Escalas serão definidas por dirigentes, servidora(e)s acima de 60 anos de idade também poderão voltar ao trabalho presencial e testagem será opcional. “Sem teste não existe retorno seguro. Num ambiente fechado com quatro pessoas, se uma estiver infectada e assintomática as outras três estão em risco”, critica o professor Domingos Alves (FMRP). Na avaliação da professora Elizabete Franco Cruz (EACH), a Reitoria coloca funcionária(o)s em risco sem necessidade: “Não estamos num momento pós-pandemia: estamos exatamente no curso da pandemia”, diz. Faculdades de Educação, Saúde Pública e FFLCH reivindicam autonomia para decidir, enquanto o Sintusp e servidora(e)s de diversas unidades se manifestam contra o Plano

A sétima versão do Plano USP para o retorno às atividades presenciais, divulgada no último dia 27/10, é alvo de críticas e manifestações oriundas de diversos setores da comunidade universitária, principalmente por impor o retorno compulsório ao trabalho para servidora(e)s técnico-administrativa(o)s — e somente para estes, incluindo as pessoas com 60 anos de idade ou mais. O retorno compulsório é determinado para 20% do total de servidores por dia por unidade ou órgão, em regime de revezamento. A composição das escalas de trabalho presencial ficará a critério da(o)s dirigentes.

A nova versão, que entra em vigor no dia 6/11, anuncia também que “o protocolo de testes para o vírus SARS-CoV-2 e o monitoramento da saúde, por meio de um aplicativo, serão apresentados em documento separado” até essa mesma data. No entanto, de acordo com o que declarou ao Jornal da USP o vice-reitor Antonio Carlos Hernandes, coordenador do Grupo de Trabalho para a Elaboração do Plano de Readequação do Ano Acadêmico de 2020 (GT PRAA), “o exame é opcional”. “O objetivo é detectar presença ou ausência de anticorpos, visando a saber quantos de nós já tiveram contato com o vírus e produziram anticorpos”, disse Hernandes.
“A testagem é fundamental. Sem teste não existe retorno seguro”, critica o professor Domingos Alves, docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, um dos idealizadores do portal Covid-19 Brasil. “Não existem evidências de que você pode colocar 20% das pessoas numa sala, ou 10% ou 50%, quantas sejam, de forma segura. Num ambiente fechado com quatro pessoas, se uma estiver infectada e assintomática, as outras três estão em risco.” Além disso, observa, como controlar as condições de segurança das pessoas que precisam se utilizar do transporte público para se deslocar ao trabalho?

“Essa atualização é praticamente um novo plano. A Reitoria, a partir das pressões que sofre, e que são compreensíveis no contexto político do projeto de lei 529, que enfrentamos na Assembleia Legislativa, coloca desnecessariamente em risco as pessoas que chamamos de funcionários e que sustentam, com os docentes, a estrutura universitária”, considera a professora Elizabete Franco Cruz, docente do curso de Obstetrícia e do mestrado em Mudança Social e Participação Política da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e integrante da coordenação da Rede Não Cala!.

“O plano tem muitos pontos a contestar, mas talvez o maior deles seja assumir a responsabilidade de colocar, de modo absolutamente desnecessário, nossa(o)s colegas funcionária(o)s expostos à possibilidade de uma infecção. Não estamos num momento pós-pandemia: estamos exatamente no curso da pandemia”, continua a professora.

Prazo de progressão de fase é reduzido de quatro para duas semanas

Além do retorno compulsório, outra alteração importante da nova versão do Plano USP é a introdução do conceito de “bolha sanitária”, que “refere-se à criação de grupo de servidores técnicos e administrativos que retomarão as atividades presenciais no mesmo dia”. De acordo com o documento, “ao restringir os grupos de pessoas contactantes presentes no mesmo dia de trabalho, a transmissão poderá ser controlada de modo focal na eventualidade de contágio”.

A composição da “bolha sanitária” ficará a critério do dirigente de cada unidade ou órgão, que poderá organizar as atividades escalando os 20% de servidores que trabalharão presencialmente por dia, formando os grupos por semana ou “garantindo o número total de horas mensais no trabalho presencial, que corresponda ao equivalente de ao menos um dia de trabalho por semana”.

O número total de funcionária(o)s que vão atuar presencialmente “aumentará gradual e progressivamente” com o avanço das fases do plano. Em outras palavras, prossegue o documento, o tamanho da “bolha sanitária” aumentará “acompanhando o controle da situação epidemiológica”.

