Por sugestão da assessoria jurídica da Associação de Docentes da USP (Adusp), as entidades representativas do corpo funcional da universidade e do corpo discente de graduação e pós-graduação solicitaram uma reunião com o Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), com a finalidade de apresentar o histórico de tentativas do movimento de implantar um sistema adequado de encaminhamento e apuração das denúncias de violência na USP desde 2016, quando uma CPI na Assembleia Legislativa (Alesp) revelou a existência, na universidade, de uma cultura de violência institucionalizada e negligenciada por sucessivas gestões reitorais.

Além da própria Adusp, são signatários(as) do pedido o Sindicato de Trabalhadores da USP (Sintusp); o Diretório Central dos Estudantes da USP “Alexandre Vannucchi Leme” (DCE-Livre); as associações de pós-graduandos da USP nos câmpus da Capital, de Ribeirão Preto, de São Carlos e da Escola Superior Luiz de Queiroz (Piracicaba) — respectivamente APG Capital “Helenira ‘Preta’ Resende”, APG Ribeirão Preto, APG São Carlos e APG Esalq; e a Associação de Moradores do Crusp (Amorcrusp).

A CPI realizada na Alesp levou a algumas mudanças na forma de lidar com as diversas situações de violência, como o cancelamento da festa anual de estudantes da Faculdade de Medicina conhecida como “Show Medicina” e melhor acompanhamento das chamadas Semanas de Recepção aos Calouros. Na avaliação das entidades, no entanto, tais medidas foram pontuais e não mudaram o quadro de violência na universidade.

As entidades levaram ao Núcleo de Gênero do MP-SP uma série de documentos que comprovam tais tentativas. Em 2017, a Rede Não Cala e estudantes de graduação e pós-graduação elaboraram uma proposta de criação de um Centro de Referência de Atendimento à Mulher e Vítimas de Violência de Gênero, com previsão de acolhimento inicial psicossocial e de assistência à saúde, aconselhamento jurídico e suporte pedagógico. A proposta foi apresentada ao Escritório USP Mulheres, coordenado à época pela professora Eva Blay, mas o movimento nunca recebeu retorno.

Em março de 2019, as entidades publicaram um caderno no qual expuseram a gravidade da situação e reforçaram o pleito para que a USP criasse canais e protocolos para apuração dos casos. No mesmo ano, em dezembro, a Rede Não Cala e a Adusp novamente acionaram o Escritório, naquele momento sob coordenação da professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, então diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e conseguiram agendar uma reunião para apresentar suas demandas. Arruda, porém, não compareceu à reunião, enviando um representante. As entidades entregaram ao representante de Arruda uma carta que reforçava, mais uma vez, a necessidade de implementação de medidas de combate à discriminação e à violência de gênero.

Durante os anos de 2020 e 2021 as entidades se engajaram em campanhas que denunciavam o viés de gênero nas questões referentes às atividades remotas, principalmente pelas redes sociais das entidades. Em 2022, por ocasião do 8 de março, as entidades prepararam material que voltou a denunciar a cultura de violência de gênero, cujo mote foi “USP sem assédio! 8M para todas as mulheres”.

Em 31 de março de 2023, o movimento realizou o seminário “Vozes que não se calam, contra o assédio na USP”. O seminário se encerrou com a ida de uma comissão até a Reitoria da universidade, para entrega de mais uma carta na qual se lê:

“O espaço universitário deveria ser o espaço da diversidade, da inclusão, do respeito e da paridade de gênero. No entanto, isso nunca foi uma realidade na Universidade de São Paulo. Sintonizadas com o debate contemporâneo nacional e internacional para a construção de universidades inclusivas e acolhedoras, que incorporem em suas estruturas institucionais os princípios da democracia, da justiça e da equidade, associações e coletivos de estudantes e servidoras e servidores docentes e técnico-administrativos da USP têm realizado, há décadas, diagnósticos sobre as ocorrências de desigualdades e violências de gênero no ambiente universitário.”

Como se vê, a luta para que haja adequado encaminhamento institucional dos casos de violência tem sido uma constante. Na ausência de encaminhamentos institucionais que deem conta da demanda, professoras da Rede Não Cala começaram a realizar o processo de acolhimento e aconselhamento, o que resultou, em algumas unidades, na criação de coletivos locais de mulheres e Comissões de Direitos Humanos. Alguns desses coletivos, como os do Instituto de Matemática e Estatística (IME) e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP, a “Filô”), elaboraram documentos que serviram de base a algumas ações pontuais da instituição.

Na reunião com o Núcleo de Gênero do MP-SP, ocorrida no último dia 17 de outubro, as entidades reforçaram a necessidade de se construírem protocolos adequados para apuração das denúncias, uma vez que os procedimentos adotados atualmente, quando encaminhados, acabam reexpondo as vítimas à violência por serem conduzidos como episódios estritamente administrativos, o que termina por frustrar as vítimas e, por vezes, as faz desistirem de apresentar a denúncia, ou de levar o processo adiante, por medo de represálias.

Foram apresentados às promotoras de justiça exemplos de casos de estupro em que as vítimas tiveram grandes dificuldades de registrar denúncia nos locais destinados a esse fim, como Delegacias de Defesa da Mulher, Casa da Mulher Brasileira e Defensoria Pública.

As promotoras do Núcleo de Gênero foram muito receptivas e se mostraram preocupadas com as situações apresentadas. Como ação mais imediata, sugeriram a centralização das denúncias, inclusive para garantia de medidas protetivas. As denúncias podem ser feitas pelo endereço nucleodegenero@mpsp.mp.br e no assunto deve constar Denúncia USP.

Além disso, elas apresentaram às entidades o programa “Pacto Ninguém Se Cala” (https://www.mpsp.mp.br/pacto-ninguem-se-cala), com possibilidade de novas reuniões com entidades e movimentos que se interessarem, e se dispuseram a contribuir para a elaboração de um protocolo que acolha as necessidades da USP, podendo participar, se as entidades julgarem pertinente, de reuniões com a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).

As entidades solicitaram também à PRIP uma audiência, que ficou agendada para o próximo dia 18/12 às 11h.

EXPRESSO ADUSP


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