Perdemos Fábio de Melo Sene (1942-2023), naturalista bem-humorado, pesquisador e docente admirável

No último dia 11 de junho faleceu, aos 81 anos, o professor Fábio de Melo Sene, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP). Professor titular aposentado desde 1991, Sene vinha atuando como sênior desde 2010. Colaborava também com o Programa de Pós-Graduação em Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Sempre foi filiado à Adusp.

Admirado como pesquisador, Sene era igualmente muito estimado por suas alunas e alunos. “O professor Fábio de Melo Sene marcou sua vida acadêmica por características notáveis. Sua preocupação com a formação de seus alunos, desde a graduação até o pós-doutoramento, e a importância que ele sempre demonstrou conferir à criação e manutenção de um ambiente de laboratório com ampla circulação de ideias, propostas e colaboração tinham um propósito claro: permitir o desenvolvimento do potencial de cada um de seus orientandos”, disse a seu respeito a professora Maura Helena Manfrin (FFCLRP), orientada por ele no mestrado e no doutorado, em texto publicado pelo Departamento de Biologia. “Em sala de aula passava seu entusiasmo pela biologia com profundidade e bom humor”.

Na avaliação de Maura, Sene era um naturalista cujo projeto de pesquisa “interagiu com sua concepção de laboratório, ambos objetivamente conduzidos sob o conceito de que suas funções são pesquisar e encontrar respostas a perguntas articuladas às mais variadas questões evolutivas, genéticas e ambientais”. Tal esforço, prossegue, “sempre resultou harmônico e produtivo, naturalmente confluindo com seus numerosos trabalhos de campo, viajando para coleta de amostras de populações naturais de espécies de Drosophila, seu modelo biológico, em ambientes abertos da América do Sul, onde obtinha os dados necessários para estudo, pesquisa e ensino”.

A professora da “Filô” assinala ainda outra louvável característica da personalidade de Sene: “Como colega na universidade, possuía imensa generosidade intelectual, sempre disposto a ouvir seus interlocutores e aberto a novas ideias. Possivelmente, a marca de sua passagem pela academia pode ser resumida pela sua perspectiva: as paisagens que enxergava eram vastas como as ciências biológicas”.

Sene graduou-se em História Natural (1966), cursou mestrado (1970) e doutorado em Genética (1973) na USP, onde foi contratado como docente já em 1969, em São Paulo. Em 1985, transferiu-se para a “Filô”. Como chefe do Laboratório de Genética da Drosophila em São Paulo (de 1976 a 1984) e em Ribeirão Preto (de 1985 em diante), sempre se caracterizou como um formador de pessoal. Orientou nada menos que 15 doutoramentos, 12 mestrados e 17 iniciações científicas.

“Sua área de atuação principal foi a genética do processo evolutivo, tendo concentrado seus trabalhos nos processos genéticos envolvidos na diferenciação das populações naturais em ambientes tropicais e subtropicais da América do Sul”, diz texto possivelmente escrito por ele próprio quando ingressou na Academia Brasileira de Ciências (ABC), como membro titular, em 2004. Até dezembro de 2021, publicou 92 trabalhos científicos in extenso e 125 resumos destinados a congressos.

Outro resultado de suas pesquisas foi o livro Genética e Evolução (Editora Pedagógica e Universitária-EPU, 1981), destinado ao ensino do segundo grau. Seu segundo livro, Cada Caso…Um Caso. Puro Acaso: os processos de evolução biológica dos seres vivos, foi lançado em 2009 pela Editora da Sociedade Brasileira de Genética-SBG (uma segunda edição surgiu em 2016).

Sene foi o revisor técnico de uma das primeiras edições brasileiras de A Origem das Espécies de Charles Darwin, publicada em 1982 pela Editora Melhoramentos e pela Editora da Universidade de Brasília (UnB) e baseada na versão original da obra do cientista inglês. Sene parecia gostar da seara editorial. Traduziu outros escritos e foi editor-chefe da revista Genetics and Molecular Biology, da SBG, de 2002 a 2005 e, posteriormente, atuou como editor associado dessa publicação.

Ele também compôs o elenco do interessante filme Quem Foi Que Disse? Sobre a causa sagrada de Darwin, dirigido por Luiz Andrade e lançado em 2015 (disponível na plataforma Vimeo).

Em 2017, Sene recebeu o prêmio de “Pesquisador Emérito” concedido anualmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a dez destacados(as) pesquisadores(as). “É muito bom quando nosso trabalho é reconhecido pelos pares”, comentou, à época. “A emoção aumentou quando entrei no site do CNPq e vi a lista dos pesquisadores que já receberam o prêmio, sendo, a maioria deles, pesquisadores que sempre admiramos”.

Sene deixa a esposa, Alzira Célia Soares Sene, as filhas Patrícia e Fabiana, as netas Mariama, Bartira e Julia e o neto Lucas.