Serviço Público
STF nega suspender privatização da Sabesp, e governo do Estado conclui “liquidação” da companhia
O Supremo Tribunal Federal (STF) negou neste sábado (20/7) o pedido de suspensão do processo de privatização da Companhia de Saneamento de São Paulo (Sabesp) encaminhado por um conjunto de partidos (PT, PSOL, Rede Sustentabilidade, Partido Verde e PCdoB) em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, “não há urgência qualificada para a suspensão da lei impugnada” (referência à autorização aprovada pela Câmara Municipal para a prefeitura de São Paulo contratar serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário), cujo intuito foi “adequar a regulação municipal às diretrizes federais fixadas pela Lei federal nº 14.026/2020 (Marco Legal do Saneamento Básico), o que consequentemente exigiu alteração na modelagem contratual”.
“Não se vislumbra nenhuma alteração abrupta na prestação do serviço ou risco de dano iminente que justifiquem a paralisação imediata do contrato”, prossegue Barroso.
O presidente do STF observa ainda que “paralisar o processo de desestatização da companhia em sua etapa final poderia gerar prejuízos relevantes ao Estado de São Paulo, configurando o grave risco de dano reverso”.
“A desestatização foi publicizada de maneira adequada e vem seguindo o cronograma previsto, de modo que interrompê-la no âmbito de medida cautelar criaria o risco de prejuízos orçamentários relevantes, que, segundo informações prestadas, poderiam atingir a cifra de cerca de R$ 20 bilhões. Diante dessa circunstância, recomenda-se especial cautela por parte desta Suprema Corte”, diz ainda Barroso.
Preço de venda das ações faz Estado deixar de arrecadar R$ 4,5 bilhões
Sem impedimento legal, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) deu sequência nesta segunda-feira (22/7) ao cronograma de privatização da companhia, com a chamada “liquidação”, ou seja, o pagamento das ações compradas pela Equatorial Participações e Investimentos – a “acionista de referência” da Sabesp, que se torna uma espécie de sócia estratégica do governo – e por outros investidores.
A Equatorial fica a partir de agora com 15% do total das ações, enquanto outros investidores somam 17% das ações, a partir de oferta pública nessa fase da privatização. O governo paulista, por sua vez, reduz sua participação de metade para 18% das ações da empresa.
A Equatorial ofereceu R$ 67 por ação. No dia 26/6, quando o governo do Estado anunciou o nome da empresa como acionista de referência, a cotação na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, era de R$ 74. Na tarde desta segunda-feira (22/7), dia da “liquidação” da Sabesp, a cotação fechou em R$ 87, uma valorização de quase 30%. Considerando-se o total de ações vendidas nessa fase, o governo deixou de arrecadar cerca de R$ 4,5 bilhões.
Depois da liquidação, começa a vigorar o novo contrato de prestação de serviços da Sabesp com a Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (Urae-1), consórcio composto por 375 municípios.
Na manhã desta terça (23/7), Tarcísio e representantes da Equatorial e da Sabesp participaram do “toque da campainha” na B3, ato para marcar a mudança de controle.
O negócio ainda precisa ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Depois disso, a Equatorial poderá indicar os nomes para o Conselho de Administração, no qual terá direito a um terço dos(as) componentes, e escolherá também o(a) presidente do conselho e outros(as) executivos(as).
Sindicato considera processo “escandaloso” e continuará a acionar Justiça e TCE-SP
Em ato público realizado na última quinta-feira (18/7) em frente a uma das empresas do grupo Equatorial, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), José Faggian, voltou a denunciar os prejuízos da privatização e as ilegalidades apontadas pelo sindicato no processo.
“Com mais de 50 ações na Justiça, nós do Sintaema reiteramos os abusos e violações em todo o processo de privatização da Sabesp. Um processo escandaloso e que deixa claro que o real objetivo é levar na mão grande a maior empresa de saneamento da América Latina. É absurdo que uma empresa como a Sabesp seja entregue a uma empresa sem experiência e que é ligada a um banco, cujo principal nome, Daniel Dantas, ocupou as manchetes por diversos escândalos de corrupção”, afirmou, em declarações registradas pelo site do sindicato.
Faggian também elencou os graves problemas enfrentados pela Equatorial nos Estados em que atua e ressaltou que o Sintaema seguirá com ações no Tribunal de Contas (TCE-SP) e no Tribunal de Justiça (TJ-SP) para barrar a privatização. “Não é possível que o TCE e a Justiça não se manifestem em relação a esse escandaloso processo de privatização que entrega de bandeja o patrimônio do povo de São Paulo”, criticou.
Pesquisadores ouvidos pelo Informativo Adusp Online apontaram os problemas e riscos envolvidos na entrega da Sabesp aos setor privado. “É importante considerar que a privatização de uma companhia de saneamento básico não contribui para o acesso a abastecimento de água e esgotamento sanitário para toda a população por um motivo principal: empresas privadas visam o lucro, e não sua oferta universal. De modo diverso, o Estado tem ou deveria ter o papel de oferta universal da água, bem comum necessário à vida”, considera a professora Ana Paula Fracalanza, docente do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP.
Por sua vez, Flávio José Rocha, pós-doutor pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e atualmente em novo pós-doutorado em Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), afirma que “as periferias estão fora dos planos de empresas privadas de saneamento”. “No caso da água, essencial para a vida, é muito sério pensar que a prioridade será o lucro em detrimento de um direito que deveria ser assegurado”, diz.
A Equatorial tem entre seus principais acionistas o Banco Opportunity, de Daniel Dantas, e o fundo de investimentos norte-americano BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, com inacreditáveis US$ 10,646 trilhões – sim, trilhões – sob sua administração.
A única experiência da empresa em serviços de água e saneamento é no Estado do Amapá, onde começou a operar em 2022. A Equatorial tem forte atuação no setor elétrico e está presente em vários Estados, especialmente do Norte e do Nordeste, cobrindo praticamente um quarto do território brasileiro.
Em vários Estados, enfrenta críticas pelo seu desempenho e coleciona multas das agências reguladoras das concessões públicas. Só no Rio Grande do Sul, onde começou a operar em 2021, a Equatorial acumula cerca de R$ 60 milhões em multas aplicadas pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs).
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