Diversos artigos do “Código de Conduta e Integridade” da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), que foi aprovado pela Resolução 9/2025 dessa pasta (publicada no dia 7 de março último no Diário Oficial do Estado de São Paulo), atropelam a liberdade de expressão prevista na Constituição Federal e impõem censura ilegal ao funcionalismo lotado na SAA.

O artigo 2º inclui, entre os objetivos do Código, “reduzir a subjetividade na interpretação pessoal sobre os princípios e normas éticas almejadas pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento” (inciso IV), bem como “fortalecer a imagem institucional, ampliando a confiança da sociedade nas atividades desenvolvidas no âmbito da Secretaria de Agricultura e Abastecimento” (inciso V). São disposições que parecem abusivas, impondo obrigações que podem extrapolar os deveres dos(as) servidores(as) públicos.

No artigo 3º, o Código define seus “princípios e valores fundamentais”, agrupados em seis incisos. O primeiro deles é universalmente aceito, constando de diversos textos legais: “a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência”. O segundo inciso, porém, carrega um inesperado viés empresarial, ao elencar “o engajamento, a integração, a inovação, o foco em resultado, a diversificação, a realização [sic], a transparência e a sustentabilidade”.

O terceiro inciso do artigo 3º, por seu turno, afronta direitos, ao exigir do corpo funcional da SAA “a neutralidade político-partidária, religiosa e ideológica”. Isso porque, preliminarmente, a Constituição Federal garante a todas as pessoas tanto a liberdade político-partidária como a liberdade religiosa. Além disso, “neutralidade ideológica” é algo rigorosamente impossível.

Na seção II, que trata das condutas, o artigo 4º institui, como “dever do agente público” integrante da SAA, uma série de normas razoáveis e compatíveis com o serviço público, tais como “atuar de forma profissional, transparente e cooperativa” (inciso I), “zelar pela correta utilização de recursos materiais, equipamentos e serviços colocados à sua disposição” (II), “observar as disposições previstas no Decreto 69.328, de 22 de janeiro de 2025, e demais atos normativos correlatos, evitando envolver-se em quaisquer práticas ou situações que possam configurar conflito de interesses” (III), “agir com urbanidade e respeito, nos processos de fiscalização e apuração de irregularidades administrativas e desvios de conduta, sobretudo em situações de conflitos” (V), “atender o cidadão com respeito, eficiência e celeridade” (IX) etc.

No entanto, estão embutidos nesse mesmo artigo 4º incisos de teor questionável, a saber: “manter-se neutro em relação às afirmações feitas pelos fiscalizados” (VI), “agir com imparcialidade e objetividade nos trabalhos realizados” (X), e especialmente “agir com reserva e discrição nas publicações realizadas em perfis pessoais das redes sociais, evitando a exposição negativa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento” (XII, destaques nossos).

Há situações laborais em que é impossível “manter-se neutro” ou “agir com objetividade”, sem falar que tal orientação eventualmente pode favorecer pressões indevidas das chefias. Porém ainda mais grave é a determinação imposta pelo inciso XII, pois atenta contra a liberdade de expressão dos(as) servidores(as) da pasta. O governo estadual não tem o direito de determinar o comportamento de servidores(as) nas mídias sociais.

SAA veda “comentários de caráter negativo” e “emitir opiniões próprias”

Nesse mesmo sentido é o inciso VI do artigo 7º do Código, que proíbe o “agente público” da SAA de “fazer comentários sobre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento e sobre o Governo do Estado de São Paulo de caráter negativo, com intuito de difamar pessoas relacionadas ao ambiente de trabalho ou de comprometer a imagem da instituição, inclusive por redes sociais” (destaques nossos).

Esse mesmo artigo 7º estabelece várias outras proibições: “escrever artigos, conceder entrevistas ou emitir opiniões próprias sobre os trabalhos desenvolvidos ou fatos ocorridos na Secretaria de Agricultura e Abastecimento, sem o conhecimento e prévia autorização do Secretário de Agricultura e Abastecimento ou de sua Assessoria” (inciso XXI); “divulgar ou compartilhar imagens, vídeos ou qualquer outro tipo de informação interna que não tenha sido divulgada nos canais institucionais, sem o conhecimento e prévia autorização do Secretário de Agricultura e Abastecimento ou de sua Assessoria” (XXII); e “divulgar ou facilitar a divulgação de dados ou quaisquer tipos de informação interna, mesmo que não tenham caráter sigiloso, sem prévia e expressa autorização do Secretário de Agricultura e Abastecimento ou de sua Assessoria” (XXIII). Todos os destaques são nossos.

“Mordaça! O que eles fizeram foi colocar mordaça nos trabalhadores”, denunciou o deputado estadual Paulo Fiorilo, líder da Federação PT/PCdoB/PV, ao pronunciar-se na tribuna a respeito do caso, na sessão de 11 de março da Assembleia Legislativa (Alesp). Sobre as restrições a eventuais manifestações de servidores(as) nas redes sociais, ele as considerou “uma baita censura”.

Na ocasião, Fiorilo leu alguns dispositivos do código, entre os quais o inciso XII do artigo 7º, que veda ao agente público “fazer uso de recursos públicos ou de cargo ou função pública que ocupa dentro da Secretaria de Agricultura e Abastecimento para promover interesses de partidos políticos, categorias profissionais ou carreiras públicas”. Em seguida, exibiu no plenário da Alesp um vídeo datado de 19 de fevereiro último, protagonizado pelo próprio titular da SAA, Guilherme Piai Silva Filizzola, no qual o secretário afronta totalmente determinações certamente aprovadas por ele e que seriam publicadas dias depois no Diário Oficial do Estado.

No vídeo, Piai afirma que “o Poder Judiciário está nos envergonhando”, por supostamente tratar de modo desigual o ex-presidente Jair Bolsonaro, de um lado, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de outro lado. Segundo o secretário, apesar de “condenado em três instâncias” e de ser “responsável pelo maior esquema de corrupção da história”, Lula tornou-se elegível, enquanto “nosso presidente Bolsonaro” foi considerado inelegível, apenas porque “se reuniu com embaixadores”.

No entender de Piai, “o país está à deriva”, e após divulgação de uma pesquisa desfavorável a Lula, “sai uma denúncia de um golpe que nunca existiu”, fazendo referência assim à conspiração ocorrida ainda em 2022, após a eleição de outubro, e que previa os assassinatos de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, seguidos de um golpe de estado. Essa conspiração foi descoberta pela Polícia Federal, e a investigação levou à prisão de diversos militares de alta patente, entre os quais o general Walter Braga Netto. Mas, para o secretário da Agricultura e Abastecimento, não há provas do golpe.

Ao comentar o vídeo, após reler o artigo 3º, inciso III, que exige “neutralidade político-partidária, religiosa e ideológica”, o deputado Fiorilo ironizou: “Eu estou em outro mundo, ou esse cara aqui (apontando para a tela da Alesp) usou a estrutura da Secretaria, até porque todo mundo viu lá, tem um quadro do Bolsonaro, bandeira do Brasil, bandeira do Estado de São Paulo, para fazer apologia ao golpe? Não é possível! E o cara é o secretário”.

EXPRESSO ADUSP


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