Saúde
Comunidade do Butantã reage ao colapso do HU e fará marcha à Reitoria para exigir contratações
Em reunião realizada no dia 24/3 no Circo-Escola São Remo, a comunidade do Butantã decidiu reagir ao iminente colapso do Hospital Universitário (HU) e já prepara marcha à Reitoria em 7/4, para reivindicar a imediata contratação de profissionais para o HU, de modo a repor as perdas sofridas com as mais de 200 “demissões voluntárias” incentivadas pelo PIDV, que incluem 18 médicos.
Participaram da reunião cerca de 60 pessoas, na sua maioria populares da região do Butantã, mas também vários funcionários da USP e do HU, entre os quais o diretor clínico José Pinhata Otoch, diretores do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp) e um numeroso grupo de estudantes dos cursos de medicina, psicologia e jornalismo. Algumas moradoras vieram acompanhadas dos filhos.
“É muito importante que a população se engaje com a gente nesta luta para evitar o fechamento do HU. É essencial que ele se mantenha na USP”, disse, ao abrir a reunião, Rosane Meira Santos, diretora do Sintusp e funcionária do HU há vinte e sete anos. Ela pediu a Pinhata que relatasse a atual situação do hospital.
Populares que participaram da reunião propuseram a “saída do reitor” como um dos itens da agenda de mobilização. Apesar das ponderações de algumas lideranças em sentido contrário, a proposta foi a mais aplaudida ao final da reunião, quando da votação de cada item. “O reitor é médico e não está esquentando a cabeça com a saúde da população”, sintetizou um dos participantes.
“Esquema inseguro”
O diretor clínico resumiu as duas crises enfrentadas pelo HU. A primeira, segundo ele, provocada pelo surto de dengue que, entre abril e maio de 2014, levou o hospital a fazer cerca de 1.500 atendimentos por dia. A segunda logo em seguida, quando a
Reitoria deu início à sua tentativa de desvinculá-lo da universidade. “O HU não é foco dos problemas financeiros da USP. O hospital foi punido, e muito punido”, disse. Ele afirmou que duas ações da Reitoria prejudicaram enormemente a capacidade do HU de atender os pacientes: a redução obrigatória da carga de trabalho dos médicos, para adequação ao teto salarial do Estado; e a implantação do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV).
Pinhata explicou que os médicos do HU realmente ganhavam salários altos, mas que isso se devia às horas-extras correspondentes aos plantões por eles realizados, e especialmente à política da USP de contratação desses profissionais por jornadas reduzidas (por exemplo: 24 horas semanais). A Reitoria se utilizou desse fato para atacar a imagem dos médicos e a do próprio hospital. “A implantação do teto salarial diminuiu o número de médicos disponíveis, porque não podem fazer hora-extra. Há uma redução do número de plantonistas”, esclareceu. Como resultado dessa medida, atende-se um número menor de pacientes.
Quanto ao PIDV, a seu ver foi “instituído sem uma política adequada”, resultando em uma perda da ordem de 15% dos recursos humanos do HU. “Fecham-se leitos extremamente importantes, de unidade semi-intensiva. Sempre trabalhamos para oferecer mais aos nossos pacientes. Mas, de um ano para cá, só temos oferecido menos”, lamentou, dizendo-se “desconfortável”.
“É um esquema inseguro para o hospital, para os funcionários e para a população. Estou proibido de dar plantão — eu e outros médicos. E estamos vendo o serviço hospitalar minguando. Por sorte o surto atual de dengue não é tão cruel como o do ano passado”, relatou o diretor clínico aos moradores do Butantã. “Há uma queda de braço entre o reitor e o corpo funcional do HU. Ele quer deixar o hospital à míngua”.
Pinhata reforçou a necessidade de participação da comunidade local na mobilização em defesa do hospital, dando como exemplo a necessidade de pressionar o Ministério Público Estadual (MPE-SP). “A luta pelo HU é da população da região Oeste. Não temos interlocução aceitável nem com a Prefeitura, nem com o Estado”, acrescentou.
