A Portaria PRG 004, emitida em 30 de novembro de 2023 pelo pró-reitor adjunto Marcos Garcia Neira, no exercício da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), instaurou processo administrativo disciplinar (PAD) contra cinco estudantes acusados de “apologia ao ódio”, três dos quais são alunos do Curso de Ciências Moleculares (vinculado à PRG), e outros dois participam do grupo denominado “Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino” (ESPP).

De acordo com a portaria, caso as condutas investigadas sejam “apuradas verdadeiras”, os estudantes estarão sujeitos a penas de suspensão ou até mesmo de expulsão da universidade, com base no Regimento Disciplinar da universidade, conforme legislação remanescente da Ditadura Militar (decreto-lei 52.906/1972).

A representação contra os estudantes que deu origem ao PAD teria sido encaminhada por uma docente que integra a Comissão de Graduação (CG) do Curso de Ciências Moleculares. A CG é presidida pelo pró-reitor de Graduação, Aluisio Augusto Cotrim Segurado. Um indicativo de motivação política da Reitoria é que não houve sindicância antes do PAD.

O Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre “Alexandre Vanucchi Leme”) vem denunciando o episódio de perseguição, que atribui a “uma fala [realizada] em assembleia durante a greve do curso de Ciências Moleculares”, em 2023, que ensejou acusações de “antissemitismo” aos participantes do ESPP. Depois disso, a professora endereçou carta à coordenação do curso, pedindo a expulsão de estudantes. Porém, das sete acusações elencadas na carta, apenas duas se referem ao suposto “antissemitismo”, e as demais remetem à organização da greve de 2023 ou a outras questões.

“Trata-se, na realidade, de uma perseguição política advinda da prática de silenciamento sionista que também se coloca contra o direito de greve dos estudantes. Este é mais um ataque à liberdade política dos estudantes, que, no caso dos estudantes de Ciências Moleculares, já foram sancionados de forma autoritária pela USP por manifestar-se dentro do Inova em 2023”, diz o DCE-Livre, que aponta vínculos entre a universidade e suas congêneres israelenses, inclusive “espaço físico dedicado a Israel” na Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani).

Além do convênio com o Consulado Geral de Israel em torno do “Israel Corner” montado no Centro Intercultural Internacional (CII) da agência, a Aucani tem seis convênios com instituições israelenses: um com a Universidade de Haifa, dois com a Universidade Ariel e três com a Universidade Hebraica.

“Os dois últimos reitores, em momentos diferentes, já declararam que Israel é um parceiro estratégico da USP e buscaram formar mais vínculos, mesmo sabendo que várias das universidades com as quais a USP já fez parceria estão envolvidas ativamente na ocupação do território palestino e no genocídio”, disse ao Informativo Adusp Online uma fonte familiarizada com o conflito no curso de Ciências Moleculares e que prefere não ser identificada.

“A Universidade de Tel Aviv, por exemplo, através do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, trabalha em tecnologia militar posteriormente aplicada nas ocupações, e a Universidade Hebraica adquire ilegalmente porções de terra em Jerusalém, contrariamente às resoluções da ONU, que tornam ilegal a anexação de Jerusalém”, acrescenta ela. “Não é por acaso que em pelo menos dois documentos da acusação surge o argumento de que os alunos em questão devem ser expulsos para ‘não prejudicar convênios com universidades israelenses’”.

As primeiras oitivas do PAD foram realizadas em 28/2. A Comissão Processante nomeada por Neira é constituída por Gustavo Ferraz de Campos Monaco, professor da Faculdade de Direito (FD) e ex-procurador-geral da USP (gestão J.G. Rodas), que a presidirá; José Ricardo de Carvalho Mesquita Aires, professor da Faculdade de Medicina (FM) e ex-pró-reitor adjunto de Cultura e Extensão Universitária (gestão M.A. Zago); e Ianni Régia Scarcelli, professora do Instituto de Psicologia (IP).

“Esperamos que os estudantes não sejam punidos, menos ainda com base em legislação ditatorial que deveria ter sido revogada há muito tempo. No ano em que se completam 60 anos do golpe militar, esperamos que finalmente esse regimento caia!”, declarou ao Informativo Adusp Online a professora Michele Schultz, presidenta da Adusp. “Seria uma forma de apontar para alguma reparação. O uso desse instrumento, ao contrário, reafirmaria uma política persecutória. As e os estudantes estavam simplesmente exercendo sua liberdade de manifestação e expressão”, completou ela.

EXPRESSO ADUSP


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