Privatização
Ministério Público pede ao TCE que investigue a instalação de faculdade ligada ao BTG Pactual no câmpus do Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Reportagem do Informativo Adusp sobre o contrato sigiloso entre o IPT e a Faculdade Inteli-IBTCC é citada na representação assinada pela procuradora Élida Graziane Pinto
O Ministério Público de Contas (MPC), setor do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) encarregado de fiscalizar a prestação de contas dos órgãos públicos estaduais da administração direta e da administração indireta, encaminhou no dia 15/6 representação ao Tribunal de Contas (TCE-SP) para que sejam apuradas possíveis irregularidades na instalação, em 2022, da sede da faculdade privada Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli-IBTCC) no câmpus do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), empresa pública situada na Cidade Universitária do Butantã.
Ligada ao BTG Pactual, a Faculdade Inteli-IBTCC firmou contrato com o IPT em 2021 (mesmo ano em que foi criada), no âmbito do programa denominado “IPT Open Experience”, criado pelo governo Doria-Garcia (PSDB) e destinado a empresas de base tecnológica. No início do ano seguinte, ela começou a funcionar no câmpus do IPT, com acesso exclusivo por uma das portarias do instituto.
A procuradora Élida Graziane Pinto, da 2ª Procuradoria do MPC, apontou falta de transparência no contrato firmado entre as partes, que é sigiloso embora envolva uma empresa pública, e “potencial conflito de interesses”. Questionou ainda, com base nos dados publicados em reportagem do Informativo Adusp Online, se a contrapartida oferecida pelo Inteli-IBTTC representa vantagem para a instituição pública, quando na verdade há evidências contrárias. Por fim, requereu ao TCE-SP que apure o caso e conceda prazo “para apresentação de justificativas” ao IPT, à Fundação IPT e à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo (SDE), com o posterior encaminhamento dos autos aos agentes de fiscalização do tribunal.
“Sobre a celebração do contrato, pouco se sabe a respeito dos termos pactuados”, observou ela na representação. “A princípio, apuramos que ele teria sido oriundo do Chamamento Público nº 01/20219 , no qual o IPT visava à adesão de pessoas jurídicas com a finalidade de ‘desenvolvimento de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo, e ainda, de capacitação de recursos humanos, no âmbito do Programa IPT Open Experience, na modalidade Centro de Inovação’”, relata. “Porém, além do edital e dos respectivos anexos, não há mais informações sobre movimentações processuais ou quaisquer possíveis desfechos dos procedimentos, seja no no site do IPT, seja no portal e-negócios públicos do Governo do Estado”.
A procuradora explica no documento que, efetuando ela própria uma busca de informações sobre o contrato, localizou apenas a publicação do extrato contratual no Diário Oficial do Estado de 7/5/21. No entanto, diz, o extrato “não aborda detalhes mais específicos do ajuste, limitando-se a identificar os sujeitos e as partes do objeto da parceria, qual seja a implantação de um Centro de Inovação em prédios do IPT por 15 (quinze) anos”. A esse respeito, continua, “a Adusp divulgou informações que teriam sido colhidas internamente a respeito do contrato celebrado”, a saber, que o Inteli “estima investir R$ 59 milhões na reforma da infraestrutura e se comprometeu a investir outros R$ 60 milhões em projetos de PD&I”.
Élida Graziane Pinto reproduz em seguida os dados sobre o contrato publicados pelo Informativo Adusp Online: “Inteli-IBTCC deveria pagar ao IPT contrapartida financeira estimada em R$ 37 milhões ao longo de 15 anos. No entanto, a empresa poderá abater desse valor 55% do investimento que fará na infraestrutura. Assim, na prática, serão deduzidos desse montante R$ 32,4 milhões (55% dos R$ 59 milhões) e o IPT terá a receber apenas R$ 4,6 milhões diluídos ao longo da próxima década e meia”.
Pedido de informações do deputado Giannazi foi reiterado 15 vezes, sem êxito
Ainda segundo a procuradora, a busca de informações sobre a parceria motivou o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) a apresentar um Requerimento de Informação da Alesp (830/2021) e encaminhá-lo à SDE. O parlamentar questionou, por exemplo, “Como o Inteli-IBTCC se enquadra nas diretrizes do IPT Open Experience?”, e “Como exatamente a atuação do IBTCC é aderente à lei federal 10.973/2004 e ao decreto estadual 62.817/17, de forma que justifique a exploração comercial por instituição de ensino privada dentro do patrimônio público?”
Giannazi também assinalou, reiterando a apuração do Informativo Adusp Online, que a atividade de ensino não consta das modalidades exemplificativas de centros de inovação listadas na página 11 do “Chamamento Público para Instalação de Centro de Inovação no IPT para Consecução de Ambiente Promotor da Inovação 01/2021”, nem das áreas de negócios elencadas nas p. 13 e 14 desse documento. “Qual a justificativa para a aprovação do IBTCC no âmbito deste Chamamento?”, indagou. De acordo com a representação, a SDE não respondeu ao requerimento, sendo que Giannazi “reiterou o pedido de informações quinze vezes, sendo o último em 30/5/2023, todos aparentemente não atendidos” (destaque no original).
A procuradora destaca “a opacidade com que se concretizou a contratação do IBTCC, a pretexto de um questionável dever de sigilo”, de modo que se impossibilitou “que a sociedade tomasse conhecimento do ajuste, alimentando suspeitas sobre as supostas condições para sua celebração”. O IPT alegou que haveria pesquisas a serem desenvolvidas que devem ser tratadas como segredo industrial, visando à proteção dos direitos de propriedade intelectual.
