Universidade
Processo disciplinar infundado instaurado por Paulo Margarido contra Barbara Della Torre terminou com absolvição e elogios da Comissão Processante à sindicalista
Agora que a Reitoria busca criminalizar cinco estudantes por razões políticas, apenas por haverem denunciado as atrocidades praticadas pelo governo de Israel em Gaza, vale a pena rever o rotundo fracasso da mais recente perseguição institucional desfechada na USP: o PAD contra a funcionária e sindicalista “Babi”, engendrado na gestão Agopyan-Hernandes pelo então superintendente do Hospital Universitário. Após extensa investigação (2021-2023), a Comissão Processante chegou à conclusão de que as acusações eram improcedentes e o processo imotivado
“A imputação feita à sra. Barbara Della Torre não restou comprovada nos autos, razão pela qual é de rigor o reconhecimento da improcedência da pretensão punitiva da Universidade de São Paulo, como se demonstrará”. Ainda, “causa estranheza o fato de ter sido instaurado processo contra servidora detentora de estabilidade sindical, nos termos do §3º do artigo 543 da CLT […] sua dispensa só poderia ser feita por intermédio de inquérito judicial, de acordo com o disposto no artigo 853 da CLT”.
Essas frases concisas, porém contundentes, constam do relatório final da Comissão Processante incumbida de conduzir Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra Babi, instaurado em agosto de 2021 pelo então superintendente do Hospital Universitário (HU), Paulo Francisco Ramos Margarido, que a acusou de “mau procedimento, indisciplina, insubordinação, ato lesivo da honra e da boa fama contra o empregador e superiores hierárquicos”, com possibilidade de “dispensa por justa causa”.
Embora a decisão da Comissão Processante date de abril de 2023, somente em agosto o PAD foi encerrado, depois que a Procuradoria Geral (PG-USP) deu seu aval às conclusões do relatório final. Ficou amplamente caracterizada, assim, a motivação política do PAD movido contra Barbara. O que não surpreende, uma vez que a gestão de Paulo Margarido na Superintendência do HU foi marcada por atos de perseguição às pessoas que se opuseram a seus desmandos, entre elas a professora Primavera Borelli, ex-diretora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF).
Funcionária lotada no Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) do HU, conselheira de base do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e representante eleita dos(as) funcionários(as) técnico-administrativos(as) no Conselho Universitário (Co), Bárbara destacou-se na luta por melhores condições de trabalho no HU durante a pandemia de Covid-19. Nas reuniões do Co, sempre fez pronunciamentos contundentes, nos quais criticava de modo fundamentado as políticas e medidas neoliberais da Reitoria e, em particular, a desastrosa gestão do Hospital Universitário.
“Barbara, assim como milhares de mulheres trabalhadoras da saúde, esteve na linha de frente durante toda a pandemia para atender à população, que sofre com mais de 575 mil mortes em nosso país”, diz um manifesto contrário à eventual demissão da sindicalista, divulgado em 2021 pelo Fórum das Seis e assinado por centenas de entidades, parlamentares de diversos partidos políticos e docentes universitários(as).
“A USP a ameaça de demissão por ter sido parte de uma ampla campanha, levada adiante por dezenas de entidades como o Sintusp, a Adusp, o Simesp [Sindicato dos Médicos], o Coletivo Butantã na Luta de moradores da região, e entidades estudantis, em defesa de condições seguras de trabalho para todas as trabalhadoras e trabalhadores do hospital, para que pudessem, nas condições adversas da pandemia, atender à população e defender a vida”.
Ainda segundo o manifesto, entre as supostas “provas” levantadas contra a servidora figuravam “declarações em defesa da garantia de EPIs [equipamentos de proteção individual] para os trabalhadores do hospital — como as máscaras, que não eram fornecidas para todos durante os primeiros meses da pandemia —, [bem como] pela liberação dos trabalhadores pertencentes a grupos de risco, como mulheres grávidas, e sua reposição com a contratação emergencial de mais trabalhadores, para permitir a volta do pleno funcionamento do HU e garantir o atendimento da população”.
“Barbara agiu dentro dos limites da atividade sindical”, diz relatório da CP
No relatório final, a Comissão Processante deixou clara a inconsistência das acusações formuladas por Paulo Margarido. “De acordo com a prova produzida nos autos verifica-se que não há atos típicos que possam caracterizar as condutas da processada como infração disciplinar, visto que a sra. Barbara agiu dentro dos limites da atividade sindical, em defesa dos interesses dos servidores do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo”, diz o documento à p. 7 (p. 483 do processo).
“Em síntese, a servidora teria praticado condutas que caracterizariam ‘mau procedimento, indisciplina, insubordinação e ato lesivo à honra e boa fama do empregador’, mas não se verifica em seu comportamento qualquer violação funcional que pudesse dar guarida aos [atos] tipificados e fundamentar sua dispensa por justa causa”, esclarece o relatório final, que passa então a justificar essa afirmação, ponto por ponto.
Principia pela acusação de mau procedimento (alínea “b” do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT), “que se caracteriza pela conduta moral e contrária aos bons costumes [e] não pode ser acolhida, já que não se vislumbra no seu comportamento qualquer ato que pudesse ensejar esse enquadramento legal, portanto deve ser afastada essa acusação, inclusive porque a prova dos autos é totalmente favorável à processada”.
