A gestão Carlos Gilberto Carlotti Jr.-Maria Arminda do Nascimento Arruda pretende, a apenas sete meses do final de seu mandato na Reitoria da USP, desembolsar R$ 281 milhões para adquirir um terreno de quase 796 mil m² que será destinado à ampliação do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP), antes vinculado à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), mas que desde 2011 é uma autarquia estadual diretamente vinculada ao governo estadual.

O projeto de ampliação do HCRP, cujo núcleo é a criação de uma nova Unidade de Emergência, é patrocinado pelo prefeito de Ribeirão Preto, Ricardo Silva (PSD), e pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que esteve na cidade no último dia 8 de fevereiro para lançar a pedra fundamental da obra. Na ocasião, ao falar a jornalistas, o governador agradeceu ao reitor Carlotti Jr. (que não estava presente) por “proporcionar uma ampliação e a construção do equipamento integral conforme ele foi planejado”.

Apoiado por Tarcísio nas eleições de 2024, Silva fez da ampliação do HC de Ribeirão Preto uma de suas principais promessas de campanha. Dias depois da inauguração da obra, o Informativo Adusp Online indagou à Reitoria que valor ela pretendia repassar ao governo estadual para essa finalidade. Não houve resposta. Voltou a perguntar em abril e novamente não obteve retorno.

Nesta quarta-feira, 28 de maio, finalmente se soube do montante, quando a Reitoria encaminhou a pauta da próxima reunião extraordinária do Conselho Universitário (Co) a realizar-se já na próxima terça-feira, 3 de junho, e da qual consta a proposta de aquisição da área em Ribeirão Preto, dentro do item 2 da Ordem do Dia, denominado “Ampliação dos Campi de Ribeirão Preto e São Carlos”.

Para o campus de Ribeirão Preto, diz o reitor Carlotti Jr., “a proposta envolve a aquisição de um terreno de 795.736,14 m², localizado em uma área do município com viabilidade e acesso a transporte público e proximidade a diversas vias de acesso terrestres, incluindo um anel rodoviário e diversas avenidas”. No entanto, alega ele, a iniciativa do projeto “partiu da Superintendência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) — autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (SES) — com o apoio da SES e da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto (PMRP)”.

Ocorre que a Superintendência do HC de Ribeirão Preto não responde à USP, nem mesmo à FMRP, mas à “organização social de saúde” que controla esse hospital há décadas, com a anuência da SES: a Faepa, fundação privada criada por docentes da FMRP. Carlotti Jr. presidiu o Conselho de Curadores e de Administração da Faepa de 2013 a 2016.

Apesar da procedência da “iniciativa”, o reitor da USP assegura que a expansão prevista em ambos os campi “trará benefícios significativos para as unidades” neles localizadas, e que as propostas “foram amplamente discutidas” com todos os diretores, “tendo recebido apoio irrestrito para seu prosseguimento”.

No caso de Ribeirão Preto, ainda segundo Carlotti Jr., foram realizadas reuniões com representantes da SES e com o prefeito Ricardo Silva, “para discutir a proposta e alinhar os entendimentos”. Ele procura minimizar o impacto do gasto despropositado de R$ 281 milhões: afirma, na documentação repassada às congregações e integrantes do Co, que “ficará a cargo da USP a responsabilidade do investimento inicial para aquisição do terreno e eventuais construções e a posterior manutenção será de responsabilidade da SES e da PMRP”, de modo que “não haverá comprometimento futuro do orçamento da Universidade”. Após a aquisição, reforça, “a USP cederá o terreno à Secretaria da Saúde para construção do novo prédio, sendo o custeio da nova unidade de responsabilidade da Secretaria”.

O próprio preço do terreno a ser adquirido, R$ 281.202.000, parece exagerado. Contudo, o reitor atribui a estimativa do valor à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), empresa estatal que foi extinta pelo governo João Doria-Rodrigo Garcia (PSDB) em 2020, mas pelo visto continua em atividade.

