Ato público manifesta forte apoio à FFLCH contra ataques da extrema-direita e cobra ações da Reitoria e do poder público para responsabilizar os agressores
Centenas de pessoas ocuparam o vão da FFLCH em ato de apoio à unidade (Foto: Daniel Garcia)

Um grande ato público, com mais de três horas de duração, reuniu estudantes, docentes e funcionários(as) da USP e de outras universidades, além de representantes de movimentos sociais e parlamentares, para manifestar apoio à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), objeto de oito ataques de grupos de extrema-direita ao longo deste ano.

Centenas de pessoas ocuparam o vão do prédio da História e Geografia a partir do final da tarde desta quinta-feira (2/10) e acompanharam falas dos(as) oradores(as) e também apresentações artísticas, como a da Bateria Manda-Chuva, da FFLCH. A condução do ato coube a uma comissão formada por um integrante de cada segmento da unidade. Os(as) docentes foram representados(as) pela professa Vanessa Martins do Monte, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e ex-diretora da Adusp.

As manifestações condenaram as ações da extrema-direita, mas também cobraram ações por parte da Reitoria da USP para responsabilizar criminalmente os agressores. Representantes das entidades estudantis ressaltaram que, se nada for feito, o cenário de agressões tende a se agravar no ano que vem, quando haverá eleições gerais.

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Manifestação teve apresentações artísticas, como a da Bateria Manda-Chuva

Na quarta-feira (1/10), o DCE-Livre “Alexandre Vannucci Leme”, com apoio da vereadora Luana Alves (PSOL), protocolou uma representação na Câmara Municipal pedindo a cassação do vereador Lucas Pavanato (PL) pelo uso irregular de um veículo de placa preta para circular na Cidade Universitária. Pavanato estaria associado aos grupos que agrediram membros da comunidade da USP nos episódios de ataque.

A deputada estadual Paula da Bancada Feminista e o deputado Guilherme Cortez, ambos do PSOL e presentes no ato, já encaminharam representação ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) solicitando apuração dos casos e responsabilização dos agressores.

A deputada também cobrou a ação do secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan, ex-reitor da USP, para que o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felicio Ramuth (PSD) tome providências no sentido de que “exista uma proteção efetiva da universidade pública, autônoma, gratuita e de qualidade”.

No início de setembro, depois de reunião com a Diretoria da FFLCH, a Reitoria da USP enviou ofício à Secretaria de Segurança Pública do estado para solicitar celeridade da Polícia Civil na apuração dos boletins de ocorrência que vêm sendo registrados por estudantes, servidores(as) e pela faculdade desde o início dos ataques.

Pensamento crítico incomoda extrema-direita, dizem Fanjul e Maria Arminda

Na abertura, o diretor da FFLCH, professor Adrián Pablo Fanjul, afirmou que o mote do ato – “A Universidade Pública é do Povo” – foi escolhido porque os dados mostram que composição social dos(as) alunos(as) da USP é cada vez mais oriunda de classes populares.

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Diretor da FFLCH, Adrián Pablo Fanjul

“As pessoas que têm invadido este espaço para provocar, amparados pelo dinheiro público dos mandatos de extrema-direita em que estão lotados, o que buscam precisamente é afastar o povo da universidade pública. Por quê? Porque a universidade pública produz conhecimento sobre a desigualdade social, sobre as agressões ao meio ambiente, sobre o aprofundamento da exploração do trabalho, com a perda de direitos sociais, sobre o racismo, sobre a expansão de modelos de dominação e controle apoiados sobre a desumanização e o extermínio. E esse conhecimento incomoda os interesses e os projetos de poder ultraneoliberais e neofascistas que sustentam a ação desses grupos de um nível mais alto dos poderes corporativos”, ressaltou.

“Que alegria e que orgulho de ver tanta unidade. Que grande honra ser diretor de uma faculdade como esta. Viva a FFLCH! Viva a USP! Viva a universidade pública, patrimônio do povo brasileiro!”, concluiu.

A vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, ex-diretora da unidade, apontou que a universidade “é o lugar da liberdade, o lugar da cultura”, e que a FFLCH “produziu os grandes intelectuais deste país”. Os ataques acontecem, afirmou, “porque nós incomodamos, porque a intolerância não aceita nenhuma visão crítica, nenhum pensamento crítico”.

