Universidade
Por falta de docentes, curso de Artes Visuais cancela 11 disciplinas. Protesto por contratações imediatas pressiona direção da ECA e Reitoria
Onze disciplinas do curso de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP não serão oferecidas neste semestre. Já estava previsto o cancelamento de cinco delas, por falta de docentes ou sobrecarga de trabalho do(a)s professore(a)s do Departamento de Artes Plásticas (CAP). Porém, o anúncio de que outras seis disciplinas seriam canceladas ocorreu — de forma bizarra, em se tratando de uma unidade de ensino que se ocupa da comunicação — apenas uma semana antes do início das aulas do semestre.
A razão principal para que essas disciplinas não sejam ofertadas é que os contratos de três docentes temporário(a)s do CAP não foram renovados e não há outro(a)s disponíveis para assumi-las. Outras onze disciplinas que deveriam ser ofertadas no primeiro semestre de 2024 estão desassistidas até o momento.
Aluno(a)s não apenas de Artes Visuais, mas de outros cursos da ECA e de outras unidades da USP realizaram uma manifestação na tarde desta quarta-feira (9/8), enquanto ocorria uma reunião do Conselho Técnico-Administrativo (CTA), para denunciar a calamitosa situação do curso e exigir providências da direção da unidade e da Reitoria.
Na reunião, a representante discente cedeu seu tempo de fala para que alunas de Artes Visuais lessem uma carta pública que ressalta a importância do curso — o 12º mais procurado no último vestibular da USP, com quase 31 candidato(a)s por vaga; destaca o seu papel histórico nas artes brasileiras; e reivindica que a universidade “reconheça a relevância desse campo de estudos e garanta a sua continuidade e excelência”.
“A falta de contratação de professores num curso como o de Artes Visuais da USP limita as oportunidades de desenvolvimento de novos talentos, como ainda compromete o prestígio da instituição e sua capacidade de atrair estudantes, parcerias e projetos relevantes, comprometendo a manutenção de um corpo docente qualificado e estável, vital para a qualidade do ensino na Universidade e desde seu início conectado à comunidade cultural e artística, desempenhando papel fundamental na formação de profissionais ligados à área”, diz a carta.
A manifestação estudantil teve início em frente ao prédio principal da ECA. Depois do início da reunião do CTA, o(a)s aluno(a)s subiram ao primeiro andar e permaneceram no corredor, sem entrar na sala, enquanto a representação discente lia o documento.
Após a leitura, ainda no corredor, o(a)s estudantes entoaram palavras de ordem como “Bora contratar/eu só quero me formar” e “Se liga, reitor, eu quero tá na aula/mas falta o professor” — ou, numa variação, com as palavras “diretora” (referência à professora Brasilina Passarelli, diretora da ECA) no lugar de “reitor” e “professora” no lugar de professor. A manifestação então foi retomada no térreo até o final da reunião.
Estudantes tiveram que refazer grade às pressas
Depoimentos de aluno(a)s durante o ato registraram o absurdo da situação imposta ao corpo discente com o cancelamento de disciplinas, algumas delas obrigatórias, anunciado depois de organizada a grade horária do curso e de realizadas as matrículas para o segundo semestre.
O(a) estudantes tiveram que reorganizar às pressas as suas matrículas para conseguir o número mínimo de créditos para o semestre, e há casos de aluno(a)s que terão que adiar a formatura por falta da oferta de disciplinas. Não por acaso, um grande alvo foi pintado por estudantes para simbolizar os riscos que o curso corre.
“A precarização não é de hoje e, se não fizermos nada, vai continuar”, disse o aluno Luca de Andrade Ribeiro. Ele testemunhou que o(a)s docentes temporário(a)s de Artes Visuais que não tiveram o contrato renovado desenvolviam trabalhos importantes e traziam grande contribuição ao curso.
O estudante lembrou que a situação pode ficar ainda pior, porque há previsão de cinco aposentadorias no CAP até 2026, uma delas já no ano que vem.
“Daqui a pouco não vai ser só com professor temporário, vai ser com efetivo. Não vai ser só para um curso, mas para os outros, para a faculdade toda e fora dela”, alertou Luca.
O(a)s aluno(a)s também denunciaram que a falta de docentes pode acarretar a impossibilidade de uso do Laboratório de Modelagem e Fabricação Digitais e a redução de ofertas do Programa Unificado de Bolsas (PUB) no curso.
O desrespeito ao direito adquirido de ter um curso completo por parte de quem passou no estreito funil do vestibular, e a grande diferença entre o curso “vendido” no discurso triunfalista da Reitoria e aquele que existe na prática, também foram pontos citados na manifestação discente.
Pedro Chiquitti, da diretoria do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, apontou no ato que outras unidades da USP vivem a mesma realidade de cancelamento de oferta de disciplinas e falta crônica de docentes — casos recentes são os do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e o de Obstetrícia, na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). Nesta última unidade, aluno(a)s promoveram uma ocupação para forçar a Reitoria a negociar a antecipação da concessão de claros docentes e atender a outras reivindicações.
A representante discente no CTA, Júlia Urioste, também argumentou a favor da antecipação das contratações previstas para o CAP. De acordo com a aluna, a diretora da ECA comprometeu-se a enviar um ofício sobre a situação à Reitoria e ao Departamento de Recursos Humanos (DRH), além de pautar o tema na próxima reunião da Congregação, no dia 23/8.
A mobilização do(a)s estudantes vai prosseguir para cobrar a adoção de medidas urgentes.
Carência de docentes é problema em toda a universidade
De acordo com informações levantadas pela professora Silvia Laurentiz, chefe do departamento, e pelo professor João Musa, vice-chefe, o número ideal de professore(a)s do CAP é 22. O departamento já teve vinte e um docentes num período curto, mas como regra o número máximo é 20. Algumas disciplinas não são ofertadas desde a reformulação do curso, em 2020.
Atualmente, o CAP conta com 15 docentes, sendo que três estão em situação de modalidade especial (licença médica, por exemplo). Assim, são 12 professore(a)s integralmente dedicados ao departamento.
Entre 2014 e 2022, sete docentes saíram do CAP, e foram contratado(a)s apenas dois. Dado o déficit atual, o departamento deveria ter a reposição de quatro docentes, de acordo com os critérios adotados pela Reitoria para as novas contratações, perfazendo um total de 19 professore(a)s. O número ainda está abaixo do ideal, mas seria mais adequado para a distribuição do trabalho, consideram Silvia e Musa.
A situação vivida na ECA se repete em muitas outras unidades, reflexo da precarização do trabalho docente e de uma política deliberada de redução de contratações que, desde 2014, produziu um déficit de mil docentes na USP, conforme a Adusp vem denunciando seguidamente. As 876 contratações que a atual Reitoria anunciou que pretende fazer até o final de sua gestão, em 2025, são insuficientes para cobrir esse déficit e ainda repor as saídas programadas por aposentadorias nos próximos anos.
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