Universidade
Ameaçada de perder status de “filantrópica” depois que a Receita identificou remuneração ilegal de dirigentes, Fundação Faculdade de Medicina inclui ministro do STF em conselho; “é delito ético”, aponta jurista
“André Mendonça passa a integrar Conselho Consultivo da Fundação Faculdade de Medicina da USP”. A notícia, quase um press-release, foi divulgada nesta quinta-feira, 28 de agosto, pela coluna Mônica Bérgamo, do jornal Folha de S. Paulo. Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Mendonça recebeu representantes da entidade privada que estiveram com ele na véspera no próprio STF, segundo o jornal.
“O convite foi feito pela professora Eloisa Bonfá, diretora da Faculdade de Medicina da USP, e pelo diretor-presidente da FMM, Arnaldo Hossepian Junior, durante visita ao STF na quarta-feira (27). O diretor de gestão da Fundação, o advogado Felipe Neme, também estava presente”, relatou a Folha. “No Instagram, o ministro afirmou que aceitou a posição e que o trabalho no conselho é ‘uma responsabilidade enorme, mas também uma oportunidade única de contribuir para transformar vidas’”.
A FFM é uma fundação privada dita “de apoio”, credenciada ainda como “entidade filantrópica” e também como “organização social de saúde”. Além de controlar há décadas o Hospital das Clínicas de São Paulo (que desde 2011 deixou de pertencer à USP, tornando-se autarquia estadual), a FFM mantém bilionários contratos de gestão com o governo estadual. Ela é dirigida por professores(as) titulares da Faculdade de Medicina (FM-USP).
No último mês de junho, noticiou-se que uma investigação da Receita Federal constatou ilegalidades no funcionamento interno da FFM, que consistem na remuneração ilegal de dirigentes e ex-dirigentes da entidade, entre os quais Eloísa Bonfá, que além de diretora da Faculdade de Medicina é presidente do Conselho Curador da FFM; Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, ex-diretor da Faculdade e atual vice-presidente da FFM; e Flávio Fava de Moraes, ex-reitor da USP.
Como a lei proíbe a remuneração de dirigentes de fundações privadas e de entidades filantrópicas, os pagamentos se davam de forma “oblíqua e dissimulada”, segundo a Receita, por intermédio de contratos de prestação de serviços entre a FFM e seus próprios dirigentes. No entender da Receita Federal, ao distribuir patrimônio a dirigentes valendo-se de contratos simulados, a FFM descumpriu os requisitos para manter a imunidade tributária de que gozam as entidades beneficentes — e que lhe permitiu deixar de recolher aos cofres públicos, anualmente, mais de R$ 300 milhões em impostos.
“O fato de os membros da cúpula diretiva decidirem sobre contratos com suas próprias empresas sem procedimento competitivo já viola a moralidade, probidade, impessoalidade, em nítido conflito de interesses”, assinala a Receita Federal no documento que conclui pela retirada da isenção até então concedida à FFM, que recorreu ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão do Ministério da Fazenda. O CARF ainda não julgou o caso.
Assim, a inclusão de um ministro do STF num dos colegiados da fundação privada se dá em meio a esta e outras acusações à FFM, que também montou um lucrativo negócio de cursos pagos. Vale recordar que esta escola, hoje denominada “HCX” ou “HC Experience”, anunciou em dezembro de 2023 a realização de cursos pagos sobre saúde, do tipo MBA, que teriam entre seus “professores”, coincidentemente, os ministros do STF André Mendonça e Ricardo Lewandowski — este aposentado e hoje ministro da Justiça.
O ingresso de Mendonça no Conselho Consultivo da fundação privada implica potencial conflito de interesses, adverte um jurista consultado pelo Informativo Adusp Online e cujo nome será preservado. “Mesmo que a FFM não tivesse nenhuma questão na justiça, seria inapropriado e violação da ética judicial assumir cargo assim. Pois qualquer entidade jurídica pode vir a ter casos judiciais”, disse. “Nesse caso, é mais escandaloso. A entidade tem interesses muito concretos na justiça. Não é só que inexiste inocência e boa fé da entidade no caso. É também um delito ético do ministro”.
A aproximação entre a FFM e Mendonça envolve ainda um aspecto político que não é trivial. Mendonça foi advogado-geral da União e ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PL), e depois nomeado por ele para o posto no STF. Bolsonaro o definiu, à época, como “terrivelmente evangélico”. O ministro é tido como pessoa de confiança da extrema-direita bolsonarista.
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