A professora Vanessa do Monte leu mensagem enviada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, professor licenciado do Departamento de Ciência Política (DCP) da FFLCH. “Como sabemos, as universidades atravessam hoje um período de ataques à autonomia acadêmica e à liberdade de expressão”, disse Haddad na mensagem. “Para quem se acostumou com a universidade livre, essa situação é especialmente inquietante.” O texto se encerra com a afirmação de que “o fortalecimento das universidades é a forma mais justa, eficiente e democrática de enfrentar a ascensão da extrema-direita”.

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Professora Vanessa Martins do Monte foi uma das condutoras do ato

“Impunidade não é tolerância, é conivência”

Paulo Sérgio Pinheiro, professor aposentado do DCP e ex-secretário especial de Direitos Humanos do governo brasileiro, lembrou que em 1964 o sociólogo Florestan Fernandes, paraninfo de uma turma da faculdade, afirmou que “a única forma de compreender verdadeiramente a sociedade brasileira é interiorizar o ponto de vista dos excluídos, dos mais desfavorecidos” e chamou “os intelectuais brasileiros, os universitários, a serem os paladinos convictos e intransigentes da causa da democracia”.

“Os incidentes que ocorreram nesse espaço são expressão do avanço da extrema-direita em nossa sociedade. Não são episódios isolados, mas sintomas de um projeto de destruição do pensamento crítico, de ataque às instituições democráticas e de intimidação aos que resistem. É urgente que a USP proteja de forma efetiva os seus espaços democráticos. Os agressores devem ser responsabilizados criminalmente. Impunidade não é tolerância, é conivência.”

Marilena Chauí, Professora Emérita da FFLCH, ressaltou que quem veio de 1964, 1968 ou chegou na faculdade há cinco anos “sabe que este solo, que não é geográfico, porque ele esteve num outro ponto da cidade, é um solo sagrado”. “Por isso, os ataques que nos são feitos. São ataques contra aquilo que o atacante sabe que é maior do que ele”, considera.

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Marilena Chauí: “sem medo do pensamento”

A professora citou Montaigne, para quem “a covardia é a mãe da crueldade”, para argumentar que “temos que mostrar ininterruptamente a fraqueza que guia essa aparência de poder”. “Nós somos os que não temos medo de todas as possibilidades de conhecimento, de transformação, de inovação, e temos certeza de que a direita só produz todas as formas possíveis de extermínio e de paralisia”, afirmou.

André Singer, professor do DCP, registrou que “a violência é inaceitável”. “Esta casa tem quase cem anos em defesa da liberdade de troca de ideias. Nós vamos continuar defendendo isso, com calma, serenamente, porém firmemente. Qualquer um que queira vir expor as suas ideias aqui, para convencer os outros, será bem-vindo. Para impor, jamais”, concluiu.

Vladimir Safatle, docente do Departamento de Filosofia, lembrou que a universidade sempre teve que lidar com situações desse tipo. Citando Condorcet, afirmou que “a função do ensino público é criar um povo insubmisso e difícil de governar”.

“Eles [os agressores] sabem muito bem isso. A gente pode ter um milhão de defeitos na universidade, um milhão de problemas, mas a universidade ainda é o espaço onde se consegue mobilizar mais claramente as pessoas em relação ao pensamento crítico, a uma crítica de nós mesmos e do que nós nos tornamos”, apontou.

Safatle também citou um professor que, em aula magna no ano de 1964, disse que a universidade é um lugar em que os alunos aprendem sobre a metafísica de Bergson e também a correr da polícia. “A Universidade de São Paulo ainda é e vai ser, isso deve ficar muito claro para todos, o lugar onde se aprende a metafísica de Bergson e se aprende a nunca abaixar a cabeça para um fascista”, concluiu.

Ataques ocorrem também em outras universidades públicas

Fabiana Jardim, docente da Faculdade de Educação e 1ª vice-presidenta da Adusp, representou a entidade no ato. A professora ressaltou que a manifestação era importante para “tornar visíveis as disposições cotidianas de estudantes, pessoas trabalhadoras técnico-administrativas e docentes para manter a USP funcionando, mas, sobretudo, para manter vivo o espírito de uma universidade crítica, plural, diversa e comprometida com a transformação da sociedade brasileira, na direção de justiça e de equidade”.

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Fabiana Jardim, diretora da Adusp: universidade crítica, plural e diversa

“Esse espírito esteve presente desde a fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e também sofreu tentativas de destruição por meio de ataques semelhantes em 1968. Mas esse espírito sobreviveu à ditadura, a diferentes ciclos de reformas neoliberais, ao fortalecimento das ideias autoritárias e à ascensão da extrema-direita a cargos executivos no Brasil e no mundo. E hoje está presente neste ato em que defendemos a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a universidade e o pensamento comprometido e consequente com valores democráticos fundamentais”, prosseguiu.

