A Diretoria da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP divulgou nota na última sexta-feira (10/5) na qual defende o “afastamento cautelar” do professor Carlos Augusto Mattei Faggin, livre-docente aposentado da unidade, da presidência do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

Faggin foi condenado em segunda instância pela 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) por improbidade administrativa no caso do destombamento e posterior demolição do Casarão Saraceni, construção histórica ligada à imigração italiana, em Guarulhos. O casarão veio abaixo apenas para dar lugar a mais vagas de estacionamento ao Internacional Shopping.

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Casarão Saraceni, em Guarulhos: derrubado para dar lugar a vagas de estacionamento de shopping

Em julho de 2010, o professor emitiu parecer técnico no qual afirmava que não havia “relevância suficiente” para que o casarão permanecesse tombado pelas autoridades de Guarulhos. Meses depois, os vereadores da cidade aprovaram projeto favorável ao destombamento. O caso daria origem a uma ação civil pública de autoria do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que levou à condenação de 39 pessoas, incluindo Faggin, o prefeito de Guarulhos, Gustavo Henric Costa (“Guti”), e vereadores, além de duas empresas, a Levian Participações e a ABK do Brasil, e o próprio município.

O escritório privado do professor, FGGN Arquitetos, também é o responsável pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) do Instituto Butantan, tendo recebido cerca de R$ 1 milhão pelo trabalho. Como o instituto é tombado pelo Condephaat desde 1981, qualquer alteração no conjunto de edifícios e no seu entorno precisa ser analisada pelo órgão, ligado à Secretaria de Cultura do governo estadual e cuja função é identificar e proteger “bens culturais que considere importantes para a memória e para a preservação ambiental”, conforme sua página na Internet.

Nesse caso, portanto, Faggin estaria na condição de deliberar a respeito de um projeto de sua própria autoria. “A FAUUSP não considera saudável essa dupla atuação, ainda que ela seja aparentemente aceita pela Secretaria de Estado de Cultura, já que se configura uma situação com grande potencial de conflitos de interesses”, diz a nota da Diretoria da faculdade.

“Isso se evidencia pelas declarações do próprio presidente do órgão, quando afirma, em comunicado, que ‘no exercício da Presidência do Condephaat tenho como procedimento, quando há conflito de interesses com o meu trabalho profissional, de me declarar impedido de votar, retirando-me da sala do Conselho durante a discussão, a deliberação e a votação desses assuntos’. Tal afirmação deixa claro que há conflitos de interesse, e que eles parecem ser recorrentes”, prossegue a nota (leia a íntegra ao final da matéria).

MP-SP e comunidade questionam desmatamento e construção de prédios no Butantan

Em comunicado dirigido aos e às conselheiros(as) do Condephaat, divulgado no dia 6/5, Faggin relata que atuou como consultor para o Instituto Butantan “em três contratos, o primeiro entre 2018 e 2019, o segundo [em] 2021 e o terceiro entre maio de 2022 e fevereiro de 2023”. “Portanto o trabalho de elaboração do PDDI do Instituto Butantan se estendeu por doze anos e foi aprovado pelo Condephaat. É importante esclarecer ainda que nesse caso do Butantan não participei das discussões, das deliberações e nem das votações da matéria, conforme documentado em atas publicadas no Diário Oficial”, prossegue (leia aqui a íntegra do comunicado de Faggin).

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Docente aposentado da FAU compactuou com a redução da representação de universidades no Condephaat

O PDDI foi aprovado na reunião de 19/9/2022 do Condephaat, cuja ata foi publicada no Diário Oficial do Estado em 5/10/2022. O plano ameaçava de despejo equipamentos públicos de saúde e educação lindeiros ao instituto, como o Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (CSEB) e o Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã. Posteriormente, o Butantan encaminhou ofício às entidades informando que não havia ameaça àquelas áreas.

O desmatamento para a instalação de novos prédios, incluindo um edifício-garagem de seis pavimentos e até uma fábrica de vacinas, vem sendo questionado pelo MP-SP e por movimentos sociais e de moradores(as) da região. Os projetos são capitaneados pela Fundação Butantan, entidade privada que, na prática, tem ditado os rumos do instituto público. O Informativo Adusp Online voltará ao tema.