“Ora, ao nosso sentir, tais motivos alegados para o emprego do sigilo somente seriam razoáveis se se referissem a segredos industriais, referentes aos resultados das pesquisas no âmbito da parceria, mas não há qualquer escopo dessa envergadura em curso […]”, diz Élida. “Considerando que a regra é a transparência e o sigilo, como medida excepcional, deve ser tópica e exaustivamente motivado, é preciso resgatar que há outros aspectos relevantes sobre essa parceria que deveriam ter sido devidamente publicizados, consoante define a própria lei 13.019/2014, sem interferir na proteção à propriedade intelectual”.
Adicionalmente, acrescenta a representação, “frustrou-se a atuação do controle externo, a exemplo da falta de respostas para o Requerimento de Informações 830/2021 no âmbito da Alesp, bem como não encontramos instrução da matéria pelo TCE-SP nos balanços do IPT e da fundação de apoio [FIPT] dos últimos anos, ou qualquer registro de processo ou expediente específico tratando do assunto”.
“Chamamento público observou princípios da impessoalidade, isonomia, publicidade e julgamento objetivo?”
Segundo a lei 13.019/2014, prossegue, “o Chamamento Público é ‘procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos’ (art. 2, XII, grifos nossos)”.
Essa mesma lei dispõe, no seu artigo 10º, que a administração pública deve manter em seu site a relação das parcerias celebradas e dos respectivos planos de trabalho, “devendo incluir, no mínimo, as seguintes informações (art. 11, parágrafo único): I – data de assinatura e identificação do instrumento de parceria e do órgão da administração pública responsável; II – nome da organização da sociedade civil e seu número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ da Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB; III – descrição do objeto da parceria; IV – valor total da parceria e valores liberados, quando for o caso; (redação dada pela lei 13.204, de 2015) V – situação da prestação de contas da parceria, que deverá informar a data prevista para a sua apresentação, a data em que foi apresentada, o prazo para a sua análise e o resultado conclusivo. VI – quando vinculados à execução do objeto e pagos com recursos da parceria, o valor total da remuneração da equipe de trabalho, as funções que seus integrantes desempenham e a remuneração prevista para o respectivo exercício. (Incluído pela lei 13.204)”.
Não obstante a previsão legal, “o IPT e a FIPT não forneceram quaisquer informações sobre o andamento do Chamamento Público 01/2021 e o seu posterior encerramento, incluindo o valor das contraprestações, as obrigações de ambas as partes e tampouco a prestação de contas dos recursos da parceria”, enfatiza a procuradora do MPC.
“Ora, a obscuridade nesse caso é especialmente preocupante, pois o então CEO do Inteli afirmou, em entrevista, que a ideia de instalar a faculdade do prédio do IPT teria sido supostamente da então Secretária de Desenvolvimento Econômico [Patrícia Ellen]”, argumenta Élida. “Questiona-se, portanto: como, de fato, ocorreu essa escolha? De quem teria partido a iniciativa? Houve outras propostas de interessados na parceria? O chamamento público realizado observou os princípios da impessoalidade, isonomia, publicidade e julgamento objetivo?”.
A representação afirma que “representantes do Diretório Acadêmico da Faculdade [Escola] Politécnica da USP realizaram ato simbólico em 2022 cobrando respostas das entidades envolvidas em relação a falta de transparência da parceria realizada, firmando posição contrária à concessão de parte de prédios públicos com contrapartidas que lhes pareciam obscuras”.
Além do “aspecto formal referente à transparência do ajuste”, a procuradora do MPC entrou no mérito do contrato, de modo a questionar “especialmente o interesse público no ajuste firmado”, uma vez que embora o IPT “alegue evasivamente que o projeto se encaixaria, em tese, no escopo do IPT Open Experience, mister questionar se há, realmente, convergência de objetivos das entidades capaz de justificar a parceria celebrada”.
Assim, embora no edital do Chamamento Público 01/2021 o IPT tenha arrolado uma série de modalidades compatíveis com o projeto, “em nenhuma delas previu a instalação de instituições de ensino superior ou mesmo escolas, em rota de potencial conflito de interesses e captura de público-alvo, mediante o uso de bem público sediado no câmpus universitário e até mesmo o manejo implícito do renome da USP”, avalia a procuradora. “Mais à frente no documento, há orientação de como deveria ser a manifestação de interesse das entidades interessadas, estabelecendo rol de áreas nas quais o Centro de Inovação deverá se enquadrar para elaborar a proposta. Mais uma vez, vê-se que, em nenhuma das áreas relacionadas, há menção de instituições de ensino ou congêneres”.
Quanto à contrapartida oferecida pelo IBTTC, ela pergunta “qual o custo de oportunidade de fornecer o espaço para uma faculdade privada recém criada em detrimento de outras empresas tecnológicas com expertise em pesquisa tecnológica?”, para responder em seguida: “Ora, de um lado, o Inteli poderá funcionar no espaço público concedido pelo IPT por 15 anos – local esse situado em região nobre na Cidade Universitária da USP, receberá vultosas mensalidades dos alunos (atualmente R$ 5.500,00 cada), aproveitará grande conhecimento compartilhado e influência dos empregados públicos do IPT e dos servidores da USP e, indiretamente, poderá promover a imagem dos seus investidores junto a instituições respeitadas como a USP e o IPT”.
Quanto ao instituto público, as vantagens inexistem: “Do outro lado, o IPT terá parte de sua sede ocupada por uma instituição de ensino superior privada (criada em 2019, isto é, sem expertise em pesquisa científica ou tecnológica)”, e que “cobrará mensalidades das quais o IPT não terá participação – tão somente por uma contrapartida de R$ 4,6 milhões nos próximos 15 anos (cerca de R$ 300 mil por ano), além do rateio dos custos de manutenção”, diz Élida.
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