Universidade
Depois de forte pressão e insistência, PG recebe Direção da FFLCH para organizar reação aos ataques da extrema-direita; reunião aberta à comunidade nesta quinta-feira (11/9) debaterá ações

Depois de forte insistência, manifestações públicas e pressão oriunda de vários(as) docentes, a Procuradoria-Geral (PG) da USP finalmente recebeu a Direção da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) nesta segunda-feira (8 de setembro) para discutir as providências que a universidade vai tomar em relação aos ataques de grupos de jovens militantes de extrema-direita que a FFLCH vem sofrendo desde maio.
De acordo com o diretor da faculdade, professor Adrián Pablo Fanjul, os encaminhamentos resultantes da reunião foram os seguintes:
– a Reitoria enviou ofício à Secretaria de Segurança Pública do estado para solicitar celeridade da Polícia Civil na apuração dos boletins de ocorrência que vêm sendo registrados por estudantes, servidores(as) e pela Direção da faculdade desde o início dos ataques;
– a PG está reunindo, juntamente com a FFLCH e a Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária da USP (SPPU), as evidências para ajuizar uma ação civil;
– haverá reforço da presença da Guarda Universitária na faculdade.
“A Direção da faculdade considera que houve um avanço importante no tratamento da situação por parte da universidade, e dará continuidade às ações públicas em defesa da faculdade, da vida política dentro do espaço universitário e da democracia no país”, afirmou Fanjul.
A Direção da FFLCH também convocou uma reunião aberta para a próxima quinta-feira (11 de setembro), às 18h, no auditório Milton Santos, para debater estratégias e ações destinadas a combater a violência dirigida à faculdade.
“É hora de uma grande ação institucional e pública em defesa da Faculdade e da Universidade para dar fim a essa violência, e, para tanto, entraremos em contato com referentes políticos, acadêmicos, culturais e sociais, principalmente com aquelas e aqueles relacionados à Faculdade pela sua carreira ou por parcerias”, diz a nota “Em defesa da FFLCH”, publicada pela Direção da faculdade na última sexta-feira (5 de setembro), logo após a ocorrência de mais um ataque. “Solicitamos especialmente que membros de colegiados, de centros de estudos e centros acadêmicos tentem participar ou acompanhar os encaminhamentos”, conclama a unidade.
Na reunião aberta, a Direção apresentará uma série de propostas de ações, incluindo um grande ato no vão do prédio da História e Geografia nas próximas semanas.
No oitavo ataque, aluno foi mordido por agressor
O mais recente episódio de agressão, o oitavo registrado em pouco mais de quatro meses, ocorreu na sexta-feira da semana da Pátria, quando não havia aulas na universidade.
Os extremistas, membros de um grupo chamado “União Conservadora”, invadiram novamente o vão do prédio da História e Geografia. “Desta vez, partiram para a violência física, deram soco em um professor egresso da casa e machucaram estudantes. Também tentaram forçar a porta de um laboratório e acuaram a funcionária a cargo. A direção acompanhou as pessoas agredidas para fazer boletim de ocorrência”, diz a nota da FFLCH.
Um aluno chegou a ser mordido por um membro do grupo que invadiu a FFLCH. Reportagem publicada pelo UOL no sábado (6 de setembro) o identifica como Mario Fortes, presidente da organização fascista. O intuito do grupo, segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo no dia 5, “é oferecer formação a jovens conservadores e lançá-los a cargos eletivos”.
De acordo com o diretor da FFLCH, alguns dos provocadores já foram identificados e “estão lotados em mandatos de deputados e vereadores do PL, do União Brasil e outros partidos”.
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP), por sinal, já abriu inquérito civil contra o vereador da capital Lucas Pavanato (PL), investigado por suposto abuso de poder e uso indevido de imagem em vídeos gravados em universidades públicas.
Conforme a Folha de S. Paulo, Pavanato já foi condenado a pagar R$ 8 mil de indenização por danos morais a uma estudante da USP, após ter publicado um vídeo com a imagem dela sem autorização.
O vereador tem 27 anos de idade, já integrou o Movimento Brasil Livre (MBL) e foi o mais votado nas eleições municipais de 2024, recebendo 161,3 mil votos.
Pavanato e Fortes são citados em representação encaminhada nesta terça-feira (9 de setembro) ao MP-SP pelo deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL) e pela Bancada Feminista do PSOL.
