Defesa da Universidade
Janaina Paschoal pede “regime de urgência” para projeto de lei que suspende pagamento a docentes da USP, Unesp e Unicamp durante a pandemia
Foto: Alesp
Docente da Faculdade de Direito da USP, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL) protocolou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) no último dia 8/6 requerimento para tramitação em regime de urgência do projeto de lei (PL) 151/2021, de autoria do deputado Frederico d’Avila (PSL), que autoriza o governo a suspender o pagamento dos salários de várias categorias de servidores públicos — incluindo os reitores e docentes das universidades estaduais paulistas — durante o período em que perdurar o estado de calamidade decorrente da pandemia da Covid-19.
O projeto de d’Avila, protocolado no dia 18/3,estabelece a suspensão total de pagamento dos salários quando o Estado estiver na fase vermelha do Plano SP e a redução de 50% durante a fase laranja.
São os seguintes os alvos do deputado, além dos reitores e professores universitários: governador, vice-governador, secretários, secretários adjuntos, chefes de gabinete, deputados estaduais, presidentes de autarquias, defensores públicos, promotores de Justiça, juízes de direito e procuradores de Justiça. O texto exclui “profissionais da área da saúde e da segurança pública”, assim como “todo o funcionalismo, terceirizado ou não, de que dependa sua estrutura funcional”.
“É preciso que os órgãos públicos se adaptem à realidade econômica do estado e atenda[m] os anseios da população que, constantemente se manifesta inconformada com os gastos com o funcionalismo público enquanto vivencia a diminuição da renda familiar, quando não a perda do emprego”, diz a justificativa do projeto, na canhestra redação que caracteriza todo o texto.
“Se podem trabalhadores, comerciantes e empresários absterem-se de seus rendimentos, com maior razão, podem funcionários públicos de altos cargos, e, ante o múnus público que exerce, apoiar a coletividade desse momento de cruel crise pandêmica”, prossegue a justificativa. À demagogia, como se nota, soma-se visível déficit lógico e gramatical.
Autor do projeto é defensor do agronegócio, monarquista e bolsonarista
Adversário figadal do governador João Doria (PSDB), d’Avila foi uma das lideranças envolvidas na organização do “tratoraço” promovido em janeiro por entidades do agronegócio contra o aumento das alíquotas do ICMS determinado pela lei 17.293/2020.
Na sua página no Facebook, na qual apresenta-se como “produtor rural”, “monarquista, eleito com a força do agronegócio, do Sudoeste Paulista e de Jair Bolsonaro”, o deputado aborda seguidamente o projeto e critica sua tramitação morosa. “Pela décima primeira semana consecutiva, não entra em pauta na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o meu projeto de lei 151/2021, que durante o período crítico da pandemia, reduz e corta integralmente salários de funcionários que ocupam altos cargos do poder público”, publicou d’Avila no dia 12/6. “POVO PAULISTA: pressione os seus deputados estaduais e o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo!”, conclamou.
Numa postagem no dia 9/6, escreveu: “Os trabalhadores perderam sua renda porque foram impedidos de trabalhar, portanto, é uma questão moral que as autoridades responsáveis também sintam no bolso as escabrosas consequências de suas decisões. Caso o governador e seus secretários, os juízes, promotores e deputados estaduais, sofressem na pele o que impõem ao povo, sabemos que essas medidas restritivas seriam dissolvidas num piscar de olhos!”
Em março, poucos dias depois de apresentar o projeto, escreveu que o PL 151 visa a “corrigir algo que é mais que uma injustiça comum: configura uma verdadeira crueldade que os altos cargos públicos, diretamente envolvidos com a imposição e manutenção das fases mais restritivas do Plano São Paulo, não sofram as consequências dessas arbitrariedades injustificáveis, como vem sentindo na pele a esmagadora maioria da população, formada por contribuintes que sustentam todos esses salários”.
Caberia perguntar ao deputado em que medida professores universitários e defensores públicos, por exemplo, estão “diretamente envolvidos” com o que qualifica de “arbitrariedades injustificáveis”. Ao contrário do que a visão ideológica distorcida do parlamentar supõe, a academia foi pouco ouvida na formulação do Plano SP — e as universidades estão na linha de frente na luta pela vida e contra os efeitos perversos da pandemia, produzindo pesquisa e provendo serviços essenciais à saúde em seus hospitais, para citar apenas dois exemplos.
No dia 23/3, arriscando-se no terreno da ciência política, d’Avila escreveu que “não faz parte da Democracia um poder público que é imune ao que impõe à população”. “Na realidade, trata-se de uma característica distintiva de regimes autoritários e socialistas”, arrematou, com a indefectível escala nos “delírios comunistas” tão citados por seguidores de Bolsonaro.
A página do deputado no Facebook dá uma espécie de curso intensivo de bolsonarismo e negacionismo em relação à pandemia, com críticas às propostas de lockdown e às restrições de abertura do comércio e de serviços. Abundam louvações ao porte de armas e à Polícia Militar, além de uma verdadeira obsessão com tudo o que diga respeito à Venezuela.
Há até elogios à atuação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que na célebre reunião ministerial de 22/4/2020 defendeu aproveitar o “momento de tranquilidade”, uma vez que o foco da cobertura da imprensa estava na Covid-19, para “ir passando a boiada” com “reformas infralegais de desregulamentação”.
Um dos resultados mais nefastos dessas ações é o avanço ininterrupto do desmatamento no país. Em abril de 2021, exatamente um ano após o discurso da “passagem da boiada”, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou recorde de desmatamento na Amazônia, com índice de devastação 43% superior ao de abril do ano passado.
No início de junho, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a instauração de um inquérito para investigar Salles pela prática dos delitos de advocacia administrativa, obstar ou dificultar a fiscalização ambiental e impedir ou embaraçar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. A ministra atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República a partir da Operação Handroanthus, da Polícia Federal, que resultou na apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas na Amazônia.
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