Parecer “não pode ser confundido com a decisão da Câmara”, diz Faggin

Carlos Augusto Mattei Faggin foi conselheiro do Conselho Consultivo do Acervo Artístico dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo por um mandato e é conselheiro do Condephaat há nove mandatos, três deles na presidência. “Sou o atual presidente do Conselho no meu quarto mandato. Nos meus nove mandatos como conselheiro, fui indicado pelo Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAUUSP em sete deles, e pela Secretaria de Cultura nos outros dois”, diz em seu comunicado.

O arquiteto já era conselheiro do órgão, portanto, quando emitiu o parecer técnico, em 14/7/2010, sobre o Casarão Saraceni. “Assinalei no meu parecer que o imóvel tinha sofrido diversas alterações que o descaracterizavam e anulavam o seu valor histórico. Sofria a casa em questão, de problemas de manutenção e conservação que colocavam em risco o seu uso. Convém lembrar que esse imóvel não foi em nenhum momento objeto de interesse do Condephaat, não sendo por ele tombado, nem mencionado em estudos de tombamento”, argumenta o professor em seu comunicado.

Tombada pelo Conselho do Patrimônio Histórico de Guarulhos em 2000, a construção perdeu a proteção por conta de projeto de emenda à Lei Orgânica do Município apresentado em 2008 pelo vereador Geraldo Celestino (PMN), que atualmente cumpre o seu sétimo mandato na Câmara Municipal.

A Câmara e o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico, Ambiental e Cultural de Guarulhos aprovaram o destombamento, e o casarão — que na origem, no final da década de 1910, abrigou uma indústria de sapatos e artefatos de couro, fazendo com que alguns historiadores considerem a família Saraceni pioneira da industrialização da cidade, de acordo com o site São Paulo Antiga — foi prontamente demolido em novembro de 2010, pouco depois de perder a proteção legal.

O docente da FAU diz em seu comunicado que “não se pode responsabilizar o autor de um parecer técnico pela decisão posteriormente tomada por agentes públicos, porque são universos distintos”. O parecer, prossegue, “não pode ser confundido com a decisão da Câmara de Vereadores”, como também não tem “o poder de mando sobre as decisões da Prefeitura”.

Intenção de beneficiar economicamente o shopping caracteriza o dolo, diz acórdão

Em 2011, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) propôs ação civil pública para caracterizar como dolosa a conduta dos envolvidos no destombamento. A decisão de primeira instância, em maio de 2023, julgou a ação improcedente, e o MP-SP recorreu.

A sentença da 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, que acolheu o recurso, teve como relator o desembargador Danilo Panizza. O acórdão determina que as pessoas físicas “arcarão com a perda das funções públicas que ainda exercem; terão suspensão dos direitos políticos por três anos; arcarão, individualmente, com a multa civil de cinco vezes do valor da última remuneração percebida como agente público; ficam proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios pelo prazo de três anos, além de arcar custas e despesas processuais correspondentes”.

Já as pessoas jurídicas “arcarão individualmente com o pagamento da multa civil de 50 vezes da última remuneração percebida pelos correqueridos como funcionários públicos, além de proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios por três anos, além de arcar, individualmente, com custas e despesas processuais”.

O acórdão cita a posição da Procuradoria da Justiça, para a qual “a argumentação apresentada no projeto de emenda à Lei Orgânica do Município não traz qualquer benefício à coletividade, mas apenas visa beneficiar economicamente as empresas que exploram o Internacional Shopping de Guarulhos, que tinham a nítida intenção de ampliação de seu estacionamento”.

“Os demandados demonstraram o intento de beneficiar o referido shopping e não a preservação do bem histórico. Essa intenção caracteriza a qualificação de dolo”, afirma a sentença. Em relação ao papel de Faggin, o acórdão diz que “a contratação de arquiteto, que elaborou parecer para desconstituir a construção histórica, de importância cultural e arquitetônica”, é um dos fatores a reiterar “a reportada e constatada conduta intencional” para a ampliação do estacionamento do shopping.

