O Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social (DTB) da Faculdade de Direito (FD) da USP divulgou uma nota na última sexta-feira (4 de julho) na qual reivindica que a USP deve elaborar um plano de ação “para implementação de medidas que sejam efetivas para reduzir os riscos à saúde mental” de seus trabalhadores e trabalhadoras.

“Fato é que, tendo em conta todos os estudos e normas jurídicas já bastante consolidadas, a saúde mental dos(as) trabalhadores(as), com extensão ao corpo discente, em se tratando de uma universidade, não pode ser institucionalmente negligenciada, ainda mais quando demanda neste sentido é explicitamente apresentada pelos(as) diretamente interessados(as), quando indagados(as) sobre os problemas que vislumbram com o sistema de avaliação”, diz a nota, intitulada “A preocupação com a saúde mental dos(as) trabalhadores(as) é uma obrigação do empregador”.

A manifestação foi motivada pelos comentários do professor Rogério de Almeida, presidente da Câmara de Avaliação Institucional (CAI) e docente da Faculdade de Educação (FE), na reunião temática do Conselho Universitário (Co) sobre avaliação institucional e docente, realizada no dia 23 de junho no auditório István Jancsó da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Cidade Universitária.

Almeida relatou que a preocupação com a saúde mental de discentes, docentes e demais servidores(as) foi um dos pontos apresentados por representantes das unidades nas visitas realizadas pela CAI em 2022. As visitas se destinavam a ouvir críticas e sugestões sobre o 5º ciclo avaliativo da USP, iniciado em 2018,

Na reunião temática, Almeida disse que o tema “extrapola a universidade” e que seria uma “preocupação social”, embora tenha reconhecido que a demanda “apareceu bastante também naquele momento”.

Presente à reunião, o professor Jorge Luiz Souto Maior, chefe do DTB, questionou Almeida sobre o tema. Na resposta, registra a nota do departamento, o presidente da CAI “reafirmou o que havia dito, nos seguintes termos: ‘As questões relacionadas à saúde mental é um problema de toda a sociedade. Não seria, por exemplo, um elemento exclusivo de nós universitários. E, portanto, assim como a Universidade tem adoecido, nós também, como docentes, discentes e funcionários (servidores) também temos adoecido. Portanto, esta é uma questão de saúde pública. Portanto, uma questão mais ampla do que propriamente um elemento circunscrito à Universidade. Era mais neste sentido. Agora, sem dúvida nenhuma nós somos afetados por conta de uma série de fatores que envolvem a vida em sociedade. O que eu quis dizer é que não era estritamente uma questão particular da Universidade. Porque, repare, quando eu vou fazendo a exposição dos problemas eu vou trazendo os problemas que são concernentes à Universidade de modo mais específico e este é um problema que é sem dúvida nenhuma da Universidade, da forma como vai gerir os docentes, os funcionários, os discentes, mas que ela não é só uma exclusividade nossa. Essa é uma questão mais ampla que requer, portanto, medidas mais amplas também relacionadas a toda a sociedade’.”

Cobrança de metas inatingíveis marca ambientes de trabalho

O DTB afirma considerar “muito grave tal posicionamento, eis que se apresenta, inclusive, como uma diretriz oficial da Universidade sobre o tema, mas que contraria, de forma direta, todos os estudos e compreensões jurídicas que, ao longo das últimas duas décadas, vêm se desenvolvendo sobre a questão da saúde mental no ambiente de trabalho”.

A nota do departamento contextualiza então o cenário do mundo do trabalho na atualidade e as condições às quais os(as) trabalhadores(as) têm sido submetidos(as). “As relações de trabalho passaram a se desenvolver em um ambiente de trabalho marcado pelo estabelecimento de metas; por um sistema de autoavaliação, que embute a lógica de culpabilização de si mesmo; e pelo estímulo à competição, explicitada pelas comparações. São relações baseadas em cobranças constantes que se sustentam por um sentimento de medo, mas que, também, são permeadas de disfarces e dissimulações”, afirma o documento, citando como exemplo a adoção do termo “colaborador(a)” em lugar de trabalhador(a).

As metas, estipuladas em quantidade de trabalho e não na qualidade do serviço, diz o DTB, “são, quase sempre, inatingíveis, para que se possibilite exigir mais trabalho e para reforçar a percepção de impotência do(a) trabalhador(a)”. “Quando são atingíveis, as metas são revistas para mais, sob o argumento de se buscar atingir uma ainda maior eficiência.”

Assim, “o resultado é uma sensação constante de insatisfação, de incompetência e de perda da autoestima”, prossegue a nota. Como consequência, “o que se tem verificado são incontáveis experiências de estresse crônico no trabalho, motivador de um distúrbio psíquico chamado de ‘síndrome de burnout’, ou ‘esgotamento profissional’, como, a partir de 2022, passou a ser referido pela Classificação Internacional de Doenças – CID”.

Gerenciamento de riscos ocupacionais deve incluir fatores psicossociais

O DTB cita também medidas tomadas em relação à legislação trabalhista no Brasil, especialmente após a pandemia de Covid-19. Entre elas, a Lei no 14.831/2024, que instituiu o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, e a Portaria no 1.419 do Ministério do Trabalho e Emprego, também de 2024, que alterou a Norma Regulamentadora 1 (NR-1) e deu nova redação ao capítulo sobre gerenciamento de riscos ocupacionais.

Conforme a Norma Regulamentadora, “o gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho”.

“Tais preocupações, inclusive, desde então, devem integrar um Plano de Ação, para a necessária Implementação de Medidas. Lembre-se, a propósito, que a jurisprudência trabalhista há muito vem reconhecendo o sofrimento psíquico como resultado da exigência de trabalho em regime de estresse excessivo e, agora, a compreensão assente é no sentido de que o ‘estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso’ se caracteriza como acidente do trabalho, gerando todas as repercussões jurídicas pertinentes ao instituto”, enfatiza o DTB.

A saúde mental, portanto, diz a nota, “é tema essencial para a Universidade e suas deliberações a respeito tanto podem reduzir o problema quanto o podem agravar”.

O departamento conclui o comunicado afirmando que se coloca à disposição para colaborar na elaboração de um plano de ação voltado à redução dos riscos à saúde mental de trabalhadores e trabalhadoras da USP.

EXPRESSO ADUSP


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