“Os donos do Estado”
Vários funcionários, estudantes e populares apontaram a precariedade do atendimento das UBS e AMAS da região, opinando que nem o governo municipal nem o estadual mostram real preocupação em oferecer adequado serviço de saúde à população. O anunciado fechamento temporário do PS Bandeirante e do PS da Lapa tende a sobrecarregar ainda mais o HU.
“A região tem 600 mil habitantes, deveria ter 25 unidades básicas de saúde. Mas temos 13, e a última foi inaugurada há 30 anos”, disse Mário de Souza, do Fórum de Saúde do Butantã, que coordenou a reunião no Circo-Escola. “Onde você vai ser atendido à noite, ou num sábado? A Prefeitura não implantou a UBS integral e só nos resta o HU, porque o PS Bandeirante vai ficar fechado por seis meses e o PS da Lapa idem”. Ele afirmou também que uma das UBS da região atendeu 380 casos de dengue. “Temos que nos mobilizar como população”, concluiu.
“Um dos poucos serviços que a Universidade retorna à comunidade é a saúde”, disse Claudionor Brandão, diretor do Sintusp. “Precisamos exigir desse burocrata [o reitor] que contrate os profissionais necessários. O PS Bandeirante vai fechar. Vocês vão para onde, quando precisarem?”
Após questionar a gestão do Hospital Universitário (“Waldyr Jorge tem quatro cargos na Universidade. Será que ele cuida bem do HU?”), o morador Geraldo Cunha, também membro do Fórum de Saúde do Butantã, deu ênfase ao envolvimento direto da população: “Solução boa é mobilizar a população. Nós vamos lutar contra os donos do Estado. A mobilização é o mais correto”. O radialista comunitário Sérgio Boiadeiro, por sua vez, declarou apoio e colocou a Rádio Cidadão à disposição do movimento.
Depois de se juntar às críticas aos postos de saúde estaduais e municipais (“Temos de entrar na fila às cinco da manhã, para pegar vinte senhas. É uma vergonha não haver hospital público na região”), Cristiano Coronado, presidente da Associação dos Moradores da Raposo Tavares, avisou: “Vamos à luta pelo HU. Podem contar com a gente”.
Ivo Guterman, presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), da Faculdade de Medicina da USP, repassou a mensagem dos seus colegas aos moradores do Butantã: “Os estudantes estão com vocês para a melhoria do hospital. Queremos salvar e melhorar o HU e as UBS também. A gente está aqui pelo SUS [Sistema Único de Saúde]”. O presidente do CAOC anunciou que a entidade encaminharia um documento ao MPE-SP pedindo providências contra o desmantelamento do hospital.
Dinizete Xavier, funcionária do Centro de Saúde-Escola da USP, criticou duramente a Fundação Faculdade de Medicina (FFM), que é a “organização social” (OS) gestora do PS Bandeirante e do PS Lapa, porque segundo ela não há transparência quanto aos recursos embolsados pela entidade, no seu entender interessada apenas em lucrar. Outros oradores também citaram a FFM, responsável pela implantação da “segunda porta” e consequente privatização parcial do Hospital das Clínicas e pela gestão de diversas unidades públicas de saúde da região Oeste, bem como do Instituto do Câncer.
O Informativo Adusp procurou o superintendente Waldyr Jorge, em 30/3, para que comentasse o relatório e a situação vivida pelo HU, encaminhando-lhe algumas perguntas pelo correio eletrônico. O professor entrou em contato com a reportagem em 1º/4, informando que tem máxima disposição de esclarecer as questões pertinentes ao HU, mas se disse sem tempo para elaborar as respostas. Comprometeu-se a receber a equipe do Informativo Adusp na próxima semana.
Também procurado, por intermédio de sua assessoria, até o fechamento desta matéria para publicação o reitor M.A. Zago não havia enviado respostas às três perguntas que lhe foram encaminhadas em 30/3.
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