Serviço Público
Bancada governista na Alesp pretende votar na próxima semana PLC 9/2025, que desfigura carreira de pesquisador científico; em audiência pública, APqC volta a defender rejeição da proposta

A bancada do governo na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pretende votar na próxima semana o Projeto de Lei Complementar (PLC) 9/2025, que “institui” a carreira de pesquisador científico do estado, mas que significa, na avaliação da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), uma ameaça de desfiguração completa da carreira.
Encaminhado em regime de urgência pelo Executivo em maio, o projeto já cumpriu todas as etapas de tramitação e está pronto para ser levado ao plenário.
Na última terça-feira (7/10), pesquisadores(as) de vários institutos estaduais participaram de nova audiência pública na Alesp para expor seus pontos de vista sobre o PLC, com espaço para falas contrárias e favoráveis ao texto.
Na exposição inicial, a presidenta da APqC, Helena Dutra Lutgens, fez contundentes críticas ao projeto, ressaltando inicialmente que ele foi formulado sem participação de representantes da categoria.
Na visão da entidade, o PLC 9, apresentado sob o discurso de “modernização”, altera profundamente a estrutura da carreira, extinguindo o Regime de Tempo Integral (RTI) e a Comissão Permanente do RTI (CPRTI), pilares que sustentam a autonomia e a continuidade das pesquisas de interesse público.

Na prática, considera a APqC, o projeto abre espaço para a precarização das condições de trabalho, ameaça a dedicação exclusiva dos pesquisadores e enfraquece o caráter de Estado da pesquisa científica paulista.
A alteração da estrutura da carreira, disse na audiência a presidenta da APqC, criará uma situação de insegurança jurídica, uma vez que o regime de trabalho e a nova comissão serão definidos posteriormente por decreto. “Ou seja, nós vamos entregar o que está certo, definido com clareza na Lei Complementar (LC) 125/1975, para alguma coisa que não sabemos o que será”, enfatizou.
“Os institutos públicos de São Paulo são um ponto fundamental na estrutura de ciência e tecnologia desse estado, na evolução e no progresso do estado de São Paulo, prestando serviços altamente relevantes para que São Paulo se tornasse a potência que se tornou no ramo da tecnologia e no desenvolvimento científico”, afirmou Helena. “Esvaziar o quadro de pesquisadores para fragilizar as instituições públicas de pesquisa deste estado trará consequências seriíssimas, nefastas, muito prejudiciais para a nossa sociedade.”
Atualmente o estado mantém 16 institutos de pesquisa ligados às pastas da Agricultura, Meio Ambiente, Saúde e Orçamento e Gestão; e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), hoje uma empresa pública vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação.
A apresentação e a defesa do projeto ficaram a cargo do subsecretário estadual de Agricultura e Abastecimento, Orlando Melo de Castro, para quem a proposta moderniza a carreira e oferece valorização salarial.
Categoria não foi ouvida, e maioria é contrária ao PLC, dizem pesquisadores(as) na audiência
Depois das exposições iniciais, a audiência reservou um número igual de falas para as opiniões contrárias e as favoráveis ao projeto. No lado das manifestações pela rejeição, houve menções a sondagens feitas entre pesquisadores(as) segundo as quais a imensa maioria da categoria não aprova a mudança.
Renato Barboza, pesquisador do Instituto de Saúde e integrante da CPRTI. disse que 90% dos pesquisadores são contrários à aprovação. “O PLC não foi construído de forma participativa, não ouviu as secretarias envolvidas, não ouviu a sua entidade de classe, não ouviu o órgão regulador da carreira. Apenas 150 pesquisadores, o que não chega a representar 10% da nossa categoria, são favoráveis ao PLC”, afirmou.
Rogério Bertani, pesquisador científico do Instituto Butantan, relatou que o diretor da instituição, Esper Kallás, docente da Faculdade de Medicina da USP, chamou os(as) pesquisadores(as) para saber a sua opinião. “E 100% dos pesquisadores científicos do Instituto Butantan são contrários ao PLC”, disse.
“Eu não consigo ver onde está o ganho para a sociedade [com o projeto]. Como é que prejudicar institutos de ciência de pesquisa pode, de alguma forma, ajudar a sociedade?”, questionou.
Percy Corrêa Vieira, pesquisador aposentado do Instituto Geológico, ressaltou que “há 30 anos os institutos têm passado por um desmonte causado por muitas decisões deletérias de nossos governantes, principalmente por diminuição proporcional de orçamentos, aviltamento salarial e falta de adequada reposição de pessoal, falta de concurso de ingresso”.
Inês Cordeiro, do Instituto de Pesquisas Ambientais, lamentou a decisão do governo João Doria (PSDB) de fundir num só órgão, em 2020, os institutos Florestal, Geológico e de Botânica.
“A minha querida instituição [Instituto de Botânica] foi exterminada. E agora, o golpe final de misericórdia é exterminar a nossa carreira”, criticou.
Entre as vozes que defenderam o projeto estava Jaqueline Eserian, do Instituto Adolfo Lutz. “Nosso salário está profundamente defasado. Isso tem causado desânimo entre os pesquisadores mais jovens. Quando digo jovens, digo aqueles com cerca de 20 anos de serviço público”, afirmou. “O PLC 9 é a solução imediata que temos para mudar esse quadro. Ele vai atrair novos talentos e, ao mesmo tempo, vai conseguir reter os pesquisadores que já estão na ativa, garantindo a continuidade, a experiência e o compromisso institucional que temos.”
Simone Miyashiro, do Instituto Biológico, também defendeu o PLC 9, dizendo que “a proposta de modernização vai trazer estímulo, fôlego, gás e justiça”.
No final da audiência, o deputado Antonio Donato, líder da bancada da federação PT-PCdoB-PV, solicitou ao líder do governo, Gilmaci Santos (Republicanos), que o projeto seja retirado da pauta. Na avaliação do deputado, se aprovado em sua versão atual, o PLC vai promover uma divisão da carreira.
“Eu queria fazer esse apelo para a gente construir um projeto de unidade da categoria, valorizando o início da carreira, que precisa ser valorizado, e com a valorização para quem a construiu durante todos esses anos. Vamos tirar da pauta e continuar o debate para construir um projeto melhor para todo mundo”, requereu.
Também se manifestaram na audiência outros(as) parlamentares da oposição: Professora Bebel, Beth Sahão e Paulo Fiorillo, do PT, e Ediane Maria e Carlos Giannazi, do PSOL. Todos(as) expressaram opinião contrária à aprovação do PLC 9.
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