Quanto à acusação de “indisciplina ou insubordinação” (alínea “h” do artigo 482 da CLT), “também não pode ser acolhida”, pois “indisciplina, que seria o descumprimento de normas e regras internas da USP, não foi constatada em sua conduta”, e “menos ainda” a insubordinação, uma vez que “não foi demonstrado o desrespeito a ordem direta de sua chefia ou superior hierárquico, pelo contrário, sua chefia atesta que se trata de servidora exemplar”.
Também não procede, diz a Comissão Processante, a imputação a Barbara de “ato lesivo da honra ou da boa fama” do empregador e de superiores hierárquicos (alínea “k” do artigo 482 da CLT), uma vez que a servidora “sempre utilizou termos comuns à atividade sindical, fazendo uso de uma linguagem genérica e na maioria das vezes se dirigia à Administração”, tanto do HU como da USP, “excetuando-se o termo ‘criminoso’ dirigido à postura do então reitor Vahan, mas sem indicar especificamente o crime que ele teria cometido”, razão pela qual considera “irrelevante” a expressão usada por Babi.
Ainda sobre este ponto, adverte o relatório final, “em tempos [em] que presenciamos censuras inexplicáveis à liberdade de expressão em contexto nacional, seria incongruente a própria Universidade, que sofrera esse tipo de restrição no passado, e como formadora e produtora de conhecimento, pautada pela mais ampla liberdade, impor limites à linguagem utilizada no meio sindical”.
A Comissão Processante vai ainda mais longe na análise: “A prova testemunhal produzida nos autos demonstra que o comportamento aparentemente inadequado na reivindicação de direitos dos trabalhadores da USP estava influenciado por uma carga emocional própria daqueles que agem em defesa de direitos de outrem, o que, por si só, deve ser levado em consideração”. Salientou, ainda, a tensão e apreensão provocadas pela pandemia no ambiente hospitalar (p. 8, ou 483 do processo).
Autora da denúncia, supervisora admitiu sobre PAD: “Não previa tal situação”
A seguir o relatório final traz vários depoimentos favoráveis a Barbara. Em fevereiro de 2021, por exemplo, a assessoria da Superintendência do HU solicitou ao SAME a cessão de funcionários que pudessem colaborar com o registro da vacinação de Covid-19 realizada no hospital. “Prontamente a sra. Barbara se disponibilizou e colaborou nas duas etapas de vacinação durante dois meses aproximadamente, chegando a dobrar o turno em alguns momentos, dentro da carga horária permitida”, depôs a supervisora do SAME, Rita Moreira Carvalho, citada no processo como denunciante.
A supervisora do SAME “informou que após relato verbal dos acontecimentos [incidente relacionado ao horário da servidora acusada] ao sr. Paulo Margarido, ele solicitou o encaminhamento desse relato por escrito”; “respondeu a depoente que não previa tal situação”; “considera a Sra. Barbara boa funcionária do ponto de vista técnico, com iniciativa; perguntada, declarou que não quer a demissão […] apesar de pensar que há a necessidade de mudança de postura no que compreende seu horário de trabalho no HU”.
A chefe imediata de Barbara, por sua vez, asseverou que ela “é uma boa funcionária, assídua, atende prontamente suas ordens, bem quista pelos colegas de trabalho”, acrescentando que “não considera justa a sua demissão”. Uma colega do SAME afirmou que, por sua condição de sindicalista, “sempre estava à frente das informações, atualizando os demais colegas do setor acerca das medidas que estavam sendo tomadas”, “era uma pessoa a quem os colegas podiam se reportar”. Rosana Alves Vieira, chefe técnica do Departamento Administrativo do SAME, registrou que Barbara “sempre foi tecnicamente muito boa, inteligente e atingia os requisitos do trabalho”.
Outros depoimentos colhidos pela Comissão Processante fazem referência a problemas no fornecimento de EPIs às equipes do HU, que levavam Barbara, como sindicalista, a cobrar soluções da Superintendência, em defesa das(os) companheiras(os) de trabalho. Mencionaram, ao mesmo tempo, a participação conjunta de diversas entidades nos protestos e mobilizações por condições de trabalho melhores e mais seguras.
“À época duas questões ficaram mais presentes: uma era a dificuldade nos EPls (máscaras N95 e cirúrgicas, álcool em gel, botas, aventais e luvas descartáveis) e a outra foi a resistência da Superintendência em assumir a política de afastamento dos servidores do grupo de risco, desorganizando o andamento do hospital e do próprio serviço”, disse em seu depoimento a professora Primavera Borelli. “Quanto à primeira havia uma alegação da Superintendência do HU de que o material não era suficiente e precisava ser racionalizado” (p. 12, 485 do processo).
Gerson Sobrinho Salvador de Oliveira, médico infectologista do HU e à época diretor do Simesp, declarou que, “por falta de transparência e de diálogo da Superintendência com os servidores, diversas entidades fizeram manifestações públicas requerendo a abertura de diálogo e providências urgentes em relação à segurança dos profissionais de saúde e enfrentamento à pandemia”, citando a participação do Sintusp, Adusp, Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre), Simesp, além de parlamentares e lideranças populares.
Antes mesmo da manifestação da PG-USP, que convalidou o relatório final do PAD, o atual superintendente do Hospital Universitário, José Pinhata Otoch, aceitou a conclusão da Comissão Processante, constituída pela médica Clara Marisa Zorigian (presidente), pela enfermeira Helen Cristina Pedrino e pelo médico Eduardo Lerner.
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