Universidade
Por 26 votos a 20, Conselho Universitário da Unicamp decide manter convênio sigiloso com Technion; reitor, porém, admite que cooperação não avançará
Reunido no dia 6 de agosto, o Conselho Universitário (Consu) da Universidade Estadual de Campinas rejeitou por 26 votos a 20 e quatro abstenções, após acirrado debate com diversas intervenções, uma proposta de cancelamento ou suspensão do acordo entre a Unicamp e o Israel Institute of Technology (Technion), firmado em sigilo em agosto de 2023.
A proposta constava de uma “Carta aberta ao Consu” assinada por 160 docentes e endossada pela diretoria da Associação dos Docentes da Unicamp (ADunicamp), para quem o Technion “produz tecnologia militar de ponta, atualmente empregada nas ações militares que têm produzido verdadeiros crimes de guerra contra a população palestina na Faixa de Gaza”.
O reitor Antônio Meirelles admitiu durante o debate, antes da votação, que a Reitoria da Unicamp não pretende encaminhar qualquer colaboração com o Technion (na forma de aditivos ao convênio atual) enquanto persistir o cenário atual em Gaza. “Do ponto de vista prático, é essa a decisão. Nós simplesmente vamos esperar a situação mudar para eventualmente pensar em alguma continuidade”, disse ele.
O reitor e a Procuradoria Geral da Unicamp alegaram que o sigilo não poderia ser removido, por ser “padrão” em memorandos de entendimento, sem maiores justificativas. Assim, embora a discussão tenha sido adiada para que os e as integrantes do Consu tivessem conhecimento dos termos do contrato, o documento não chegou a ser distribuído. Os interessados tiveram de pedir à Reitoria acesso ao processo, individualmente.
O professor Samuel Rocha de Oliveira, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, leu carta elaborada pelos apoiadores do convênio com a Technion, que rebate os argumentos da “Carta Aberta ao Consu”. De acordo com o documento lido por Oliveira, o convênio “é de conhecimento da comunidade e segue exatamente o mesmo padrão […] de centenas de memorandos de entendimento que a Unicamp tem com outras universidades pelo mundo”.
Ainda segundo o texto, a acusação, que consta da “Carta Aberta ao Consu”, de que o Technion defende o genocídio em Gaza “não se apoia em nenhum fato concreto, pelo contrário: há diversas manifestações de membros do Technion contra o atual governo de Israel”, e recentemente sua reitoria “tomou uma posição firme defendendo o direito de manifestação de estudantes árabes, contrariando a narrativa de grupos extremistas antiárabes”. O documento lido por Oliveira afirma, também, que os reitores israelenses emitiram declaração conjunta segundo a qual as universidades de Israel “dedicam-se a melhorar a vida dos palestinos e promover a paz”.
Andréia Galvão, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), manifestou que o genocídio em Gaza “é a questão mais candente do tempo presente e exige de nós uma tomada de posição, não apenas porque somos interpelados, mas também porque precisamos ser coerentes na defesa de valores e de princípios humanitários”. A seu ver, “o boicote, tanto econômico quanto acadêmico-cultural, é uma forma de ação política e resistência pacífica que visa chamar atenção da opinião pública internacional para um problema e dessa forma contribuir para sua resolução”, e não se limita ao movimento intitulado BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), iniciado por representantes da comunidade civil palestina em 2005.
“Agora, por que suspender especificamente esse acordo?”, prosseguiu a professora. “Porque é o que foi assinado nesse contexto, em que uma parcela da Universidade entende que é importante tomar partido, e por ser um acordo com uma universidade que, a despeito de sua inegável importância para a produção de conhecimento em diferentes campos, tem algum grau de relação com o complexo industrial-militar e nenhum dos documentos parece negar isso”. Ainda que o foco do convênio entre Unicamp e Technion não seja a tecnologia militar, argumentou, “é a forma que nós encontramos de fazer pressão sobre nossos pares para que eles contribuam mais ativamente para a busca da paz e para a construção do cessar fogo”.
Petrilson Pinheiro da Silva, diretor do Instituto de Linguagem da Unicamp, chamou a atenção do Consu para um documento da Technion, disponível no site da instituição, que menciona a existência de convênios mantidos por ela com duas importantes empresas da indústria bélica: a Elbit Systems e a Rafael Advanced Systems. “A Elbit é uma das empresas líderes mundiais na exportação de tecnologia militar, responsável por exemplo pela fabricação de veículos aéreos não tripulados, os drones”, informou Petrilson. “A Rafael é líder no desenvolvimento de armas e tecnologia militar, particularmente sistemas de mísseis. É considerada uma empresa governamental”, que se considera “comprometida com a defesa de Israel e seus aliados”.
A Rafael contrata estudantes do Technion, e a Elbit concede bolsas de pesquisa e treina estudantes do Technion, apontou o professor, que apoiou a “Carta Aberta”, por entender que existe um forte elo entre aquela instituição acadêmica e a indústria bélica que vem sendo empregada por Israel contra os palestinos.
“Acredito que cancelar um convênio é um ato muito simples para a enormidade do problema de Gaza”, afirmou Mônica Alonso Cotta, diretora do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), para quem trata-se de um instrumento de cooperação acadêmica que foi avaliado por diversas instâncias da universidade quando Gaza “já era um problema, que não começou em 7 de outubro”. Mônica observou que a própria Unicamp já teve convênios com empresas de São José dos Campos que fabricam armamentos, e que a Universidade da Califórnia mantém um convênio com a poderosa Raytheon (hoje RTX).
A docente propôs, como medida mais efetiva contra o genocídio, que o Observatório de Direitos Humanos ou a Diretoria Executiva de Direitos Humanos elaborem uma carta da Unicamp sobre a questão, ao invés de romper o convênio com o Technion. “O convênio deve ser mantido, em prol dos nossos colegas que estão lá se manifestando, mas ao mesmo tempo a gente tem que fazer algo para se posicionar a favor de Gaza”.
A questão dividiu até mesmo os integrantes da gestão reitoral. Assim, na reunião do Consu, a pró-reitora de Pós-Graduação, Rachel Meneguello, manifestou-se favoravelmente ao teor da “Carta Aberta”, enquanto o reitor Antônio Meirelles se opôs. O debate pode ser visto na íntegra nesta gravação disponível no canal do YouTube da Unicamp, a partir de 1h17min.
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