De acordo com o Plano USP, o conceito de “bolha sanitária” é recomendado (grifo do original) “por profissionais da saúde”. A referência vaga também é questionada por Domingos Alves. “Quais profissionais? Há médicos que recentemente recomendaram a cloroquina e disseram que a vacina contra a Covid-19 não serve para nada”, aponta.

Todas as medidas do plano da universidade se baseiam no cenário epidemiológico traçado pelo Plano SP, do governo estadual, que desde o dia 1/6 prevê “a retomada consciente dos setores da economia”. De acordo com o mapa do governo, várias regiões do Estado, incluindo a Grande São Paulo, já se encontram na chamada “fase verde”, com menores restrições — o que, para os formuladores do Plano USP, evidencia um “cenário epidemiológico mais favorável”.

O GT PRAA estabeleceu ainda que a progressão de fase para o retorno às atividades na USP terá o prazo reduzido de quatro para duas semanas após a mudança correspondente no Plano SP.

Essas premissas também são questionadas pelo professor da FMRP. “O Plano SP não pode ser utilizado como parâmetro de risco, porque privilegia os fatores econômicos. Ora, estamos numa universidade! Não existe nenhum pressuposto de retomada econômica na universidade”, afirma Domingos Alves. Além disso, considera, “o Plano SP não é baseado em evidências científicas para as mudanças de fases”.

Entre as suas novidades, o Plano USP incluiu também o conceito de “condições clínicas de risco” para determinar quais os grupos de servidora(e)s que não devem retornar às atividades presenciais e permanecer em teletrabalho.

São as  pessoas com cardiopatias graves ou descompensadas; pneumopatias graves ou descompensadas (dependentes de oxigênio, portadores de asma moderada/grave, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica – DPOC); imunodepressão; doenças renais crônicas em estágio avançado; diabetes descompensadas; e as gestantes de alto risco, puérperas e lactantes. Podem retornar ou manter o teletrabalho servidora(e)s com 60 anos ou mais que não apresentem condições clínicas de risco.

O novo quadro deixa a professora Elizabete Franco “bastante perplexa”. “Sei que o trabalho é fundamental na vida da maioria das pessoas, inclusive na minha vida, mas às vezes parece que o trabalho é mais importante do que a própria vida. Contudo, se não estivermos vivos, como poderemos trabalhar? Seguir assim só nos conduz à perspectiva de que a nossa vida é mesmo uma pequena peça, substituível na engrenagem que segue a qualquer custo”, afirma.

Seria necessário “voltarmos para o passo anterior”, sugere a docente da EACH. “Chega de precariedade na existência. A universidade tem que dar o exemplo. Vamos superar a desigualdade social com educação pública de qualidade acessível a todos(as), e não colocando em risco uma parcela de pessoas da universidade”, diz.

FE e FFLCH questionam retorno compulsório e desconsideração de situações específicas

O documento divulgado no dia 27/10 sucede uma versão preliminar, que circulou de forma limitada na comunidade a partir do dia 20/10 com o aviso de que se tratava de um “draft” para avaliação e debate. Essa versão preliminar foi rebatida por posicionamentos emitidos por algumas unidades.

Na Faculdade de Educação (FE), por exemplo, houvevários questionamentos numa reunião convocada pelo diretor da unidade, professor Marcos Neira. “O principal deles diz respeito à ideia de aplicar de modo uniforme um mesmo plano de retomada para unidades com características distintas”, diz Neira num áudio divulgado após a reunião. “Entendo que na FE os trabalhos estão bem organizados, as atividades têm sido realizadas de modo satisfatório e a presença obrigatória de cada funcionário um dia por semana na unidade dificultará o bom andamento das tarefas.”

O diretor encaminhou um ofício ao vice-reitor detalhando a organização da unidade e reivindicando a autonomia da direção para definir as ações até que existam condições para um retorno seguro, evitando-se a exposição desnecessária ao risco.

“A pandemia continua exigindo cuidados sérios, pois ainda não se dispõe de tratamentos eficientes e acessíveis a todos. Obstáculos de natureza política ou soluções mágicas não comprovadas continuarão produzindo ruídos e atrapalhando a tomada de decisões”, afirma Neira.

A Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) apresentou objeções ao documento da Reitoria similares às da FE. Em manifestação aprovada na sua reunião de 29/10, “tendo em vista a Atualização do Plano USP para Retorno Gradual das Atividades Presenciais (‘Sétimo Documento’)”, a congregação aponta que “o caráter compulsório do retorno presencial proposto, mesmo nas proporções nele fixadas, desconsidera as especificidades de setores do trabalho técnico-administrativo que, desde o início da pandemia, vem sendo desenvolvido com eficiência de modo remoto na FFLCH. Nada justificaria, portanto, expor esses funcionários a um risco desnecessário”.

Assim, continua, “a Congregação se posiciona pelo respeito às diversas realidades das unidades e aprovará, em próxima reunião, um documento analítico e de planejamento local conforme suas reais necessidades considerando, para tanto, o princípio de proteger e preservar os direitos à saúde e à vida de toda comunidade ligada direta e indiretamente à Universidade de São Paulo”.

Saúde Pública defende flexibilidade para unidades e sistema de monitoramento

A Congregação da Faculdade de Saúde Pública (FSP) também manifestou-se em relação ao chamado draft. De acordo com o colegiado, a universidade deveria “evitar o caráter compulsório da retomada das atividades presenciais em favor de uma política gradual e que dê flexibilidade às unidades; substituir a expressão grupo de risco pelo conceito de fatores de risco; considerar em seus planos de retorno a possibilidade de aumento da transmissão da doença; construir um sistema de vigilância e monitoramento do SARS-CoV-2/Covid-19; precaver-se quanto às potenciais implicações trabalhistas, dado que a Covid-19 poderá ser caracterizada como uma doença relacionada ao trabalho”.

O draft divulgado no dia 20/10 já trazia a determinação da volta compulsória e o conceito de “bolha sanitária”. O conceito de “grupo de risco”, por sua vez, foi alterado para o de “condições clínicas de risco”, de certa forma incorporando a manifestação da FSP, e foi suprimida a determinação de “testagem sorológica de todos os membros da comunidade universitária em atividade presencial e profissionais de serviços terceirizados continuados”. Como descrito anteriormente, o protocolo de testes será explicitado em documento em separado e terá caráter opcional, nas palavras do vice-reitor e coordenador do GT PRAA.

Entretanto, servidora(e)s da USP já têm recebido mensagens por e-mail que comunicam que a USP “está disponibilizando a coleta do teste sorológico para a Covid-19”. A coleta será realizada no Hospital Universitário (HU) ou UBAS. A mensagem não esclarece os critérios utilizados para a escala de convocação e distribuição da(o)s servidora(e)s para a coleta, e se há alguma espécie de prioridade nessa lista.

O Informativo Adusp enviou na quarta-feira (28/10) à Superintendência do HU uma série de questionamentos a respeito da coleta. Além de perguntar sobre as eventuais prioridades para a convocação, a reportagem questionou se toda(o)s servidora(e)s docentes e técnico-administrativa(o)s serão testada(os); se haverá coleta de exame também para toda(o)s a(o)s trabalhadora(e)s terceirizada(o)s; qual o prazo estimado para a conclusão da coleta; se o procedimento já integra o Plano USP de retorno; quais serão as medidas adotadas no caso de resultado positivo de servidor(a) e como será administrada a questão do sigilo e da privacidade dos dados em relação ao resultado dos testes, especialmente nos casos positivos.

A questão da privacidade e do uso dos dados é uma preocupação também em relação ao aplicativo que, de acordo com o plano, fará “o monitoramento diário das condições de saúde” da(o)s servidora(e)s.

Até o momento da publicação desta matéria a Superintendência do HU não havia se manifestado.

“Desigualdade de tratamento na universidade é gritante”, apontam servidores do IP

A divulgação da nova versão do Plano USP vem suscitando repúdio de vários setores da comunidade universitária. O tom geral é de condenação à exposição precoce e desnecessária de servidoras e servidores ao risco, somada à constatação de que atividades essenciais foram mantidas e outras vêm sendo realizadas de forma remota, sendo portanto desnecessário o retorno precisamente no momento em que o semestre acadêmico se aproxima do final.

Na quinta-feira (29/10), o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) realizou uma carreata no câmpus do Butantã em protesto contra o retorno compulsório. O Sintusp critica especialmente a inclusão de gestantes e pessoas com 60 anos ou mais entre asque terão que retornar ao trabalho, além de as chamadas “condições clínicas de risco” só considerarem os casos graves. O sindicato lembra que ao menos sete servidores efetivos e cinco terceirizados que trabalhavam na USP morreram vitimados pela Covid-19. Uma assembleia geral da categoria está prevista para 5/11, “quando decidiremos como reagir diante das barbaridades apresentadas pelo Plano USP da Reitoria”, e tendo como indicativo “realizarmos uma Greve Sanitária, prevista em lei, demonstrando que a vida dos trabalhadores está em risco”.