Patrícia Galvão, representante do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), disse que “a extrema-direita tem um rosto e tem uma classe”, e que “odeia tudo o que é dos trabalhadores”.

Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também alvo de ataques fascistas, representou no ato a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Estamos todos juntos, porque o que aconteceu aqui está acontecendo em muitas universidades brasileiras, especialmente as universidades públicas. Isso não é por acaso, isso é um projeto, como dizia Darcy Ribeiro. Nós precisamos enfrentá-lo e precisamos também de muita organização e muita estratégia”, defendeu.

O professor Ronaldo de Almeida, diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, falou sobre os ataques sofridos por aquela universidade e defendeu que é preciso judicializar a questão, o que foi feito pela Reitoria da instituição. “A Unicamp compreendeu que não se tratava de um problema do IFCH. E me permitam dizer aqui que esse problema não é FFLCH, mas da USP”, ressaltou.

Em Campinas, vereadores(as) da esquerda também confrontaram na Câmara Municipal o representante do Cidadania envolvido nos ataques.

Outros(as) parlamentares presentes ao ato, como o vereador Eliseu Gabriel (PSB), também defenderam que é necessário responsabilizar os fascistas que têm atacado as universidades e denunciar perpetradores que tenham ligação com a Câmara ou a Assembleia Legislativa.

A vereadora Luana Alves (PSOL) enfatizou que a extrema-direita tenta “jogar a população contra a universidade pública”, espaço ao qual tem direito. “O próximo passo é a privatização, é cobrança de mensalidade”, acredita.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) relatou que as denúncias dos ataques contra a Unifesp foram levadas ao Ministério Público Federal e aguarda que sejam tomadas providências para responsabilizar os envolvidos.

Também se manifestaram, além dos(as) parlamentares já citados(as), a deputada federal Juliana Cardoso (PT), a deputada estadual Monica Seixas (PSOL) e as vereadoras Luna Zarattini (PT) e Amanda Paschoal (PSOL).

Entidades estudantis da USP, especialmente os centros acadêmicos da FFLCH, também fizeram uso da palavra, assim como a União Nacional dos Estudantes (UNE). Estiveram presentes ainda o Movimento USP pela Democracia, a Associação Nacional de História (Anpuh), a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), o Movimento Negro Unificado (MNU), o Movimento Ação Negra, o Coletivo Judias e Judeus pela Democracia e outras entidades. Aleksandra Aparecida da Silva falou em nome dos(as) moradores(as) da Favela do Moinho, alvo de intensa repressão por parte da Polícia Militar.

Manifestantes cobram ações para libertação de ativistas da Flotilha Sumud

A prisão de ativistas que integram a Global Sumud Flotilla (GSF), incluindo 14 brasileiros(as), também foi um tema presente em muitas manifestações no ato. Duas pessoas ligadas à USP que participavam da flotilha, que levava ajuda humanitária para Gaza, foram sequestradas pela Marinha de Israel e estão detidas em Ashdod: Bruno Sperb Rocha (Gilga), funcionário da FFLCH, e Magno de Carvalho, diretor do Sintusp. Na quinta-feira, a Diretoria da Adusp e a Diretoria da FFLCH divulgaram comunicados nos quais repudiam a ação militar de Israel.

Vanessa Dias, companheira de Bruno Rocha, registrou que até aquele momento não havia nenhuma informação sobre a situação das pessoas presas em Israel.

Muitos(as) oradores(as) qualificaram a ação de Israel em Gaza como genocídio do povo palestino e defenderam que a USP rompa os convênios ainda em vigor com instituições israelenses, além de reivindicar que o governo brasileiro também corte as relações diplomáticas com Israel.

Uma das manifestações mais contundentes foi feita pelo professor Paulo Sérgio Pinheiro, para quem “a Universidade de São Paulo e a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas calaram-se, salvo raríssimas e corajosas manifestações de docentes e estudantes, diante dos horrores do genocídio dos palestinos em Gaza e do ecocídio que torna o território de Gaza inabitável pelo Estado de Israel”.

“A FFLCH precisa recuperar sua voz ativa na resistência democrática e voltar a se posicionar com firmeza diante dos flagelos do autoritarismo e da extrema direita no Brasil e no mundo. Silenciar hoje é ser cúmplice e nós não queremos ser cúmplices”, afirmou.

EXPRESSO ADUSP


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