“Na primeira instância fui inocentado dessas acusações e na segunda instância, em curso nesse momento, há um embargo de declaração apresentado pela minha advogada e ainda não julgado”, diz Faggin em seu comunicado.

“Colegas conselheiras e conselheiros, a postura apresentada de forma incompleta e seletiva pela mídia será esclarecida e corrigida pela justiça, estou certo disso”, conclui.

Doria reduziu de 13 para quatro o número de representantes das universidades no conselho

Em sua nota, a Diretoria da FAU reitera que “sempre participou ativamente do Condephaat-SP, defendendo a importância da preservação do patrimônio construído, e a lisura nos processos de julgamento”.

“Mas, vale aqui relembrar”, prossegue o texto, “em outubro de 2018, a Congregação da FAUUSP emitiu uma moção de desagravo ao mesmo presidente do órgão, que, embora tenha sido professor da casa, desqualificou a participação de conselheiros da universidade, postura que, escandalosamente, levou à publicação pela mesma presidência, de um decreto (64.186/2019) que reduziu de 13 para apenas 4 os representantes das universidades no órgão”.

Na época, docentes da USP, da Unesp, da Unicamp e da UFABC divulgaram carta aberta em repúdio ao decreto assinado pelo então governador João Doria (PSDB). A normativa “afronta a história do Condephaat e implica retrocessos para as políticas de patrimônio”, diziam os(as) signatários(as).

Numa entrevista concedida ao Estadão poucos meses depois da edição do decreto, Faggin defendeu a medida e criticou a postura dos(as) docentes: “Aí você fala: os professores universitários são da sociedade civil? Não. Eu sou professor da USP e sou funcionário público do Estado de São Paulo. Então quem é da sociedade civil? O cara do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), o cara do Instituto de Engenharia, o cara da Associação Paulista de Municípios. Aí eu vou concordar com você que a sociedade civil está pouco representada. O representante da USP, [o] da Unesp, [o] da Unicamp e [o] da Unifesp, eles não são da sociedade civil. Falam: ‘Eu sou da sociedade civil’. Todo mundo é, alguém consegue não ser da sociedade civil? Chamo isso de arrogância. Arrogância dizendo que ‘sou um cidadão especial, os outros são cidadãos de segunda categoria’”.

Entidades pedem afastamento de Faggin e reformulação do Condephaat

A redução do número de representantes das universidades públicas no conselho foi ressaltada por outras duas entidades que vieram a público se manifestar pelo afastamento de Faggin.

O Núcleo São Paulo do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro divulgou nota na qual se posiciona contra a permanência de Faggin na presidência do Condephaat. O núcleo “destaca, ainda, seu posicionamento contrário à alteração da composição do Condephaat ocorrida inicialmente em 2017 e, de forma mais drástica, em 2019, por meio do Decreto 64.186, de 16 de abril de 2019, quando, sob a presidência do sr. Carlos Augusto Mattei Faggin, foram ampliadas as cadeiras das secretarias e órgãos do governo e reduzido o número de representantes das universidades públicas do estado de São Paulo”.

“Essa alteração enfraqueceu a participação da sociedade civil nas decisões do Conselho e instrumentalizou seu funcionamento, substituindo a excelência técnica e social pelo princípio da representação majoritária dos interesses do governo. Tal composição estruturalmente tem permitido, desde então, que ocorram decisões e práticas que impedem que o Conselho cumpra sua função primordial, qual seja, a de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural de São Paulo”, afirma a nota.

O núcleo defende ainda “a criação de uma Comissão de Avaliação tecnicamente capacitada para rever a composição e o funcionamento do Conselho, os quais têm criado limitadores à função do órgão de reconhecer, valorizar e proteger o patrimônio cultural paulista”.

O Núcleo São Paulo da ONG Docomomo – acrônimo de Comitê Internacional para a Documentação e Preservação de Edifícios, Sítios e Bairros do Movimento Moderno – divulgou carta aberta na qual afirma que a decisão judicial envolvendo Faggin torna “urgente revisar as ações e composição das representatividades deste Conselho”.

