Universidade
PRIP concorda em retirar exigência de contrapartidas da proposta de novo PAPFE; mesmo com tempo exíguo para debate, mudanças devem vigorar já em 2023
Durante audiência pública virtual em 30/11, a pró-reitora Ana Lúcia Duarte Lanna declarou que os recursos destinados à permanência estudantil no orçamento da USP devem aumentar de R$ 60 milhões em 2022 para R$ 144 milhões em 2023
A pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da USP, professora Ana Lúcia Duarte Lanna, comprometeu-se a retirar da proposta de mudança do Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE) a obrigatoriedade de que a(o)s estudantes selecionada(o)s prestem a contrapartida de “realizar atividade de apresentação da USP junto a escolas públicas do estado de São Paulo”.
A exigência constava da primeira versão da proposta, divulgada para debate em audiência pública realizada no dia 30/11.
“Na nossa perspectiva, [a ida às escolas públicas] era uma sinalização da dimensão do pertencimento. Entendo perfeitamente a objeção. Podemos pensar num programa separado, mas não faz sentido estar aqui. Isso será suprimido do documento”, afirmou Ana Lanna durante a audiência, após manifestações críticas de estudantes.
O documento-base estabelece outras contrapartidas. Para aluna(o)s de graduação, “estar regularmente matriculado, ter obtido aprovação por nota em, pelo menos, 20% dos créditos do semestre ideal e ter obtido aprovação por frequência em, pelo menos, 50% das disciplinas do semestre” e “integralizar os créditos mínimos nos dois primeiros semestres de vigência do auxílio” no caso de pós-graduanda(o)s, além da entrega de relatórios periódicos de atividades nos dois casos.
Em relação a esses itens, a pró-reitora ponderou que a ideia era “deixar claro que o aluno está realmente fazendo o curso”, mas a forma de estabelecer essa mensuração deverá ser repensada.
A exigência das contrapartidas foi um dos pontos mais criticados por muita(o)s da(o)s estudantes que se manifestaram na audiência. Algumas das falas chegaram a caracterizar a proposta como “exploração de mão de obra barata para a universidade”.
Prevista para ocorrer em formato híbrido no auditório do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), a audiência acabou realizada integralmente de forma remota devido ao aumento do número de casos de Covid-19, alegou a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).
A mudança de última hora foi muito criticada pela(o)s participantes da reunião, que reivindicaram novas audiências presenciais.
Uma nova versão do documento, incorporando alterações a partir das sugestões da audiência pública, será discutida na reunião do Conselho de Inclusão e Pertencimento (CoIP) agendada para esta quinta-feira (8/12). A pró-reitora defende a aprovação das mudanças no CoIP para implementação do novo PAPFE já em 2023.
Pró-reitora defende necessidade de indicadores mais precisos
Ao longo da audiência, Ana Lanna ressaltou várias vezes que o auxílio-permanência a ser adotado em 2023 “é um modelo em processo”. “Vamos implementar, continuar o processo de discussão e reflexão e avaliar. Não estamos desenhando um modelo que ficará estanque por anos, mas sim desenhando um modelo de permanência estudantil na perspectiva de um processo”, disse.
A principal mudança na nova proposta do PAPFE é a unificação dos distintos benefícios existentes na atualidade num só auxílio-permanência de R$ 800 a ser pago nos doze meses do ano – o que não ocorre hoje – durante todo o período de formação, com extensão de no máximo 12 meses além do chamado “período ideal” de conclusão do curso.
Também está prevista a gratuidade da alimentação nos restaurantes universitários próprios ou conveniados. Outra novidade é a inclusão de pós-graduanda(o)s no programa.
Quem tem vaga nas moradias estudantis passa a receber um auxílio-permanência de R$ 300, o que atende “a uma reivindicação muito antiga que é os moradores terem recursos para fazer alguma compra de supermercado, comprar livros, ir numa festa”, disse a pró-reitora.
A PRIP também quer acabar com problemas que vêm ocorrendo no calendário de pagamentos nos últimos anos. Ingressantes na USP farão a matrícula, se inscreverão no PAPFE e passarão a receber o auxílio a partir do dia 20/3. A bolsa só será cancelada se as assistentes sociais não conseguirem comprovar a veracidade da documentação apresentada.
A(o)s veterana(o)s já contemplada(o)s com algum auxílio deverão manifestar o interesse em continuar no programa e imediatamente passarão a receber o novo valor. Não haverá necessidade de renovar o cadastro para continuidade do recebimento da bolsa a cada 24 meses, como ocorre atualmente.
De acordo com a pró-reitora, a estimativa é de concessão de 15 mil bolsas, número muito próximo ao de aluna(o)s beneficiados no momento. Hoje, o maior valor pago individualmente é o auxílio-moradia (R$ 500). Atualmente, apenas 48 aluna(o)s recebem vários auxílios que, somados, chegam a R$ 800, disse Ana Lanna.
Os recursos destinados à permanência no orçamento da USP devem aumentar de R$ 60 milhões em 2022 para R$ 144 milhões no ano que vem, garantiu.
