A Folha de S. Paulo decidiu publicar, na última sexta-feira (29/9), editorial sobre a greve dos estudantes da USP, intitulado “Déficit universitário”. O texto propõe, ao final, “implementar alternativas de financiamento […] para que os beneficiários também contribuam para o sustento das universidades”.

Frente a essa postulação oblíqua da adoção de ensino pago na USP e demais universidades públicas, feita pelo jornal, a Diretoria da Adusp decidiu responder ao editorial. Enviou então, na mesma data, concisa carta ao “Painel do Leitor” da Folha, uma vez que o jornal impõe o draconiano limite de 500 caracteres com espaços. A carta não foi publicada.

O editorial da Folha traz como subtítulo, na versão digital, “Greve na USP por mais docentes expõe falha no custeio do ensino superior público”. No jornal impresso, o subtítulo é algo diferente: “Greve na USP por mais professores expõe atraso do financiamento do ensino superior público”.

Segundo o editorial, a USP, na última década, “enfrentou problemas de caixa e reclamações do corpo discente sobre condições de ensino”, adversidades que teriam relação “com falhas públicas no sistema de financiamento das universidades brasileiras”. Prossegue com ênfase: “Gastos com docentes e servidores administrativos consomem grande parte dos orçamentos das instituições, faltando verba para investimento em pesquisa, tecnologia e inovação, quando não para o custo mais básico.”

O editorial reconhece, a seguir, que USP, Unesp e Unicamp “seguem um modelo próprio e meritório de autonomia, pelo qual recebem parcelas fixas da arrecadação do ICMS do estado”, mas diz que houve “crises de gestão”. A seguir, reproduz a explicação das gestões reitorais para as medidas de austeridade fiscal adotadas entre 2014 e 2017: “Enquanto a arrecadação tributária passou por um período de forte crescimento, as instituições puderam ampliar tanto o número de alunos quanto conceder bons reajustes salariais aos docentes. Com a recessão profunda de 2014-16, a receita desabou e foi necessário promover ajustes que reduziram o quadro de pessoal”.

Cita estatísticas da OCDE segundo as quais as universidades públicas brasileiras teriam “média de 10 estudantes por professor, abaixo, por exemplo, de França (18) e Canadá (21)”. Afirma, então: “Percebe-se aí uma distorção na educação pública brasileira, que destina recursos desproporcionais ao ensino superior, muitas vezes em favor de estratos mais ricos”.

A Folha arremata assim seu editorial: “Urge implementar alternativas de financiamento, corriqueiras no restante do mundo, para que os beneficiários também contribuam para o sustento das universidades. Refratárias a esse debate, as instituições públicas sofrem diretamente com o atraso brasileiro”.

A carta da Adusp, assinada por sua presidenta, professora Michele Schultz, sustenta que o editorial em questão “comete equívocos em série, antes de desembocar na surrada tese das ‘alternativas de financiamento’, cuja intenção real é instituir a privatização e o ensino pago nas universidades públicas”.

Diz ainda a carta não publicada: “É exatamente o ‘modelo próprio e meritório de autonomia, pelo qual recebem parcelas fixas da arrecadação do ICMS’, que garante à USP, Unesp e Unicamp manter docentes em regime de dedicação integral e produzir ensino, pesquisa e extensão de alta qualidade e úteis à sociedade. A resistência da Reitoria em repor docentes e funcionários perdidos desde 2014 é política: a USP entrou em 2023 com R$ 5,7 bilhões em caixa”.

Íntegra do editorial da Folha de S. Paulo

A Universidade de São Paulo sempre figura nas primeiras colocações dos sistemas de avaliação da América Latina. No prestigiado ranking QS referente a este ano, retomou o primeiro lugar, que, nas edições anteriores, esteve com a Pontifícia Universidade Católica do Chile.

Na última década, a USP enfrentou problemas de caixa e reclamações do corpo discente sobre condições de ensino. As adversidades têm relação com falhas públicas no sistema de financiamento das universidades brasileiras.

Gastos com docentes e servidores administrativos consomem grande parte dos orçamentos das instituições, faltando verba para investimento em pesquisa, tecnologia e inovação, quando não para o custo mais básico.

A USP — bem como outras universidades paulistas, a Unicamp e a Unesp — seguem um modelo próprio e meritório de autonomia, pelo qual recebem parcelas fixas da arrecadação do ICMS do estado. Embora bem concebida, a regra deu margem a crises de gestão.

Enquanto a arrecadação tributária passou por um período de forte crescimento, as instituições puderam ampliar tanto o número de alunos quanto conceder bons reajustes salariais aos docentes. Com a recessão profunda de 2014-16, a receita desabou e foi necessária promover ajustes que reduziram o quadro de pessoal.

A comunidade acadêmica sente ainda hoje os efeitos de tais solavancos. Desde o último dia 18, parcelas crescentes dos alunos iniciaram uma greve, reivindicando a contratação de mais professores.

Entre 2002 e 2022, o número de estudantes subiu 32%, e o de docentes, apenas 5%. Havia 1 professor para cada 15 alunos, em média; agora a proporção é de 1 para 18, segundo a associação dos profissionais.

Já conforme o ranking Times Higher Education, a USP, que não está entre as 200 mais bem avaliadas do mundo, tem 13,9 alunos por docente, nada que destoe tanto do padrão de instituições de ponta.

Pelas estatísticas da OCDE, as universidades públicas brasileiras têm média de 10 estudantes por professor, abaixo, por exemplo, de França (18) e Canadá (21).

Percebe-se aí uma distorção na educação pública brasileira, que destina recursos desproporcionais ao ensino superior, muitas vezes em favor de estratos mais ricos.

Urge implementar alternativas de financiamento, corriqueiras no restante do mundo, para que os beneficiários também contribuam para o sustento das universidades. Refratárias a esse debate, as instituições públicas sofrem diretamente com o atraso brasileiro.

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!