Universidade
Conselho Universitário concede título de professor emérito a Vahan Agopyan, reitor que impôs o modo “a USP não para” durante a pandemia; Sergio Ferro, preso pela Ditadura, será “doutor honoris causa”
A representação discente foi a única voz a se manifestar contra a concessão do título de Professor Emérito ao ex-reitor Vahan Agopyan, proposta pela Congregação da Escola Politécnica na primeira reunião do Conselho Universitário (Co) da USP em 2025, realizada no dia 18 de março.
Julio Cesar Pereira de Almeida, representante discente (RD) e membro da direção do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, lembrou que Agopyan deixou “como uma de suas heranças a instalação de uma base policial no câmpus da Cidade Universitária, o que para muitos pode parecer pouca coisa, mas para a juventude negra diz muito respeito ao que deve ser ou não parte de nossas vidas”.
O estudante ressaltou ainda que o ex-reitor, na condição de secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, integra o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felicio Ramuth (PSD), o qual, “no começo do seu mandato, instalou um estado policial na Baixada Santista que assassinou dezenas de jovens negros da periferia”.
“Vou ter muita tranquilidade de dizer que nós, RDs, não colocamos a mão na aprovação de um título de alguém que compõe uma gestão do governo estadual que tenta atacar todos os dias a educação do nosso Estado. Um governo que dá sinalizações de falta de democracia todos os dias, um governador que meteu a porrada em manifestações democráticas que denunciavam a privatização da Sabesp na Assembleia Legislativa”, prosseguiu Julio Cesar.
Na avaliação do estudante, seria “hipócrita entregar um título como esse para um secretário de um governador que representa tudo o que há de pior em nosso Estado e em nosso país”, ao mesmo tempo em que a USP “tem feito tantas celebrações e sinalizações em defesa da democracia, contra o autoritarismo e contra essa herança fascista que ainda existe no nosso país”.
As várias intervenções que se seguiram trataram de relevar os pontos levantados pelo representante discente e não pouparam elogios ao ex-reitor, colhendo aplausos da maioria dos(as) conselheiros(as). Seu teor geral pode ser resumido na fala do reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., pró-reitor de Pós-Graduação nas gestões de M.A.Zago e de Agopyan: “[Agopyan é] uma pessoa que sempre defendeu a USP e sempre teve uma postura muito correta na USP. Acho que é um orgulho para a USP ter uma pessoa como o professor Vahan dentro dos seus quadros. As diferenças políticas, principalmente político-partidárias, nós resolvemos fora da universidade através do nosso voto, através das nossas manifestações, mas a postura do professor Vahan em relação à universidade é irreparável. É uma postura bastante adequada e sempre tive muito orgulho de trabalhar com o professor Vahan”.
Desmonte, arrocho e precarização
Ao justificar a proposta de concessão do título, o diretor da Poli, Reinaldo Giudici, salientou que Agopyan foi vice-reitor na gestão de M.A. Zago (2014-2018) antes de chegar ao cargo máximo da Administração da USP (2018-2022). “Foram aqueles oito anos bastante difíceis, em que a universidade teve que apertar os cintos, fazer toda uma adequação de gastos. Um período bastante difícil, mas que levou a universidade ao ponto [em] que ela está hoje, com equilíbrio financeiro, sem atraso de salário, sem consequências de maior porte para a vida da universidade”, disse.
Giudici enfatizou ainda que na gestão V. Agopyan-A.C. Hernandes a USP sofreu grandes ataques, como a instalação de uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para investigar o financiamento das três universidades estaduais paulistas. “Na ocasião, todos foram mobilizados para defender a universidade e mostrar a sua importância, e essa condução do professor Vahan deve ser destacada.”
De fato, a CPI das Universidades representou (mais) um ataque contra essas instituições, a ciência e a educação no contexto dos governos João Doria (PSDB) no Estado e Jair Bolsonaro (PL) em âmbito federal, fazendo com que diversos setores se mobilizassem para defendê-las, ainda que com métodos e abordagens distintas.
No entanto, em relação aos demais pontos, revestidos de uma roupagem positiva no discurso do diretor da Poli, a atuação de Vahan como vice-reitor e depois reitor foi, na verdade, profundamente deletéria para a universidade.
Basta lembrar que a gestão M.A. Zago-V. Agopyan deu início ao desmonte de equipamentos como o Hospital Universitário (HU), fechou de forma injustificada a Creche Oeste e “desvinculou” da USP o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) de Bauru.
Já reitor, Agopyan nada fez para reverter esses processos; pelo contrário, aprofundou-os. No HU, por exemplo, não utilizou as verbas oriundas de emendas parlamentares, obtidas graças ao empenho do movimento popular, para a contratação de pessoal e reposição da perda de centenas de profissionais decorrente das duas edições do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), em 2015 e 2016. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) chegou a cogitar a abertura de uma ação por improbidade administrativa contra Agopyan pela destinação desses valores para outras finalidades.
Outra medida atribuída à “crise econômico-financeira” da USP foi o congelamento das contratações de servidores(as) técnico-administrativos(as) e docentes, iniciado por Zago e mantido por Agopyan. Essa medida acarretou precarização das condições de trabalho e sobrecarga para todos(as) os(as) servidores(as) da USP.
Levantamentos da Adusp demonstraram que, em 2023, o corpo docente da universidade havia encolhido 17,5% em relação a 2014 e que, mesmo com o reinício das contratações, na gestão Carlotti Jr.-Nascimento Arruda, o déficit total de professores(as) efetivos(as) na USP chegava a 928. Esse quadro não caracteriza “consequências de grande porte para a vida da universidade”, ao contrário do que apregoou Giudici?
