Memória
ECA indica jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela Ditadura Militar há 50 anos, para receber da USP o título de Doutor Honoris Causa “in memoriam”

A Congregação da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) aprovou por unanimidade e por aclamação, no último dia 25 de junho, a indicação do jornalista Vladimir Herzog para receber o título de Doutor Honoris Causa in memoriam da Universidade de São Paulo.
A iniciativa partiu do Conselho do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), onde Herzog lecionava a disciplina de Jornalismo Televisivo no ano de 1975, quando foi assassinado pela Ditadura Militar.
“Em função da atuação de Herzog enquanto jornalista comprometido com a comunicação pública e o direito à informação de qualidade, bem como com os direitos e a formação de jornalistas, tanto enquanto reconhecimento profissional, como também por uma política de memória e verdade defendidas pela USP para promoção da democracia, entendemos que Vladimir Herzog faz jus ao recebimento do título de honoris causa in memoriam pela Universidade de São Paulo”, afirmou o professor Wagner Souza e Silva, chefe do CJE, ao ler a manifestação do Conselho Departamental durante a reunião da Congregação, conforme noticiou o site da ECA.
A proposta foi encaminhada ao Conselho Universitário (Co), a quem cabe a decisão sobre a concessão do título. A próxima reunião do Co está agendada para o dia 26 de agosto.
“Essa ação da ECA é muito importante. É um reconhecimento por parte da universidade em que ele atuou como professor”, disse ao Informativo Adusp Online o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), Thiago Ciaga Tanji. “Neste ano, em que se completam 50 anos do seu assassinato por agentes do Estado brasileiro durante a Ditadura Militar, é muito importante que tenhamos manifestações e atividades que rememorem essa data, para que ela não seja esquecida.”
Família chegou ao Brasil depois da Segunda Guerra Mundial
Herzog nasceu em 1937 na cidade de Osijsk, na época pertencente à Iugoslávia e atualmente no território da Croácia. A ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial levou a família a migrar para a Itália. Um ano depois do final da guerra, às vésperas do Natal de 1946, os Herzog chegaram ao Brasil, onde Vlado se naturalizou e adotou o nome Vladimir.
Herzog estudou Filosofia na USP e iniciou a carreira de jornalista em 1959, no jornal O Estado de S. Paulo. No início da década de 1960, casou-se com Clarice. Trabalhou também no Serviço Brasileiro da BBC e mudou-se para Londres, onde nasceram os dois filhos do casal, Ivo e André.
Em 1975, já de volta ao Brasil, Vlado foi escolhido pelo então secretário de Cultura de São Paulo, José Mindlin, para dirigir o jornalismo da TV Cultura. Na época, foi vítima de uma campanha contra a sua gestão, levada a cabo na Assembleia Legislativa de São Paulo pelos deputados Wadih Helu e José Maria Marin, ambos da Arena, o partido de sustentação da Ditadura Militar implantada no país com o golpe de 1964.
Vale lembrar que Marin, que morreu no último dia 20 de julho, aos 93 anos, viria a ser o último governador de São Paulo indicado pela Ditadura (era vice de Paulo Maluf e assumiu o cargo entre maio de 1982 e março de 1983, com a renúncia de Maluf, que concorreria a deputado federal) e faria carreira como dirigente de futebol, chegando à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2012. Em 2015, Marin foi preso na Suíça por crimes como fraude, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Foi transferido depois para cumprir pena de prisão nos Estados Unidos, onde uma corte de Nova York o condenou por seis acusações. Em 2020, a Justiça concedeu liberdade ao ex-dirigente devido ao seu estado de saúde e aos riscos provocados pela pandemia de Covid-19.
Morte do jornalista provocou forte reação
No dia 25 de outubro de 1975, Vladimir Herzog compareceu ao prédio do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do II Exército, localizado no bairro do Paraíso, em São Paulo, para prestar esclarecimentos sobre suas supostas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). No DOI-CODI, Herzog foi torturado e assassinado. Os militares chegaram a forjar uma cena de “suicídio” na cadeia: divulgaram fotos que mostravam o jornalista enforcado com um cinto na grade da cela.
