Em artigo publicado no Jornal da USP de 25/10/2022, o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. buscou mostrar que sua gestão, no que se refere à reposição de docentes, adotou critérios claros e que todo o “processo, bem como suas regras e critérios, foi planejado para ser executado de forma transparente”. Para isso, no artigo intitulado “Chegou a hora de ocupar alguns vazios: como fazer a reposição de vagas para docentes na USP”, ele usou como referência a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) no sentido de indicar que os procedimentos adotados foram corretos, cabendo à Reitoria somente definir quantos são os claros docentes para as unidades e que estas, “por sua vez, têm total liberdade para a distribuição entre seus departamentos”.

Ao fazer isso, tentou desqualificar o movimento dos estudantes de graduação do Departamento de Educação, Informação e Comunicação (Dedic) da FFCLRP, que, contando com o apoio de colegas de outros cursos da unidade, haviam ocupado o Bloco Didático da faculdade, em protesto contra a situação crítica de deficiência de docentes dos cursos de Pedagogia e de Biblioteconomia e Ciência da Informação (BCI).

Mas o que é o Dedic? Trata-se de um departamento recente da FFCLRP, criado em 2010 a partir de outros pré-existentes, e responsável pelas graduações em Pedagogia e BCI, além de um mestrado e doutorado em Educação e de disciplinas pedagógicas para as licenciaturas em Química, Música, Biologia (FFCLRP), Enfermagem (EERP) e Fonoaudiologia (FMRP). Em sua constituição – com a união de dois cursos de campos do conhecimento diversos, cursos criados originalmente por dois outros departamentos – houve uma perda de seis docentes. Somando-se a isso, desde 2014 o departamento perdeu três docentes por exoneração a pedido, um por falecimento (somando quatro docentes que pela lógica financeira atualmente adotada não implicariam custos de reposição), uma transferência para a EACH (por motivos de saúde) e três por aposentadoria. Na sequência, tem-se uma aposentadoria já confirmada e três docentes que já atingiram os requisitos e anteveem a aposentadoria como próxima.

Como se constata, a deficiência de docentes, que vem desde o início dos dois cursos, se agravou, havendo no momento o risco de ter que fechar a entrada de nova(o)s estudantes ou fechar o próprio curso, já que o BCI terá apenas sete docentes e Pedagogia-Licenciaturas 16, para conduzir todas as atividades acadêmicas e garantir a certificação na graduação de suas(seus) estudantes.

Porém, o reitor aponta em seu artigo que, com a distribuição feita e os editais de “projetos de excelência”, a unidade está próxima a 100% de reposição das perdas!

Fica, portanto, a pergunta: qual o critério objetivo para a definição do número de vagas a serem destinadas às unidades, como é comezinho em toda a rede federal de ensino? É isso que precisamos saber! Em geral, nas universidades federais usam-se fórmulas que consideram o número de estudantes de graduação, as áreas do conhecimento contempladas em cada curso, a carga horária necessária para conclusão de cada curso e habilitação, além das ponderações para a pós-graduação. Esses critérios são fundamentais também para nortear as congregações em sua decisão. Não se pode falar em “projetos de excelência” quando alguns cursos correm o risco de sobrevivência.

Quando se consideram na USP apenas dois indicadores básicos (e são muitos os indicadores necessários), as discrepâncias rapidamente aparecem. Assim, enquanto, em 2021, a razão de estudantes de graduação matriculada(o)s por docentes equivalentes em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) é de apenas 5,1 na FMRP e 5,7 na FM, na FFCLRP é de 10,5 (mas com uma enorme diversidade de cursos e áreas) e na EACH é de 18,8.

No caso do Dedic, considerando-se apenas os cursos pelos quais ele é diretamente responsável (isto é, sem contar as outras licenciaturas), a razão é de 13 graduanda(o)s por docente, enquanto a razão USP é de 12,6. Quando se considera a razão vagas por docente, no Dedic este indicador é de 3,5, enquanto que a média USP é 2,3 e na FMRP, 0,92.

“Ah! Mas os cursos oferecidos apresentam cargas e naturezas distintas”. Sim, por isso a importância da existência de critérios claros e consensuados no âmbito do Conselho Universitário (Co). Do contrário é o toma lá dá cá, ou a manutenção das desigualdades, valendo a lei do mais forte.

Com relação à não substituição de aposentada(o)s, a alegação de que eles continuavam onerando os cofres da USP já não procede, com a criação da SPPrev e a recente aprovação da EC 108/2020, que veda o uso dos recursos vinculados para o pagamento de aposentadorias e de pensões (com a inclusão do §7º no artigo 212 da Constituição Federal), prática que vinha sendo utilizada pelo estado de São Paulo e pela USP — que transferia ao SPPrev a diferença entre o arrecadado e o dispendido com servidora(e)s aposentada(o)s. Isso agora não pode mais ser feito com os recursos vinculados.

No artigo o reitor afirma que falta pouco para recompor o número de docentes de 2014. Mas, considerando-se a(o)s estudantes matriculada(o)s entre 2014 e 2021, houve uma ampliação de 16%. Quando se olham as vagas oferecidas, a oferta de 2021 se iguala à de 2014, mas quando se toma como referência inicial 2013 (por que não?) houve um aumento de 25% no número de vagas oferecidas pela FFCLRP, sempre com base no Anuário Estatístico da USP.

A questão do ano de referência tem outras consequências. Em 1989, quando se iniciou a chamada autonomia financeira, a USP possuía 31.897 estudantes de graduação matriculada(o)s, 7.076 vagas de graduação e contava com 5.626 docentes. Considerando-se o ano de 2021, houve uma ampliação de 91% nas matrículas de graduação e 58% nas vagas. Tomando-se como meta o “objetivo de chegar a 6.026 professores” indicado no artigo do reitor, portanto, ter-se-ia uma ampliação de apenas 7,1% no número de docentes, o que indica uma clara piora nas condições de trabalho docente, sem falar na enorme expansão dos programas de pós-graduação e no achatamento salarial.

Uma vez que os recursos são escassos, não se pode admitir mais a ausência de um critério objetivo, fruto de ampla discussão, na atribuição de claros docentes que oriente o atendimento das demandas das unidades e departamentos. E o primeiro passo, antes de se falar em “excelência”, que é pressuposto da universidade, é que se faça um rápido levantamento dos cursos cuja sobrevivência está em risco, como é o caso dos dois cursos do Dedic-FFCLRP, que não devem ser os únicos.

Diretoria da Adusp

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