Universidade
Comissão Eleitoral engessa debates entre as 3 chapas que disputam lista tríplice para a Reitoria, que serão online e fechados ao público, em retrocesso evidente
No último dia 6 de outubro, a Comissão Eleitoral que conduz o processo de eleição da lista tríplice de chapas de candidatos(as) a reitor ou reitora e vice-reitor(as) da USP divulgou que promoverá três debates, que serão realizados nos dias 21 de outubro, 30 de outubro e 13 de novembro, sempre das 18h às 20h. Porém, os debates não serão abertos ao público e serão transmitidos online.
Além disso, eventuais interessados(as) em encaminhar perguntas às chapas tiveram apenas quatro dias para isso. O prazo concedido para envio de perguntas referentes ao primeiro debate, que terá lugar na Cidade Universitária do Butantã, encerrou-se no dia 10 de outubro.
Os temas desse primeiro debate também foram definidos previamente pela própria Comissão Eleitoral: internacionalização, gestão de pessoas e pós-graduação. Evita-se, assim, que seja apresentada qualquer pergunta que possa deixar desconfortáveis candidatos e candidatas — por exemplo, algum questionamento dos respectivos programas das chapas.
Para cada debate posterior serão sorteados outros três temas por vez. O segundo debate, no dia 30 de outubro, será no câmpus de São Carlos, e o terceiro, no dia 13 de novembro, no câmpus de Ribeirão Preto. Cabe perguntar qual é o sentido de se realizar debates no interior, se eles também serão online. Outra questão: os nove temas escolhidos serão suficientes para abordar as principais questões em jogo?
A gestão anterior foi eleita em fins de 2021, no transcurso da epidemia da Covid-19. Compreende-se, assim, que a promoção de debates referentes ao respectivo processo eleitoral tenha sido coibida pela restrições sanitárias impostas pela epidemia. No entanto, o processo sucessório anterior, realizado em fins de 2017, que contou com a participação de quatro chapas e que resultou na vitória de Vahan Agopyan e Antonio Carlos Hernandes, incluiu a realização de três debates públicos. Em vários outros processos eleitorais para a Reitoria ocorreram debates abertos à participação de toda e qualquer pessoa.
O Informativo Adusp Online pediu a docentes de diferentes unidades que comentassem o modelo de debate adotado pela Comissão Eleitoral.
“Para uma Reitoria que não cumpre a Lei de Diretrizes e Bases [LDB] na composição e na eleição de seus colegiados, infelizmente, não é de se estranhar o procedimento típico das ditaduras. Estamos no Brasil, minha gente, e não na antiga Albânia”, diz o professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP).
Marcelino refere-se ao artigo 56 da LDB: “As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão transparente e democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, dos quais participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional (redação dada pela lei 15.001/2024). Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes” (destaques nossos).
“Na USP é muito mais que setenta por cento, e apenas quatro docentes são representantes de categorias — 1 MS-2, 1 MS-3, 1 MS-4 e 1 MS-6”, acrescenta o docente da FFCLRP.
“Bastante antidemocrático e avesso ao espírito do que deveria ser um debate de propostas com a comunidade”. Assim a professora Vanessa Martins do Monte, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), define o formato adotado pela Comissão Eleitoral.
Além disso, “com as perguntas previamente anunciadas, é grande a chance de virar uma exposição de ideias prontas, já preparadas com antecedência, o que descaracteriza a espontaneidade da linguagem oral, marca de qualquer debate, e a chance de a comunidade avaliar a capacidade de articulação e conhecimento das chapas sobre os problemas enfrentados pelas pessoas”, enfatizou a docente. “E de novo falta transparência: como saber quantas perguntas foram enviadas e por quais setores e se todas serão respondidas?”, questiona Vanessa.
“Ao restringir o acesso da comunidade da USP aos debates com as chapas que concorrem à Reitoria, a Comissão Eleitoral restringe ainda mais o nosso já diminuto espaço político/democrático e aumenta ainda a distância entre as demandas da comunidade e as elites dirigentes da nossa universidade”, comenta o professor Benedito Honório Machado, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP).
“A participação da comunidade no debate entre as chapas que disputam a Reitoria da USP é essencial. No entanto, essa participação não deve se limitar ao público interno da universidade”, adverte o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física (IF), lembrando que o impacto de uma instituição pública de ensino superior sobre a sociedade “é profundo e amplo: ela forma profissionais qualificados; produz, dissemina e desenvolve conhecimento nas esferas científica, acadêmica e profissional; oferece bens culturais — como museus, orquestras ou editoras; e presta serviços relevantes em áreas como a saúde e outras”.
Assim, aduz, “discutir a sucessão da Reitoria — e, por consequência, os projetos e diretrizes que moldarão o futuro da universidade — requer a escuta da sociedade como um todo”. Mas isso não basta, diz Otaviano. “É fundamental que a definição das pautas a serem discutidas também ocorra de forma ampla e plural. Os temas em debate refletem, de fato, as prioridades de estudantes, servidores e da comunidade externa? E mais ainda: essas pautas traduzem as expectativas e necessidades que a sociedade deposita na universidade pública?”.
No atual processo sucessório da Reitoria, é igualmente digno de nota o fato de que nenhuma das chapas concorrentes aceitou o convite da Adusp para que participassem de um debate.
Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!
Mais Lidas
- USP finalmente atribuirá diplomas honoríficos a Jeová Assis Gomes, José Roberto Arantes e Juan Carrasco Forrastal, discentes do Instituto de Física assassinados pela Ditadura Militar
- Depois de anular concurso que escolheu professora negra, USP publica novo edital para a mesma vaga; Érica Bispo entra na Justiça para garantir sua contratação
- Instituto de Psicologia confere diploma póstumo a Aurora Furtado, assassinada pela Ditadura Militar, em cerimônia tocante que também lembrou Iara Iavelberg
- Alesp aprova com número mínimo de votos o PLC 9/2025, que desestrutura carreira de pesquisador científico; APqC vai recorrer à Justiça
- Política de privacidade