O crime teve enorme repercussão e levou a uma grande mobilização organizada por entidades como o SJSP, à época presidido por Audálio Dantas. No dia 31 de outubro, um ato inter-religioso na Catedral da Sé em memória de Herzog, tendo à frente Dom Paulo Evaristo Arns, o pastor Jaime Wright e o rabino Henry Sobel, reuniu milhares de pessoas e se transformou num marco da luta contra a Ditadura Militar.
Em janeiro de 1976, o SJSP encaminhou à Justiça Militar o manifesto “Em nome da verdade”, subscrito por 1.004 jornalistas. Foi a primeira vez que a versão oficial do suicídio foi contestada e exigiu-se a completa elucidação dos fatos.
O manifesto de 1976 foi lembrado numa atividade realizada no último mês de junho no auditório da sede do SJSP, no Centro de São Paulo, que leva o nome de Vladimir Herzog. Participaram do encontro jornalistas que assinaram o documento na época.
Ao longo deste ano, outras atividades promovidas pelo sindicato, em parceria com entidades jornalísticas e o Instituto Vladimir Herzog (IVH), vão lembrar a data. “É preciso colocar o devido peso nesta história, porque infelizmente o que aconteceu há 50 anos de certa forma se repete hoje com tentativas de cerceamento do trabalho jornalístico e com ameaças e agressões a jornalistas que realizam o seu trabalho, havendo inclusive assassinatos. É importante lutar para que a nossa profissão seja exercida sempre com dignidade, com segurança, com condições de trabalho”, afirma Thiago Tanji.
“No caso da luta permanente por democracia e por direitos humanos, defendemos que os golpistas e criminosos do passado e do presente que apoiam e apoiaram ditaduras sejam devidamente punidos”, prossegue.
Responsáveis pelo crime seguem impunes
No dia 26 de junho, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a família Herzog realizaram uma cerimônia para celebrar a assinatura de um acordo judicial que reconhece oficialmente o jornalista como anistiado político post-mortem e assegura reparação pelos danos causados pela sua prisão, tortura e assassinato.
O acordo prevê o pagamento de indenizações e a manutenção da reparação mensal já recebida por Clarice Herzog. O reconhecimento tem como base a Constituição Federal, a lei 10.559/2002 (que regulamenta o regime dos anistiados políticos) e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2018 condenou o Estado brasileiro por não ter investigado nem responsabilizado os envolvidos no crime.
A ausência de julgamento e responsabilização dos torturadores e assassinos do jornalista faz com que seja necessário “continuar batalhando por justiça”, afirma o presidente do SJSP.
Também em junho foi promulgada em São Paulo a lei 18.265, que transforma o 25 de outubro em Dia Municipal da Democracia, “em homenagem a Vladimir Herzog e em reconhecimento à sua luta em prol da democracia e dos direitos humanos”. O projeto que deu origem à lei é de autoria da vereadora Luna Zarattini (PT) e integra uma campanha lançada em 2023 pelo IVH para que a data se transforme no Dia Nacional da Democracia.
A fundação da Associação de Docentes da USP, a Adusp, insere-se igualmente no contexto das mobilizações da sociedade civil em resposta ao assassinato de Herzog pelo Exército. A Adusp surgiu em outubro de 1976 em substituição à Associação dos Auxiliares de Ensino, criada em 1956 para defender os interesses dos professores não catedráticos.
“Em 1975, a morte de Vladimir Herzog, jornalista e professor da USP, nas dependências do DOI-CODI, provocou, pela primeira vez após 1968, um amplo protesto contra a repressão, contra as arbitrariedades policiais e contra as medidas de exceção impostas pelo governo militar”, diz o site da entidade. “Na USP, os professores sentiram a imperiosa necessidade da criação de uma entidade que os representasse, que promovesse a integração docente e que encaminhasse as reivindicações da categoria — e nesse contexto foi criada a Adusp”.
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