O Docomomo, cujo Núcleo de São Paulo tem como coordenadores executivos um docente e uma docente da FAU, também defende o afastamento cautelar de Faggin “e a realização de auditoria investigativa em processos de tombamento e destombamento conduzidos pelo Condephaat desde o início de sua atuação na presidência, em 2017, e a revisão do desenho do Conselho, enquanto política pública, considerando critérios de maior transparência e eficácia para melhores práticas da Administração Pública”.

Na avaliação da ONG, nos últimos anos “evidencia-se no Condephaat uma desqualificação de sua competência crítica e técnica, e o prejuízo da sua função cívica e papel democrático”, destacadamente com a presidência de Faggin e a redução do papel das universidades, o que resultou “em uma instrumentalização do Conselho”.

A Associação Amigos do Patrimônio e Arquivo Histórico (AAPAH), com sede em Guarulhos, lançou um abaixo-assinado na Internet para pedir o afastamento cautelar de Faggin da presidência do Condephaat.

Leia a íntegra da nota da Diretoria da FAU

A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo vem por esta nota manifestar-se sobre a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de SP, que condenou em segunda instância diversos agentes públicos, entre os quais o arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, atual presidente do Condephaat, que é professor aposentado desta faculdade. Nesse sentido, cabe esclarecer que o Prof. Faggin não atua no conselho enquanto representante da FAUUSP. A condenação, fato incontestável e não apenas uma denúncia, ainda está no aguardo do julgamento de um embargo de declaração.

Ainda assim, vale considerar que a condenação por improbidade administrativa, em função de destombamento do casarão Saraceni, em Guarulhos, envolveu a produção pelo Arq. Carlos Faggin, em 2010, de parecer técnico indicando que esse imóvel não tinha relevância suficiente que justificasse o seu tombamento, enquanto o arquiteto era ao mesmo tempo, conselheiro do Condephaat. As notícias veiculadas pela imprensa levantam outros casos de atuação concomitante do arquiteto enquanto era conselheiro ou mesmo presidente do Condephaat.

A FAUUSP não considera saudável essa dupla atuação, ainda que ela seja aparentemente aceita pela Secretaria de Estado de Cultura, já que se configura uma situação com grande potencial de conflitos de interesses. Isso se evidencia pelas declarações do próprio presidente do órgão, quando afirma, em comunicado, que “no exercício da Presidência do Condephaat tenho como procedimento, quando há conflito de interesses com o meu trabalho profissional, de me declarar impedido de votar, retirando-me da sala do Conselho durante a discussão, a deliberação e a votação desses assuntos”. Tal afirmação deixa claro que há conflitos de interesse, e que eles parecem ser recorrentes.

A FAUUSP sempre participou ativamente do Condephaat-SP, defendendo a importância da preservação do patrimônio construído, e a lisura nos processos de julgamento, baseada na isenção de seus conselheiros. A lei que criou o Condephaat (10.247/68) permitiu a inclusão das Universidades Públicas, pelo relevante papel que elas têm nas pesquisas científicas e discussões relativas à preservação do nosso patrimônio.

Mas, vale aqui relembrar, em outubro de 2018, a Congregação da FAUUSP emitiu uma moção de desagravo ao mesmo presidente do órgão, que, embora tenha sido professor da casa, desqualificou a participação de conselheiros da universidade, postura que, escandalosamente, levou à publicação pela mesma presidência, de um decreto (64.186/2019) que reduziu de 13 para apenas 4 os representantes das universidades no órgão.

Passados cerca de seis anos, a atual situação evidencia a relevância do imprescindível papel fiscalizador dos conselheiros representantes da sociedade civil, dentre os quais os da universidade. Neste momento, a FAUUSP acredita que seria desejável — até mesmo para que seja garantido seu direito de defesa — o afastamento cautelar do presidente, pelo menos enquanto durem os prazos recursais.

EXPRESSO ADUSP


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