Universidade
Contratada sem licitação em 2022 por R$ 309 milhões, para gerir HC de Bauru (ex-HRAC) por cinco anos, a Faepa já recebeu total de R$ 592 milhões graças a nove aditamentos
Contratada pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) em 2022, para gerir o Hospital das Clínicas de Bauru (HCB) por cinco anos pela quantia de R$ 309 milhões, a “organização social de saúde” denominada Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, conhecida pela sigla Faepa, já recebeu quase o dobro desse montante, graças a nove aditamentos ao contrato de gestão original. Os dados estão disponíveis no “Portal da Transparência” do governo estadual, que reúne informações sobre os diferentes contratos de gestão mantidos por “organizações sociais de saúde” em atividade no estado de São Paulo, entre as quais duas fundações privadas ditas “de apoio à USP”, a Faepa e a Fundação Faculdade de Medicina (FFM); outra de “apoio” à Unesp, a Famesp; e uma “de apoio” à Unicamp, a Funcamp.
Já em 2022 houve um primeiro aditamento ao contrato entre a SES e a Faepa referente ao HCB, no valor de R$ 6,9 milhões. Em 2023 houve dois aditamentos, um no valor de R$ 86 milhões e outro, relacionado a um repasse de emendas federais, de R$ 1,557 milhão. Em 2024 e 2025 ocorreram dois aditamentos, ambos no valor de R$ 94,68 milhões cada.
Assim, sem contar alguns aditamentos que resultaram no pagamento de somas menores, a Faepa — que foi contratada sem licitação pela SES, após mero “chamamento público” — já recebeu pelo contrato de gestão do HC de Bauru mais de R$ 592 milhões, embora ainda faltem dois anos para se completarem os cinco primeiros anos de vigência do contrato.
Inicialmente, aliás, ainda em 2021, o então governador Rodrigo Garcia (PSDB) anunciou que o contrato a ser firmado com a Faepa implicaria despesas de R$ 1 bilhão, sendo R$ 180 milhões anuais (por cinco anos) e uma verba adicional de R$ 100 milhões para reformas. Porém, o valor efetivamente celebrado meses depois foi bem menor, provavelmente para evitar críticas. Os aditivos, porém, rapidamente farão com que se alcance o montante global previsto por Garcia.
O HC de Bauru foi instalado no chamado “prédio novo”, ou Prédio 2, do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC), pertencente à USP. Como agravante, de modo totalmente ilegal, a força de trabalho do HRAC, composta por cerca de 530 profissionais de alta qualificação, foi obrigada pela Reitoria a trabalhar para a Faepa e aceitar ordens de gestores privados. Várias pessoas recorreram à justiça contra essa aberração, e tiveram reconhecido seu direito de continuar trabalhando na USP.
O HRAC havia se tornado referência nacional e internacional no tratamento de anomalias craniofaciais, em especial fissuras labiopalatinas. Pacientes receberam tratamento gratuito, ao longo de décadas, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, desde agosto de 2014, na gestão M.A. Zago-V. Agopyan, o hospital foi alvo de sucessivos ataques da Reitoria, que de forma repentina, ilegal e arbitrária, decidiu “desvincular” o HRAC da universidade e, simultaneamente, declará-lo “entidade associada”, medida bizarra e totalmente contrária ao Estatuto da USP. O discurso da Reitoria, desde então, é de que ele é “muito caro”.
Repleto de irregularidades, o processo de desmanche do HRAC foi coroado por um acordo de “cooperação técnica” celebrado em 2021 entre a USP e o governo estadual, que delegou a gestão do hospital à SES e abriu as portas à subsequente privatização do atendimento de pacientes portadores(as) de anomalias craniofaciais, por meio da assinatura do contrato de gestão do recém-criado HCB com a Faepa — contrato esse que, note-se, num toque kafkiano, não menciona o HRAC.
M.A. Zago foi o principal algoz do HRAC. Mas os responsáveis diretos pela etapa final desse escandaloso caso de destruição do patrimônio público, de corrosão de um brilhante serviço público gratuito de saúde, de enorme interesse social, são os reitores V. Agopyan (2018-2021) e Carlos Gilberto Carlotti Jr. (2022-2025).
Carlotti Jr. chegou mesmo a ignorar um pedido assinado por integrantes do Conselho Universitário (Co), em número suficiente previsto pelo regimento, para incluir o assunto na pauta do Co. Aliás, o reitor foi presidente do Conselho de Curadores e Administração da Faepa de 2013 a 2016, período em que foi diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). No Co, em 2014, ele votou a favor da “desvinculação” do HRAC. Em 2022, como reitor, pressionou o corpo funcional do hospital a assinar o chamado “Termo de Anuência” que compeliu cerca de 500 funcionárias e funcionários a trabalharem para a Faepa (seus salários, porém, continuaram a ser pagos pela USP!).
Recentemente, o reitor voltou a beneficiar a Faepa, ao conseguir a aprovação no Co da vergonhosa e inexplicável proposta de comprar do governo estadual, por R$ 281 milhões, o terreno onde está sendo construída a nova Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP), e devolvê-lo em seguida ao próprio governo estadual. O HCRP é uma autarquia estadual desde 2011, não tem mais vínculos de subordinação à USP, e é inteiramente controlado pela Faepa, organização mantida e dirigida por professores titulares da FMRP. Confira aqui mais detalhes sobre a espantosa aquisição do terreno em Ribeirão Preto.
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