A representação requer, entre outros pontos, que seja instaurado imediatamente “inquérito criminal para apuração das condutas descritas, abrangendo os crimes de ameaça (art. 147, CP), calúnia e difamação (arts. 138 e 139, CP), lesão corporal (art. 129, CP) e violação de direitos de imagem (art. 5º, X, CF e art. 20 do CC), dentre outros eventualmente identificados”.
Em assembleia, funcionários(as) expõem condições de insegurança
Nesta segunda-feira, após realização de assembleia, funcionários(as) do Departamento de Geografia divulgaram uma carta aberta na qual denunciam as “condições de insegurança” às quais estão submetidos(as), “em função das cada vez mais frequentes invasões de influencers e parlamentares de extrema-direita nas dependências da FFLCH”.
“Estamos sendo interrompidos em nossas rotinas pelos provocadores, vivenciando episódios de agressão verbal e física durante o exercício de nossas funções, tendo nossas imagens pessoais expostas ilegalmente em canais de grande circulação na Internet, e, na última sexta-feira, tivemos que proteger nossos laboratórios e nos trancar em nossas salas tamanho o grau de violência a que chegaram os invasores”, diz a carta.
“Nesses grupos há inclusive a presença de capangas armados, elevando ao máximo a tensão nesse período. O que mais precisará acontecer para que as autoridades da USP reajam e garantam nossas condições de trabalho?”, finaliza o texto.
A denúncia dos ataques e a cobrança de ações por parte da Reitoria foram feitas pelo diretor da faculdade em pelo menos duas ocasiões no Conselho Universitário (Co). Na sessão do último dia 26 de agosto, Fanjul voltou a cobrar ações concretas e respostas institucionais da Reitoria e da PG em relação à violência sofrida pela faculdade — e, por extensão, por toda a universidade.
Na ocasião, o professor se referia ao ataque ocorrido no dia 16 de agosto, um sábado, quando o grupo fascista interrompeu a Olimpíada de Xadrez da FFLCH. “Como em outras ocasiões, rasgaram faixas penduradas por coletivos estudantis por serem ‘políticas’, exaltaram o ex-presidente atualmente em prisão domiciliar, insultaram estudantes procurando respostas violentas, e gravaram imagens sem autorização das pessoas”, descreveu Fanjul.
Um dos objetivos dos provocadores é fazer com que os(as) estudantes reajam, gerando assim vídeos de confrontos que possam ser publicados na Internet e que “comprovem” a teoria de que os(as) alunos(as) da FFLCH são agressivos(as), violentos(as) e intolerantes.
Processo foi distribuído à Procuradoria Disciplinar e ficou parado por dois meses
Em seu pronunciamento no Co, Fanjul deixou claro que a omissão da Reitoria e da PG abriu caminho para o agravamento da situação e o aumento da violência da ação do grupo fascista.
“Desde a primeira invasão, em maio, e aqui entra a minha preocupação, acionamos a Procuradoria-Geral, e passados três meses a faculdade estranha alguns equívocos na distribuição do processo, com um longo período sem interação”, ressaltou.
O processo aberto a partir das denúncias da FFLCH foi distribuído internamente para a Procuradoria Disciplinar, “apesar de não ter como ofensores pessoas da universidade”, enfatizou Fanjul.
Percebido o “erro”, em 5 de junho a PG enviou à FFLCH um despacho com uma série de perguntas para “viabilizar a continuidade da análise de medidas judiciais que estejam ao alcance da universidade”.
A FFLCH respondeu ao despacho no dia 18 de junho, encaminhando também boletins de ocorrência por calúnia e agressão feitos por estudantes e vídeos que registravam as ameaças, “identificando ao menos três autores de crimes”.
“Cabe apontar que o caráter das perguntas da Procuradoria no despacho mostra que havia ciência da periculosidade e de que inclusive os agressores ameaçavam voltar armados”, prosseguiu.
Em 18 de agosto, dois dias depois do ataque ocorrido durante a Olimpíada de Xadrez, Fanjul se surpreendeu ao consultar o sistema SAJ para consultar o andamento do processo e constatar que não havia sido tomada nenhuma providência nos dois meses anteriores.
O professor conversou por telefone com um procurador e foi informado que, por se tratar de Procuradoria Disciplinar, não havia o que fazer porque “não se trata de pessoas da USP”.
