmou o chefe do escritório de Direitos Humanos da ONU na América do Sul, Jan Jarab.

GTPAS da Adusp apontou alguns dos principais problemas do PL

Em junho, depois da aprovação do projeto no Senado, o Grupo de Trabalho de Políticas Agrárias e Socioambientais da Adusp (GTPAS) havia divulgado nota apontando algumas das consequências mais preocupantes das novas regras. Entre outros itens, o projeto “cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), que afrouxa consideravelmente grande parte das conquistas em termos de legislação e controle ambiental obtidas nos últimos anos”.

Um dos principais retrocessos é “a dispensa de licenciamento para atividades que não ‘ofereçam riscos ambientais’, sendo que boa parte dessas avaliações agora passariam a ser autodeclaratórias”. “Bastaria a mineradora ou a agropecuária, por exemplo, dizerem que suas atividades não oferecem risco, por meio de um formulário, que o empreendimento poderia ser executado”, assinalou o GTPAS.

Outro problema é a criação de uma Licença Especial para empreendimentos considerados estratégicos para o governo. “Assim, projetos de alto impacto ambiental, como por exemplo exploração de petróleo na Foz do Amazonas, poderiam ser aprovados em um rito sumário. Terras Indígenas e Territórios Quilombolas e demais áreas protegidas passam a estar ameaçadas diretamente por esses afrouxamentos legais, por causa da dispensa de licenciamento em áreas ainda não regularizadas e para inúmeras atividades e empreendimentos previstos no PL”, diz a nota.

“Os órgãos de fiscalização ambiental são esvaziados e enfraquecidos pelas disposições do Projeto que propõe uma descentralização radical, atribuindo aos estados e municípios a prerrogativa de criarem suas próprias listas de restrições e permissões, segundo as conveniências das políticas (e dos políticos) regionais e locais”, ressaltou o GTPAS.

EXPRESSO ADUSP


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