A 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, de Campinas) decidiu por unanimidade, no último dia 23 de março, rejeitar o recurso da USP contra sentença emitida pela 2ª Vara do Trabalho de Bauru, que em maio de 2024 condenou a universidade à obrigação “de não promover a transferência” do funcionário Ricardo Pimentel Nogueira, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), para unidade localizada em outra cidade, “sob pena de multa diária de R$ 1.000, devendo a parte reclamada manter a parte autora trabalhando em uma de suas unidades no município de Bauru-SP”.

Técnico de documentação e informação, Ricardo foi um entre cerca de 520 funcionários(as) do HRAC compelidos(as) pela Reitoria da USP, mediante a adesão individual a um “Termo de Anuência”, a trabalhar, a partir de fevereiro de 2023, sob as ordens da Faepa, ou Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, “organização social de saúde” contratada pelo governo estadual por R$ 309 milhões, sem licitação, para gerir o Hospital das Clínicas de Bauru (HCB) por cinco anos.

A cessão gratuita do corpo funcional do HRAC à Faepa deu-se sob “pressão gigantesca e verdadeiro assédio moral” por parte da Reitoria — como Alceu Carreira, advogado de Ricardo, descreve na ação judicial agora vitoriosa também no TRT-15 — e o “Termo de Anuência” determinava a cada signatário(a) acatar ordens dos gestores privados a serviço da Faepa.

A migração compulsória da força de trabalho foi precedida de um “acordo de cooperação” firmado entre a USP e a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo em fins de 2021, que transferia para o HCB as atribuições de assistência à saúde até então prestadas pelo HRAC. Embora o contrato entre governo estadual e Faepa para gestão do HCB sequer cite o HRAC, a verdade é que a Reitoria desmantelou esse hospital e o entregou, com seus mais de 500 funcionários(as) altamente qualificados(as), àquela fundação privada dita “de apoio”.

Ainda que inicialmente tenha assinado o “Termo de Anuência”, num segundo momento Ricardo desistiu da adesão, pedindo então para ser realocado em alguma unidade da universidade em Bauru, mas a USP alegou inexistência de vagas naquele câmpus — e lhe informou que ele teria de escolher unidades situadas em outros municípios. O trabalhador decidiu, então, ajuizar uma ação contra a USP na qual pleiteou continuar exercendo seus deveres funcionais naquele município.

Algumas outras pessoas que trabalhavam no HRAC e negaram-se a receber ordens da Faepa recorreram igualmente à Justiça do Trabalho quando a universidade lhes deu a mesma resposta dada a Ricardo. E, da mesma forma que ele, tiveram reconhecido seu direito de servir à USP e não a uma fundação privada. No entanto, preferem não ter seus nomes divulgados.

No julgamento do recurso da USP pela 11ª Câmara do TRT-15, o relator, desembargador Antonio Francisco Montanagna, rejeitou a preliminar levantada pela universidade quanto à alegada incompetência do tribunal naquele processo, por entender “que é da competência desta Justiça do Trabalho o conhecimento do pedido de vedação de transferência, mesmo em se tratando de empregador cuja natureza é a de ente público”.

No mérito, Montanagna endossa o entendimento expresso pelo juiz substituto Edson da Silva Júnior, da 2ª Vara do Trabalho de Bauru, de que “a transferência do reclamante para outro município [que não Bauru] se caracterizaria como alteração contratual lesiva”, uma vez que “as condições impostas pelo empregador [USP] não deixam alternativa de escolha razoável ao autor [Ricardo]” (destaques nossos).

Ademais, acrescenta, “fica nítido o prejuízo ao empregado, que teria sua estrutura familiar abalada, dado que a família do reclamante se encontra estabelecida na cidade de Bauru”, uma vez que a esposa é servidora pública municipal naquela cidade e a filha é estudante do câmpus local da Unesp.

Assim, conclui o relator, ocorreu “violação do artigo 468 da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], em caso de transferência que implique em mudança de município, devendo ser mantida a decisão que determinou a obrigação de não fazer por parte do réu [a USP]” (destaques nossos). O voto de Montanagna foi acompanhado pelo desembargador Luiz Felipe Paim da Luz Bruno Lobo e pela juíza Laura Bittencourt Ferreira Rodrigues.

“Trata-se de uma decisão que reforça a idéia de que nenhum empregador, seja orgão público ou privado, pode transferir ou sequer ameaçar de transferência o empregado para município diferente daquele onde foi contratado e presta serviços, principalmente quando o empregado constitui família e se estabelece socialmente em razão do local onde trabalha”, comenta o advogado Alceu Carreira, a pedido do Informativo Adusp Online.

“A Constituição Federal preserva a garantia da unidade familiar e foi esse o entendimento aplicado no caso do Ricardo. Se não bastasse, o empregador é probido de alterar o contrato para prejudicar o empregado, conforme estabelece a CLT, o que também foi o entendimento dessa decisão do TRT-15, que ratificou a decisão de primeira instância”.

EXPRESSO ADUSP


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