Preocupada, comunidade não se resignará a ser palco para monetização oportunista, diz diretor
“Quer dizer, duas vezes houve o mesmo erro de distribuição interna e dois meses sem qualquer movimento em um processo cuja gravidade já tinha sido percebida em torno de fatos que não apenas eram noticiados em mídias da USP, mas também na grande mídia comercial e que eu trouxe a este Conselho na reunião de julho”, criticou Fanjul.
O diretor enviou então novo ofício à PG, no qual salientou, “como saliento agora, a necessidade de encaminhamento urgente”, disse o diretor a conselheiros e conselheiras.
“Na faculdade está todo mundo muito preocupado e ninguém acredita que não haja nada a fazer no plano da Justiça, e que tenhamos que tolerar que grupos de desocupados gravem imagens sem autorização, insultem estudantes, produzam constrangimento aos seguranças e pretendam ditar o que pode ou não pode haver nos nossos espaços”, afirmou no Co.
“A faculdade não vai se resignar a ser palco para monetização oportunista nem de treinamento para grupos que querem impor nas universidades o esvaziamento e a censura que nos Estados Unidos é imposta a partir do próprio governo que eles tanto admiram.”
Centros acadêmicos da FFLCH cobram medidas da Reitoria e da PG
Os centros acadêmicos da FFLCH se manifestaram depois das agressões da última sexta-feira. Em nota conjunta, endossada pelo DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, o CAHIS (História), o CAF (Filosofia), o Ceupes (Ciências Sociais), o CAELL (Letras) e o CEGE (Geografia) afirmam que “a imobilidade da Reitoria frente a esses ataques está ativamente colocando os estudantes em risco”.
“Nós exigimos um posicionamento da Reitoria da Universidade de São Paulo”, diz a nota, que convoca os(as) alunos(as) a se mobilizarem contra a violência. “Não iremos mais tolerar nenhum ataque aos nossos estudantes e aos nossos espaços, e tanto a Reitoria quanto a Procuradoria-Geral da USP serão cobrados por isso.”
Várias organizações e entidades do mundo acadêmico têm manifestado solidariedade à FFLCH e exigido ação da Reitoria da USP. Nesta segunda-feira (8 de setembro), o Fórum das Seis, que congrega as entidades sindicais e estudantis da USP, Unesp, Unicamp, e Centro Paula Souza, divulgou moção na qual registra que “ataques semelhantes, de cunho fascista e racista, vêm ocorrendo na Unesp e na Unicamp, sinalizando uma escalada de discursos de ódio e agressões contra as universidades públicas, que se apresentam como contraponto à ignorância e aos preconceitos que alimentam estes grupos”.
“A história recente do país compôs e estimulou um cenário de banalização da violência e da discriminação, induzindo fascistas enrustidos e racistas de todos os matizes a se exporem com mais tranquilidade”, diz o texto.
A Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade Federal do ABC (ADUFABC) divulgou nota na qual afirma que a prática de invasão da FFLCH é uma atitude “que demonstra o perfil intolerante e violento desses grupos” e “representa uma grave ameaça que já vem sendo corretamente endereçada pela direção da faculdade e que precisa, também, ser enfrentada pela universidade como um todo”.
“No momento em que o Brasil leva a julgamento a tentativa de golpe de 2022/2023, a sociedade precisa se unir na defesa da democracia em todas as suas expressões. A ADUFABC segue ao lado das demais associações docentes, em particular, neste caso, a Adusp, na defesa da democracia, da universidade pública e da liberdade acadêmica”, conclui a nota.
Em agosto, depois da agressão sofrida pelos(as) participantes da Olimpíada de Xadrez da FFLCH, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) divulgou nota para “denunciar essa prática violenta, que caracteriza a extrema-direita brasileira em sua atual etapa e clama pela resistência a tais atos, com a reação no limite da civilidade”.
“A escalada da violência no ambiente público e universitário, da provocação pueril a atos graves de violência, deve ser repudiada e respondida com firmeza política institucional coerente e consequente!”, defende a entidade.
A Associação Nacional de História (Anpuh) também repudiou as agressões ocorridas no dia 16 de agosto, qualificando o episódio, somado aos outros ataques, como “uma afronta direta à liberdade acadêmica, à convivência democrática e ao pleno funcionamento das atividades universitárias”. “É inaceitável que a violência política adentre o espaço acadêmico e ameace a segurança e a dignidade de estudantes, docentes e servidores/as”, afirma a manifestação da associação nacional e de sua seção de São Paulo.
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