Terrorismo de Estado
Ato de 3/8 em repúdio à chacina do Guarujá driblou bloqueios da Polícia Militar
Ouvidoria das Polícias, OAB-SP, Comissão Justiça e Paz, Human Rights Watch, Ministério dos Direitos Humanos e outros órgãos e entidades pedem ao governador retirada imediata das tropas e investigação de atrocidades
O forte policiamento no Viaduto do Chá e área central da cidade e os bloqueios montados pela Polícia Militar não impediram que ocorresse, nesta quinta-feira (3/8) à noite, o ato público diante da Secretaria de Segurança Pública, na rua Líbero Badaró, na capital paulista, convocado por entidades do movimento negro e por grupos de direitos humanos para protestar contra a chacina cometida nos últimos dias no Guarujá e em Santos pela Rota e por outros contingentes da PM, no decorrer da suposta “Operação Escudo”.
Nesta sexta-feira (4/8), dez importantes órgãos públicos, entidades e grupos de defesa dos direitos humanos —Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Comissão de Justiça e Paz, Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB-SP, Human Rights Watch, Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, Sindicato dos Advogados e Rede Cristã de Advocacia Popular (Recap), bem como o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania — assinaram nota conjunta que pede a imediata interrupção da “Operação Escudo” e critica o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pelas declarações que tem feito sobre o episódio.
“A referida ‛Operação Escudo’, da forma como está sendo feita, além de produzir resultados violentos, é desprovida de inteligência investigativa e técnica policial, transgredindo, de pronto, todas as premissas assentadas quando do julgamento da ADPF 635 por nossa Máxima Corte de Justiça (STF)”, diz a nota. “O Governador do Estado não pode, antes de concluir todas as apurações detalhadas e técnicas pelos órgãos competentes, declarar que a operação está sendo bem-sucedida. No afã de, no seu dizer, combater o crime organizado até o momento a operação deixou dezenas de mortos civis e impinge à comunidade um ambiente de total insegurança, conforme denúncias de práticas, em tese, de torturas, abusos de direitos, execuções sumárias, além de outras irregularidades, incluindo lacunas técnicas e de preceitos constitucionais”.
O documento anuncia que “as entidades e instituições de defesa dos Direitos Humanos, em cooperação com outros órgãos de defesa e garantia da cidadania e ainda organismos internacionais, vão ingressar com todas as medidas cabíveis para exigir uma investigação isenta, livre de cortinas ideológicas, dentro das garantias e dispositivos legais”, e propõe ainda “um encontro em caráter de urgência com o Governador Tarcísio de Feitas com a finalidade de estabelecer um diálogo sobre os passos que devem ser adotados para as apurações aqui elencadas”.
A nota também é assinada por um expressivo grupo de parlamentares: deputadas estaduais Ediane Maria, Mônica Seixas, Rose Soares, Paula Nunes dos Santos e Simone Nascimento (todas do PSOL), deputados estaduais Eduardo Matarazzo Suplicy, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp, e Paulo Batista dos Reis (ambos do PT-SP), e as vereadoras Débora Camila (PSOL) e Telma de Souza (PT), ambas de Santos, e Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) e Luna Zarattini (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo.
Confira aqui a íntegra da nota das entidades e parlamentares
“As instituições e autoridades abaixo assinadas vêm publicamente, diante dos últimos acontecimentos na Baixada Santista e no Guarujá com relação à ‛Operação Escudo’ deflagrada pelo Governo do Estado, manifestar contrariedade ao tipo de intervenção estatal nas comunidades da Baixada e pedir o fim imediato da malfadada operação que produziu uma quantidade injustificada de mortes e violência institucional contra a população local, que sofre com os chamados ‛efeitos colaterais’, que afetam sua saúde, educação e a vida cotidiana. Estas organizações e entidades clamam para que os princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito sejam respeitados.
Lamentamos a morte e ferimento dos policiais militares, casos em que o Estado deve acolher e amparar os familiares e garantir o pleno reestabelecimento da saúde dos mesmos, salientando que as buscas por criminosos organizados através destas ações territoriais frequentemente extrapolam seus objetivos, deixando um rastro de mortes e violência.
A referida ‛Operação Escudo’, da forma como está sendo feita, além de produzir resultados violentos, é desprovida de inteligência investigativa e técnica policial, transgredindo, de pronto, todas as premissas assentadas quando do julgamento da ADPF 635 por nossa Máxima Corte de Justiça (STF).
O Governador do Estado não pode, antes de concluir todas as apurações detalhadas e técnicas pelos órgãos competentes, declarar que a operação está sendo bem-sucedida. No afã de, no seu dizer, combater o crime organizado até o momento a operação deixou dezenas de mortos civis e impinge à comunidade um ambiente de total insegurança, conforme denúncias de práticas, em tese, de torturas, abusos de direitos, execuções sumárias, além de outras irregularidades, incluindo lacunas técnicas e de preceitos constitucionais.
A morte do soldado PM, os muitos cadáveres que vão surgindo a cada nova contagem, clamam por justiça – nunca justiçamento. A cada suspeito, acusado, envolvido, cabe o trabalho firme das forças de segurança e o devido processo legal por parte dos órgãos competentes. O calor de uma tropa inflamada pela perda de um valoroso integrante não pode, jamais, incensar um tribunal sumário à margem da lei e das garantias constitucionais.
Com os inúmeros reclames sobre torturas, advindos da população aos órgãos de defesa de direitos humanos do Estado de São Paulo, criamos um grupo de trabalho formado por entidades e parlamentares visando articular junto ao sistema de justiça a necessária transparência e o processo de apuração sobre os resultados desta operação, promovendo diversos requerimentos legais e pertinentes ao caso.
Neste cenário, não há justificativa plausível para se dar continuidade à ‛Operação Escudo’, que deve ser interrompida imediatamente, retirando-se todo o efetivo da comunidade onde residem centenas de pais de famílias, idosos, crianças, ora afetados pela referida operação; mesmo porque, nela há flagrantes violações dos preceitos dos Protocolos de Minnesota e Istambul aderidos pelo Estado Brasileiro.
Por isso, as entidades e instituições de defesa dos Direitos Humanos, em cooperação com outros órgãos de defesa e garantia da cidadania e ainda organismos internacionais, vão ingressar com todas as medidas cabíveis para exigir uma investigação isenta, livre de cortinas ideológicas, dentro das garantias e dispositivos legais.
Igualmente, solicitamos um encontro em caráter de urgência com o Governador Tarcísio de Feitas com a finalidade de estabelecer um diálogo sobre os passos que devem ser adotados para as apurações aqui elencadas.
As forças policiais tem um papel preponderante nestes cenários, que é o de garantir segurança e tranquilidade aos cidadãos, nunca o seu contrário. O medo é combustível inflamável por onde pode transitar a volatilidade dos direitos e a violação da cidadania. Contra isso, é preciso apontar as inconsistências de justificativas técnicas que obscurecem a tecnicalidade historicamente louvada das policias científicas e seus institutos. É preciso acompanhar cada passo, cada imagem, cada elemento probatório para que o processo transite dentro da mais perfeita legalidade e transparência. Para que nenhuma vida mais se perca, porque a paz e a segurança são frutos da justiça, e não podem ser leiloadas pela ignomínia do crime nem pela insensatez da vingança.
São Paulo, 4 de agosto de 2023”
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