Ainda na linha de “redução de danos”, Carlotti Jr. alega “haver disponibilidade financeira no momento para esse investimento, atrelado à ausência de comprometimento orçamentário futuro”. Referindo-se também à expansão no câmpus de São Carlos, diz: “A proposta é que os dois investimentos sejam realizados com a renda própria da Universidade no ano de 2025, sem onerar, portanto, o orçamento ou reservas estratégicas da USP”. Acrescenta, por fim: “Caso haja aprovação pelo Conselho Universitário, a Procuradoria Geral da USP e a Codage [Coordenadoria de Administração Geral] analisarão os aspectos legais das compras e negociações de valores”.

Criação de equipamentos envolve cinco unidades diferentes

Outro aspecto bastante questionável do projeto de “expansão do câmpus” de Ribeirão Preto é a criação, pela USP, de “cinco diferentes equipamentos”, cada um deles vinculado a uma unidade de ensino, com a particularidade de que “terão seus custeios mantidos totalmente pela PMRP”, ou seja: pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

Assim, está prevista a criação das seguintes unidades: 1) de uma instalação “dedicada à Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP), contando com 80 consultórios odontológicos e suas respectivas áreas de apoio, num total aproximado de 3.000 m²”; 2) “Clínica de Enfermagem” vinculada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), com área de 1.500 m²; 3) equipamento ligado à Escola de Educação Física e Esportes de Ribeirão Preto (EEFERP), “para a promoção de saúde por meio da atividade física”; 4) Museu da Biodiversidade, “ligado à FFCLRP” [Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto], “com proposta de construção de um prédio com área de 5.000 m²”, a ser “mantido pela PMRP”; 5) equipamento vinculado à Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), composto de Farmácia Universitária Modelo e de Laboratório de Análises Clínicas, com área total de 600 m².

A descrição das finalidades e do funcionamento esperado de tais equipamentos permite antever um protagonismo excessivo da Prefeitura Municipal, ao invés de uma “parceria” equilibrada. Por exemplo: no tocante ao segundo deles, vinculado à EEFERP, sugere-se que só nominalmente o espaço pertencerá à universidade: “O local terá uma quadra poliesportiva coberta, sala multiuso para práticas corporais de atividades físicas, sala de musculação, esteiras ergométricas e sala de dança. Os recursos humanos e custeio serão de responsabilidade da PMRP e os alunos e professores da USP utilizarão o espaço para suas atividades acadêmicas”.

Quanto ao Museu da Diversidade, o reitor diz que terá “forte interação com as redes de ensino municipal e estadual de Ribeirão Preto e região”. No entanto, o projeto original de criação do museu, que foi elaborado por docentes da FFLCRP, previa sua localização na Cidade Universitária, até porque é onde se encontram as coleções e profissionais capazes de conduzir o projeto. Também não há justificativa para que seu custeio seja transferido para a Prefeitura Municipal, já que o museu pertence à USP.

Expansão de São Carlos prevê recompra de área doada

A proposta a ser apreciada pelo Co no dia 3 de junho traz ainda outra questão controversa, essa relacionada à pretendida expansão do câmpus de São Carlos. Segundo o reitor, pretende-se incorporar uma área originalmente pertencente à gleba doada pela Prefeitura Municipal de São Carlos, em 1952, para a implantação do Campus da USP em São Carlos.

“O terreno foi doado pela USP ao Centro Acadêmico Armando Sales de Oliveira (CAASO) e, posteriormente, vendido para uma empresa. A reaquisição da área para o patrimônio da Universidade será significativa tanto para a salvaguarda da memória quanto para a reorganização das dinâmicas de uso do Campus. Este projeto envolve a compra do terreno onde se localizava o antigo colégio CAASO, a partir da oferta de venda manifestada pelo atual grupo proprietário em ofício encaminhado ao Conselho Gestor do Campus de São Carlos”, diz Carlotti Jr..

Ainda que o reitor avalie que a “aquisição da área será de fundamental importância para reorganização da Área 1 do Campus”, e forneça um detalhamento que destaca o “valor simbólico” e histórico do imóvel, cabe indagar como é possível que uma área doada pela USP tenha sido vendida pelo beneficiário. “O custo do terreno calculado pelo atual proprietário é da ordem de R$ 13.922.480,00”, informa o documento encaminhado pelo reitor.

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!