Docentes negros e negras entregam a Carlotti Jr. proposta de reserva de vagas nos concursos para professora(e)s e defendem que USP tem autonomia para adotar o sistema
Estudantes fizeram ato em frente à Reitoria

Um grupo de docentes negros e negras da USP se reuniu nesta quarta-feira (9/11) com o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior para entregar um conjunto de documentos que reivindicam a implantação de reserva de vagas nos concursos docentes da USP.

Carlotti e o professor Dennis de Oliveira

“É nosso entendimento que conforme a Carta de docentes negras e negros da Universidade de São Paulo reinvindica, é necessária uma politica de ações afirmativas que visem o combate ao racismo que estrutural e sistemicamente existe em nossa Universidade”, diz a proposta de adoção de políticas afirmativas entregue pelo grupo ao reitor.

Além da Carta e da proposta, o grupo encaminhou ao reitor um parecer da professora sênior Eunice Prudente, docente da Faculdade de Direito (FD), que também participou da reunião.

No parecer, Eunice sustenta que a USP, no exercício da autonomia garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal, pode propor a inclusão de docentes negras e negros por resolução própria, “mediante o estabelecimento de cotas nos concursos para ingresso e na progressão interna na docência”, sendo desnecessário que haja “providências em lei específica”.

Grupo entregou documentos ao reitor

De acordo com a proposta de políticas afirmativas apresentada pelo grupo, cada unidade deve ter como meta a inclusão de no mínimo 37% de docentes preta(o)s, parda(o)s ou indígenas (PPIs) em seus quadros. O percentual corresponde à proporção da presença dessas populações no estado de São Paulo.

Desta forma, diz a proposta, “todos os concursos devem ter reservas de vagas até o atendimento mínimo de 37% do quadro da unidade”, passando a incluir no seu edital “a exigência de autodeclaração e a informação [de] que a(o)s candidata(o)s PPIs terão prioridade para serem indicada(o)s pela banca do concurso, sempre que aprovada(o)s no processo e de acordo com as normas próprias do concurso”.

A proposta defende também que “a composição da banca avaliativa deve incluir, obrigatoriamente, ao menos duas pessoas não brancas”, com cadeiras decididas em sorteio. “Não existindo pessoas PPI legalmente aptas a ocupar as cadeiras sorteadas da mesa — situação plausível, vide a ausência completa de docentes PPIs na USP —, o departamento ou unidade pode sugerir cadeiras da banca, nas quais seja possível a inclusão de PPIs.”

O rito dos concursos passaria a ser o seguinte: a Reitoria distribui as vagas e o setor de Recursos Humanos da unidade faz o controle do cumprimento da reserva para a efetiva contratação do candidato PPI.

“A unidade lança o edital contendo a cláusula de reserva de vaga colocando que havendo candidata(o)s PPIs inscrita(o)s e aprovada(o)s, esta(e)s têm preferência para serem indicada(o)s pela banca. Em caso de empate, as candidatas mulheres têm preferência sobre candidatos homens”, prossegue.

Após a inscrição e antes da realização das provas, a(o) candidata(o) seria convidada(o) a passar pela banca de heteroidentificação. Caso não haja candidata(o) PPI inscrita(o) ou aprovada(o), “os demais editais mantêm a reserva de vaga até que o limite de concursos constantes no plano para o período planejado seja igual a no mínimo 37% das vagas disponibilizadas pela Reitoria para o mesmo período de tempo”.

“Nossa proposta não mexe na distribuição de claros docentes, sendo de aplicação imediata”, considera o professor Celso Eduardo Lins de Oliveira, docente da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) e 2o vice-presidente da Adusp, que participou da reunião.

De acordo com o diretor da Adusp, o reitor mostrou-se surpreso com os documentos e a organização do grupo e passou a falar sobre as medidas de inclusão já em andamento, como o lançamento de um programa de pós-doc voltado a pesquisadoras negras e a lista de docentes negras e negros para composição de bancas de concurso, ambas iniciativas da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).

Por sua vez, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) criou um grupo de trabalho para desenvolver propostas de políticas afirmativas na pós-graduação da universidade.