A “crise econômico-financeira” também foi pretexto para o arrocho salarial das categorias, permitindo que ao longo dos anos a USP chegasse a acumular reservas que, no final de 2023, somavam quase R$ 7 bilhões.
Como lembrou o RD na reunião do Co, Agopyan autorizou a instalação de bases da Polícia Militar nos campi do Butantã e de Ribeirão Preto. Em sua gestão, houve episódios de ação violenta da PM contra estudantes, como no protesto de moradores(as) do Conjunto Residencial da USP (Crusp) contra a realização da São Paulo Boat Show (SPBS) na Cidade Universitária. A PM utilizou spray de pimenta e bombas de gás para atacar os(as) estudantes e proteger os(as) frequentadores(as) de uma feira privada de barcos de luxo realizada na Raia Olímpica em novembro de 2020, ainda na vigência das medidas sanitárias excepcionais para o enfrentamento da pandemia de Covid-19.
Na pandemia, por sinal, a gestão V.Agopyan-A.C. Hernandes cunhou o slogan “A USP não vai parar”. A escolha impôs a adoção abrupta do modelo de aulas remotas, desconsiderou as profundas desigualdades nas condições socioeconômicas na comunidade e expôs a riscos especialmente os(as) profissionais terceirizados(as) de áreas como limpeza e vigilância, obrigados(as) a manter suas atividades. A USP registrou vários casos de óbitos de trabalhadores(as), principalmente terceirizados(as), decorrentes da Covid-19.

Além disso, a Reitoria sob Agopyan jamais se preocupou em emitir um documento oficial que registrasse quais servidores(as) docentes e técnico-administrativos faleceram em decorrência da epidemia, ou em prestar à memória dessas pessoas as devidas homenagens.
Nada disso, no entanto, pesou na decisão do Co. A concessão do título de Professor Emérito ao ex-reitor e atual secretário do governo Tarcísio foi aprovada por 89 votos favoráveis, havendo oito votos contrários e seis abstenções.
Na Ditadura Militar, Reitoria impediu retorno de Sergio Ferro às aulas
Já a concessão de outro título pelo Co, o de Doutor Honoris Causa a Sergio Ferro, que foi docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU), representa “um gesto de reparação de enorme importância moral e simbólica para a Universidade, em face das grandes arbitrariedades e violências de que foi vítima”, como assinala a súmula apresentada em conjunto pelas congregações da FAU e do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) e pelo Conselho Deliberativo do Museu de Arte Contemporânea (MAC).
Ferro começou a lecionar na FAU em 1962. Em dezembro de 1970, durante os chamados “anos de chumbo” da Ditadura Militar, foi preso pela Operação Bandeirante (OBAN). Sofreu torturas na prisão e foi colocado em liberdade condicional no final de 1971. A FAU não o inscreveu no programa de ensino de 1972, e Ferro acabou deixando o Brasil naquele ano, com autorização da 2a Auditoria Militar.
De acordo com o relatório sobre a faculdade publicado pela Comissão da Verdade da USP, Ferro tinha um contrato de trabalho precário com a universidade, que poderia ser rescindido ou não renovado. “No entanto, nenhuma dessas alternativas fora adotada. Desse modo o contrato foi prorrogado durante o período em que esteve preso, vigorando até o final de 1972”, diz o relatório.
Na época, um parecer do professor José Roberto Franco da Fonseca, chefe de gabinete do então reitor, Miguel Reale, “concluiu que o livramento condicional deveria ser considerado execução da pena nos termos do referido Estatuto, razão pela qual Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre [professor da FAU que também havia sido preso] não poderiam voltar a exercer suas funções docentes até que se completasse o período de dois anos para extinção completa da pena”, prossegue o relatório.
“Mais do que isso, o chefe de gabinete do reitor Reale concluiu que: ‘Se regressassem às atividades didáticas após o cumprimento integral da pena, os docentes deveriam ser processados administrativamente pela Universidade com base no Decreto-Lei 477/1969, cuja sanção seria a demissão para os atos pelos quais foram condenados na instância militar’”, continua o texto, citando o parecer de Fonseca.
Sem possibilidades de trabalho no Brasil, Ferro mudou-se para a França, onde vive até hoje. Em 2000, teve negado seu pedido de aposentadoria como professor da USP, sob a alegação de que seu contrato havia terminado em 1973, sem que tivesse sido renovado.
A súmula biográfica da FAU, IAU e MAC diz que o título se justifica “não somente pelo precioso conjunto de contribuições acadêmicas, intelectuais, artísticas e profissionais de Sérgio Ferro, mas também como uma forma de reparação às graves violações de direitos humanos e civis cometidas contra ele pelo regime de exceção — entre as quais a própria obstrução de sua promissora carreira acadêmica, que tanto teria contribuído para a reputação acadêmica da Universidade”.
“A concessão deste título ao arquiteto ainda em vida reitera o papel da Universidade como espaço de fomento aos valores democráticos e de condenação intransigente de toda forma de perseguição política e ideológica em seu interior”, defendem as unidades.
A concessão do título de Doutor Honoris Causa a Sergio Ferro foi aprovada no Co por unanimidade.
Obras que o professor, arquiteto e pintor produziu ao longo da vida, inclusive durante sua prisão no Presídio Tiradentes, compõem a exposição “Sergio Ferro – Trabalho Livre”, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera). A mostra permanece no local até o dia 15 de junho, de terça-feira a domingo, das 10h às 21h, com entrada franca.
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