Universidade
Google encerra armazenamento ilimitado, como previsto, e USP “lava as mãos”
No decorrer desta semana a Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) anunciou, em comunicado encaminhado por e-mail ao corpo docente da USP que, tendo em vista “a decisão da Google de descontinuar o armazenamento (Drive) ilimitado do Google Workspaces for Education para as universidades em âmbito mundial”, a partir de 18/6/2024 “o limite de armazenamento de sua conta associada ao e-mail da USP será de 100 GB, abrangendo arquivos do Google Drive, Gmail e fotos”.
Disse mais a STI: “Aquelas contas que ultrapassarem este limite estarão impedidas de criar e atualizar arquivos, embora continuem a receber e-mails. Adicionalmente, nesta mesma data [18/6], o serviço de Drives Compartilhados será descontinuado e todos os arquivos neles contidos serão migrados para um novo serviço de armazenamento em nuvem denominado Google Cloud Platform, conforme contrato firmado entre a USP e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), por intermédio da Superintendência de Tecnologia da Informação” (destaques nossos).
Mais grave ainda, a STI placidamente transmitiu a seguinte ameaça a professores e professoras da USP: “A partir de 28/6/2024, as contas de docentes que permanecerem acima do limite de 100 GB terão os arquivos (e e-mails) removidos” (destaques nossos).
A ameaça de remoção compulsória de arquivos não deixa de ser irônica, quando se sabe que, até a data de publicação desta matéria, permanecia no ar o texto divulgado pelo site da STI em 2016, que anuncia a assinatura do “termo de cooperação” entre a Google e a USP, o qual “possibilita armazenamento ilimitado de dados na nuvem e acesso e administração do e-mail USP por mecanismos iguais ao Gmail, customizados para o ambiente da Universidade”.
O recente comunicado da STI apresentou ainda “algumas orientações” sobre como proceder para evitar que se chegue a uma situação tão desagradável, tais como acessar “Armazenamento”, no Google Drive, para “conferir a quantidade de armazenamento utilizada e excluir arquivos grandes ou desnecessários no Drive”, ou ainda, “para pesquisar e excluir e-mails grandes ou desnecessários, siga as instruções do Gmail em ‘Gerenciar arquivos’ no armazenamento do Google Drive” etc.
Felizmente, como a STI parece ter uma vaga noção de que o risco de remoção de arquivos de docentes envolve também riscos para as atividades funcionais desses e dessas docentes, ela abre uma exceção: “Eventuais casos em que haja necessidade de manutenção de conteúdo que ultrapasse o limite estabelecido e esteja relacionado aos eixos de ensino, pesquisa e/ou extensão poderão ser analisados individualmente, mediante ofício justificando a solicitação, com a anuência do Dirigente da Unidade, observados os postulados éticos dispostos no Código de Ética da Universidade de São Paulo”.
Assim, “eventuais” docentes interessados(as) em salvar conteúdos “grandes demais” devem estar dispostos a enfrentar uma pequena corrida de obstáculos para alcançar essa finalidade.
Ameaça de remoção de arquivos “é difícil de engolir”, diz professor Ewout ter Haar (IF)
“Este desfecho da terceirização da gestão de e-mails e armazenamento ilustra bem os riscos apontados por parte da comunidade USP desde 2016: entregar dados a terceiros e atrofiar nossa própria capacidade de desenvolver soluções de TI prejudica demais nossa autonomia informacional”, comenta, a pedido do Informativo Adusp Online, o professor Ewout ter Haar, do Departamento de Física Experimental do Instituto de Física (IF-USP).
“Em particular, a afirmação ‘as contas de docentes que permanecerem acima do limite de 100 GB terão os arquivos (e e-mails) removidos’ é difícil de engolir. Espero que a STI comece investir novamente em soluções de código aberto e recursos humanos qualificado que garante à USP a autonomia sobre seus próprios dados”, completa Haar.
Em 2022, quando a universidade renovou o contrato com a Google, o docente advertiu que considerava uma “ingenuidade”, pela assimetria da relação entre as partes, chamar o acordo de “termo de cooperação técnica”. Na sua opinião, a universidade “deve zelar pela sua autonomia na gestão de infraestrutura para educação e pesquisa”.
“O colonialismo cultural que domina as mentes de muitos dirigentes acadêmicos brasileiros têm o mais perfeito exemplo na ilusória cooperação da USP com uma big tech, iniciada na infeliz gestão [M.A.] Zago”, declara ao Informativo Adusp Online o professor Lincoln Secco, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP).
“Foi um triplo erro, pois impediu que a universidade continuasse a desenvolver seu próprio conhecimento tecnológico, aceitou o descumprimento do contrato e ainda chamou de ‘cooperação’ a entrega gratuita de todas as informações da USP para uma multinacional”, sintetiza Secco.
A Google havia avisado às universidades, em 2021, que o armazenamento ilimitado desapareceria em 2022. Aparentemente, a big tech resolveu retardar a implantação da medida, mas a hora finalmente chegou, e sem que a USP tenha tomado qualquer medida para desafiar o descumprimento unilateral de compromissos assumidos no termo de cooperação, nem feito qualquer pronunciamento crítico à Google em relação ao caso.
Deve-se lembrar, ainda, que em setembro de 2020 a Adusp encaminhou ao então reitor Vahan Agopyan um requerimento de informações referentes “aos dados pessoais coletados e tratados pelos meios telemáticos de comunicação e ensino”, bem como às “medidas de segurança de informação adotadas por esta Universidade”. O requerimento, que elenca 42 questionamentos, jamais foi respondido pela Reitoria.
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