A pró-reitora disse ainda que é necessário construir indicadores mais precisos para avaliar o impacto dos auxílios e das políticas de permanência na USP.
Outro problema, apontou, é que a maior parte dos benefícios existentes hoje sequer está regulamentada por portarias, o que os torna frágeis. “Estamos fazendo um esforço de legalização e ordenação deles”, disse.
Dificuldades da pandemia não são consideradas no “período ideal” de conclusão do curso
A limitação da concessão do auxílio-permanência por somente 12 meses depois do “período ideal” de conclusão do curso de graduação foi um dos pontos mais criticados por estudantes e mesmo docentes que participaram da audiência pública.
A(o)s aluna(o)s chamaram a atenção para o fato de que as pessoas em condição de maior vulnerabilidade socioeconômica são as que enfrentam mais dificuldade para concluir o curso.
“Foram dois anos horríveis de pandemia e o documento não cita isso. Fala-se de tempo ideal sem se considerar a pandemia”, lembrou o estudante Diego Gonçalves, morador do Conjunto Residencial da USP (Crusp).
Docente da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), na qual preside a Comissão de Direitos Humanos, Maíra Martins da Silva disse na audiência que “essa história de período ideal não funciona, principalmente para quem é mais vulnerável”.
“A gente não pode limitar. Isso seria um jubilamento precipitado”, considera a professora Maíra. Na sua avaliação, uma alternativa poderia ser estender a concessão do auxílio-permanência para o mesmo prazo do jubilamento, ou seja, metade do “período ideal” de conclusão do curso.
Davi Barbosa, integrante da Diretoria do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, ressaltou que, com a inflação em alta e o custo de vida nas cidades paulistas, o valor de R$ 800 não representa um reajuste real no auxílio.
O estudante lembrou que, a partir da política de cotas, instituída há apenas cinco anos, a USP passou a receber um novo perfil de aluna(o)s da escola pública, negros e indígenas, para os quais a universidade não foi pensada, já que seu alvo historicamente foi a formação da elite paulista.
“Quando a universidade não consegue ter uma política mais avançada de permanência, acaba deixando para trás essas pessoas que passaram anos sem poder entrar na USP”, e, portanto, seriam duplamente castigadas, “por não poderem concluir seus cursos”, disse.
O estudante defendeu também que a PRIP tenha um orçamento maior. “Não adianta a gente começar a instituir bolsas privadas, isso seria um retrocesso”, afirmou.
Nabi Oliveira dos Santos, aluno da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), ressaltou que “tratar de permanência é muito mais do que tratar de alguns auxílios”. “Precisamos discutir a permanência para além do PAPFE, olhando a política de forma sistemática”, disse. Santos defendeu a necessidade de realização de um ciclo de audiências “para discutir vários outros braços da política de permanência”.
O aluno lembrou que há desigualdades entre as unidades e afirmou que a PRIP precisa criar um edital para que as unidades inscrevam projetos para financiar demandas específicas. É preciso pensar ainda no caso da(o)s estudantes que trabalham e não conseguem utilizar os bandejões nos horários de funcionamento, além da inclusão de um mecanismo de reajuste periódico das bolsas, considera.
A estudante Vanda Araújo defendeu que a Adusp também seja chamada para participar da discussão sobre as mudanças no PAPFE. A entidade pode falar “em nome de professores progressistas que compreendem as nossas demandas”, apontou.
PRIP se compromete a seguir debatendo alterações
Vária(o)s participantes expuseram a desigualdade nas condições de estudo e permanência entre aluna(o)s da USP, expressa por exemplo em situações cotidianas como o fato de que há aquela(e)s que ganham um carro apenas por passar no vestibular ou que são levados à universidade de carro pelo pai ou pela mãe, enquanto outra(o)s passam horas no transporte público para chegar às aulas.
Também foram levantadas muitas questões sobre a precariedade da infraestrutura na moradia estudantil, especialmente no Crusp, como os recorrentes problemas com lavanderias, energia elétrica, água e Internet, além da não concessão do benefício da meia passagem a quem vive na moradia.
Participantes também criticaram a PRIP pelo tempo exíguo para discutir o documento e defenderam que as mudanças no PAPFE não ocorram já em 2023, mas que sejam debatidas ao longo do ano para implementação em 2024.
A pró-reitora discordou da ideia. Na sua avaliação, isso significaria fazer com que uma parte da(o)s aluna(o)s receba menos do que poderia receber já no ano que vem.
“Nosso esforço é para garantir para os veteranos e para os ingressantes um aumento substantivo no valor que recebem. Minha proposta é a gente implementar o auxílio único, discutimos, ouvimos e fazemos as adequações possíveis, com o compromisso de fazer uma discussão em 2023 para qualificar os princípios do documento”, afirmou.
Várias entidades e coletivos estudantis enviaram considerações por escrito sobre o documento-base.
A pró-reitora afirmou que todas as manifestações serão consideradas e, ao final da audiência, ressaltou novamente que “o processo de discussão e reflexão não se encerra aqui”.
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