A Folha de S. Paulo noticiou em 29/12, na coluna da jornalista Mônica Bérgamo, que o ministro André Mendonça e o ministro aposentado Ricardo Lewandowski, ambos do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como o ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), participarão “do programa de MBA [master of business administration] do Hospital das Clínicas da USP”, na condição de “professores do programa HC Líder”. Ainda segundo a coluna, “o projeto oferecerá quatro cursos de MBA a partir de fevereiro de 2024” e tais cursos são promovidos “pelo HC da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e pela Escola de Educação Permanente da instituição”. Ocorre que há décadas o HC é inteiramente controlado por uma entidade privada, a Fundação Faculdade de Medicina (FFM). A “Escola de Educação Permanente do HC” (EEP) foi criada pela FFM para obter uma fatia do lucrativo mercado de cursos pagos na área da saúde.

Quem desejar cursar o “MBA em Gestão da Inovação em Saúde – EAD”, disponível para matrículas na plataforma online da EEP, com um ano de duração (entre março de 2024 e março de 2025) e 460 horas de conteúdo, terá de desembolsar um total de R$ 23.800, a serem pagos em 30 parcelas de R$ 793,96. Também é oferecido um desconto de 5% para pagamento à vista: neste caso, o valor cai para R$ 21.600. Supondo-se que as 100 vagas sejam preenchidas, o curso deverá arrecadar no mínimo R$ 2,16 milhões.

Esse MBA é apresentado como parceria entre o HC e o Instituto Butantan, “como meio de contribuir efetivamente para a formação de recursos humanos na área, capacitando pesquisadores e profissionais para a real aproximação entre a geração do conhecimento e o mundo dos negócios”, de modo que possam “gerenciar todas as etapas do processo de inovação em saúde, capacitando-os para a aplicação dos processos existentes entre pesquisa, patenteamento, produção e comercialização de produtos, com completo domínio de todo o arcabouço legal necessário para a transferência de tecnologia”.

Como “público alvo” do curso, a plataforma elenca em primeiro lugar “empresários, executivos, gestores, líderes e pesquisadores que atuam ou desejam atuar nas definições estratégicas de inovação em ICTs [instituição científica, tecnológica e ‘de inovação’], incubadoras, aceleradoras, empresas, governo e startups”, mas também inclui “investidores” e uma variedade de profissionais (tais como “advogados, engenheiros biomédicos, jornalistas, profissionais de marketing” e outros “com atuação na área da saúde e/ou bem-estar e qualidade de vida”) que “se interessam pela inovação” e, ainda, “desejam se preparar para transformar pesquisas em soluções e negócios inovadores para o mercado da saúde”.

Os nomes de ministros de tribunais apontados pela Folha de S. Paulo não são citados na aba “Programa”, que relaciona todas as disciplinas do curso e respectivos(as) docentes. Esper George Kallás, diretor do Instituto Butantan; Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Instituto Butantan; Giovanni Guido Cerri, ex-secretário estadual da Saúde e ex-diretor da FMUSP; e Roger Chammas, chefe de gabinete da Diretoria da FMUSP e membro do Conselho Diretor do Instituto do Câncer, figuram entre os nomes listados como docentes.

Por enquanto só estão disponíveis na plataforma da EEP dois dos quatro cursos MBA mencionados pela Folha de S. Paulo. O outro MBA presente na plataforma da EEP, denominado “MBA Engenharia Clínica HC”, é ainda mais caro que seu congênere sobre inovação em saúde. Quem se inscrever entre 1º e 28 de janeiro pagará R$ 24.960, em 12 parcelas de R$ 2.080 (quem se inscreveu em dezembro pagou R$ 21.960). Também nele não há referência aos ministros Mendonça, Lewandowski e Ribeiro.

A EEP diz haver atendido, nos últimos dez anos, mais de 159 mil alunos de ensino a distância, mais de 14 mil alunos em cursos de especialização (entre os quais se incluem os MBA) e quase 187 mil alunos em cursos sobre a Covid-19, entre outros números. Mas um de seus projetos remunerados deveria receber especial atenção dos órgãos de controle da USP, porque afeta diretamente os e as estudantes da FMUSP. Trata-se do “Programa Experiência HCFMUSP na Prática”, destinado a “estudantes de graduação em Medicina no Brasil do 4º, 5º e 6º ano” e que promete “uma experiência única no maior Complexo Hospitalar da América Latina”, por meio de uma “imersão” que permite “acompanhar a rotina da disciplina escolhida e realizar algumas práticas médicas sob supervisão”.

Para ter acesso a tal “experiência única”, estudantes de outras faculdades pagam a bagatela de R$ 8.450 por especialidade (sem contar outros R$ 350 do processo seletivo). A cobrança por si já deveria ser objeto de questionamentos éticos e legais, pelos conflitos de interesse envolvidos. Por exemplo: a Anhembi-Morumbi teria contratado 60 vagas anuais para seus alunos de Medicina, que com isso conseguem fazer estágios eventualmente melhores que os(as) estudantes da FMUSP. Aliás, sabendo-se que o programa é voltado para estudantes de graduação e não para médicos(as) formados(as), o alto preço cobrado faz pensar que ele foi concebido exatamente para atrair “parcerias” desse tipo com instituições de ensino privadas.

Tais atividades remuneradas da Fundação Faculdade de Medicina, conduzidas por meio da EEP, são planejadas e executadas por docentes que se utilizam de suas posições de poder na Faculdade de Medicina e no HC para colocá-los a serviço de seus interesses privados. Tanto o HC (que desde 2011 é uma autarquia estadual) quanto a Faculdade de Medicina da USP são instituições públicas e portanto não deveriam cobrar por seus serviços, nem emprestar seus nomes e prestígio para fins privados. Idêntico raciocínio é válido para o Instituto Butantan, cujos dirigentes participam como docentes do “MBA em Gestão da Inovação em Saúde – EAD”. Sem contar que, nesse caso, toda a ênfase do curso é em “negócios inovadores para o mercado da saúde”.

EXPRESSO ADUSP


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