Os servidores do Instituto de Psicologia (IP) divulgaram uma carta aberta na qual afirmam que “gera indignação que uma universidade pública do porte da USP e que reivindica publicamente a defesa da democracia no país e os preceitos de respeito à Constituição, trate com tamanho descaso a saúde de todas as trabalhadoras e de todos os trabalhadores e de suas famílias e comunidades, assim como com imensa desigualdade de tratamento e de direitos com relação a docentes e estudantes”. O documento detalha essa acusação: “A desigualdade de tratamento dentro da universidade é gritante. Os trabalhadores terceirizados mal tiveram direito a qualquer isolamento social, com muitos sofrendo demissões em meio à pandemia. Os efetivos, por sua vez, demoraram para serem dispensados, e agora pretende-se obrigar uma volta compulsória sem qualquer diálogo ou demonstração de necessidade. As atividades que envolvem majoritariamente os docentes, como aulas e reuniões de colegiados, no entanto, permanecerão (corretamente) ocorrendo de maneira remota por tempo indeterminado”.

Os servidores da Faculdade de Direito (FD) também publicaram uma carta aberta. “São ofensivas as frequentes menções a uma necessidade da universidade voltar a funcionar quando, em realidade, nunca parou! Mais do que nunca ter parado, são muitos os funcionários que relatam ter aumentado sobremaneira sua carga de trabalho, inclusive aos finais de semana, feriados e além do horário de trabalho regular. Houve um esforço imenso por parte dos funcionários para garantir, com todas as dificuldades existentes – da reorganização de processos de trabalho ao uso de recursos próprios, passando pela ausência de mobiliário adequado –, que a universidade seguisse funcionando e que os prejuízos fossem mínimos”, diz a carta.

O Fórum das Seis divulgou uma nota no dia 26/10, considerando os planos de retorno às atividades presenciais também na Unesp, na Unicamp e no Centro Paula Souza. “Para que a pressa em obrigar os servidores a retornar agora, quando a pandemia ainda égrave, colocando suas vidas e as de seus familiares em risco?”, questiona. “É preciso considerar o fato de que, embora muitos não estejam nos grupos de risco, residem com pessoas nesta condição. Retomar as atividades presenciais implica na ampliação dos perigos de contágio (no trajeto, no transporte coletivo, no contato com outros servidores) e, como consequência, cresce a chance de ‘levar’ o vírus para casa.A quem caberá o ônus de novos surtos da doença a partir deste precoce retorno? Quem responderá pelas mortes que podem ocorrer?”

O Fórum defende que os dirigentes das instituições “estabeleçam um diálogo franco e democrático com as entidades representativas da comunidade acadêmica, para que sejam construídos, conjunta e coletivamente, os caminhos para a superação das graves tribulações que o cenário da pandemia da Covid-19 nos impõe”.

Nota da Diretoria da Adusp sobre a sétima versão do Plano USP

“Já passou da hora desta Reitoria compreender que, em um momento tão singular como o que estamos vivenciando, a única coisa que se impõe, de fato, é a democratização dos processos de decisão”, diz a Diretoria da Adusp em nota emitida nesta terça-feira (3/11) a propósito da sétima versão do Plano USP. A seguir a íntegra da nota:

“A Diretoria da Adusp repudia o modo como a Reitoria tem definido as medidas que devem compor a retomada das atividades presenciais. Impõe, sem escutar as unidades e sem considerar as especificidades de cada campo de atuação, a volta compulsória da maioria da(o)s servidora(e)s técnico-administrativa(o)s sem qualquer justificativa para a adoção de tais medidas.

Se o retorno das aulas presenciais não está no horizonte próximo, qual seria a justificativa para o retorno compulsório da maioria da(o)s funcionária(o)s técnico-administrativos? Por que impor tratamento tão desigual a diferentes setores da universidade?

Mais ainda, a Reitoria o faz sem que nenhuma discussão esteja sendo promovida sobre como reverter a realidade cada vez mais presente de turmas extremamente numerosas, o que certamente dificultará qualquer plano de retomada das aulas presenciais no próximo ano.

Já passou da hora desta Reitoria compreender que, em um momento tão singular como o que estamos vivenciando, a única coisa que se impõe, de fato, é a democratização dos processos de decisão”.

EXPRESSO ADUSP


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