“A proposta é plenamente exequível e factível e não significa mudanças no ritual dos concursos”, diz o professor Dennis de Oliveira, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e da pós-graduação na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e no Programa de Integração da América Latina.

Na avaliação de Dennis, Carlotti Jr. recebeu bem as propostas apresentadas e ressaltou que ainda há resistências no Conselho Universitário (Co) em relação às ações afirmativas. Carlotti Jr. também fez questão de destacar o papel de Marco Antonio Zago, quando reitor (2014-2018), na aprovação das cotas étnico-raciais para ingresso de estudantes de graduação. Porém, a USP foi a última universidade pública do país a adotar o sistema, fazendo-o somente em 2017 (último ano da gestão Zago-Agopyan).

“Dissemos que esperamos o mesmo empenho por parte dele neste momento e que estaremos com essa bandeira no trabalho de convencimento do Co”, relata Celso de Oliveira.

O reitor comprometeu-se a discutir as questões e os documentos apresentados pelo grupo de docentes negros e negras com a pró-reitora da PRIP, professora Ana Lúcia Duarte Lanna, e dar retorno a respeito das demandas.

“A USP tem que parar de ser a universidade que toma as decisões por último”, defende aluna

Ao sair da reunião, o grupo conversou com estudantes que participavam de um ato por mais docentes negros e negras e indígenas na USP, organizado pelo DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme” e pelo Coletivo Malungo, de alunos e alunas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).

“Falamos sobre a importância de que eles e elas também façam pressão junto às congregações das unidades para aderir à proposta e reverter esse quadro difícil no Co”, disse o professor Dennis de Oliveira.

“Como estudantes foi muito bom encontrar eco na demanda, que já sentimos há anos, da ausência de professores negros e indígenas no corpo docente. A mobilização que ocorreu na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo [FAU] em setembro acerca do tema foi um grande empurrão para a classe discente na USP acerca do tema, e somando forças com o grupo de docentes negros e negras neste momento nos sentimos extremamente animados com o futuro da pauta”, diz Felipe Leonidas, aluno da FAU e integrante do Coletivo Malungo.

Leonidas espera da Reitoria e da PRIP “o mínimo de coerência com suas manifestações anteriores, que colocaram como um objetivo de suas gestões o aumento da diversidade na docência, mas que sentimos terem recuado acerca do tema, inclusive com manifestações públicas de que não apoiaram um sistema de reserva de vagas”.

Leonidas ressalta que o antirracismo “é construído por ações práticas de combate às consequências tantas dos séculos de opressão, e não apenas pela inércia do ‘não ser racista’”. “É preciso mais do que palavras ou intenções, mas coragem de atacar os problemas onde eles estão fundamentados, inclusive na estrutura burocrática e elitista da universidade e do Estado”, defende.

Dany Oliveira, aluna da ECA e diretora do DCE-Livre, considera que é importante o reitor ter recebido o grupo de docentes, embora o encontro tenha se iniciado com cerca de uma hora de atraso —Carlotti Jr. justificou dizendo que estava em outra reunião para debater a questão dos planos de saúde na USP.

“Ao mesmo tempo vemos quais são as pautas consideradas prioritárias. Eles têm essa postura de achar que o tempo deles é mais precioso que o nosso e que o nosso tema é secundário e pode ficar esperando”, afirma.

“O recado que temos dado é que as mobilizações não vão parar, pelo contrário”, prossegue Dany. “Os estudantes pobres, trabalhadores e pretos da USP querem ter docentes pretos e indígenas que também possam trazer as suas próprias pesquisas e vivências para a universidade.”

A estudante pontua que esse tema é urgente e que a comunidade estudantil não quer ficar à espera. “A USP tem que parar de ser a universidade que toma as decisões por último”, ressalta.

Desde que foram aprovadas as cotas étnico-raciais para estudantes na graduação, “a cara da universidade tem mudado, e isso faz com que a USP também tenha que mudar a sua postura de modo estrutural”, afirma Dany Oliveira. “A questão da inclusão e da diversidade não pode ser algo secundário, mas tem que se tornar o centro do debate na universidade.”

EXPRESSO ADUSP


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