No último dia 23 de maio, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) publicou no Diário Oficial do Estado de São Paulo o decreto 68.538/2024, que “institui o Plano São Paulo na Direção Certa, que dispõe sobre diretrizes e ações a serem implementadas para modernização da Administração Pública estadual, expansão do investimento, eficiência do gasto público e redução de despesas correntes, e dá providências correlatas”.

O plano exclui expressamente, no parágrafo único do artigo 1o do decreto, as universidades públicas estaduais, certamente porque são autarquias de regime especial e gozam de autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial, conforme previsto na Constituição Federal e nos decretos estaduais 52.326/1969 (USP), 52.255/1969 (Unicamp) e 9.449/1977 (Unesp).

De acordo com o site do governo estadual, as diretrizes gerais da iniciativa “apontam o caminho a ser seguido para tornar o Estado mais eficiente, com maior capacidade de atração de investimentos e geração de oportunidades”. O texto traz uma declaração grandiloquente do governador sobre o novo plano: “O ‘São Paulo na Direção Certa’ é o farol que guiará todas as mudanças e melhorias em prol da eficiência na gestão, da otimização do gasto público e da promoção de investimentos. Vamos rever incentivos e estruturas ineficientes e acionar todas as alavancas necessárias para tornar o Estado mais competitivo e indutor do desenvolvimento”.

O decreto 68.538/2024 determina que os órgãos da administração direta apresentem, em até noventa dias, um plano para a redução de despesas correntes e a revisão de contratos. A Casa Civil, no entanto, terá apenas 30 dias para elaborar um “anteprojeto sobre a reestruturação das agências reguladoras, estabelecendo normas de autonomia e independência para a gestão e seus respectivos gestores”.

A Secretaria de Fazenda e Planejamento, a quem caberá a “renegociação da dívida do Estado com a União”, terá noventa dias para apresentar ao governador um plano que “modernize a relação do Fisco com os contribuintes e avalie os benefícios fiscais e tributários”, levando em conta a meta de “garantir a continuidade das isenções que efetivamente contribuam ao desenvolvimento dos setores produtivos, gerando investimentos, empregos e renda”.

O decreto de Tarcísio cria um novo órgão deliberativo, sintomaticamente denominado “Conselho Gestor da Política Estadual de Ajuste Fiscal”, embora o plano envolva também, como visto, expansão dos investimentos, modernização da administração e geração de empregos e renda. O Conselho Gestor será composto pelos secretários Arthur Lima (Casa Civil), Samuel Kinoshita (Fazenda e Planejamento), Caio Paes de Andrade (Gestão e Governo Digital), Jorge Lima (Desenvolvimento Econômico) e por Paulo Sérgio de Oliveira Costa (Procuradoria Geral do Estado).

O artigo 18 do decreto, que define os parâmetros da “modernização administrativa”, por meio da “atualização do modelo de gestão da Administração Pública estadual”, faz lembrar, por suas ambições e implicações, o PL 529/2020 do governo João Doria-Rodrigo Garcia (PSDB), incluindo, “ao menos”, as seguintes ações: “extinção e reestruturação de órgãos e entidades”; “revisão de estruturas administrativas”; “revisão das políticas de pessoal”; “auditoria e modernização da folha de pagamento”; “melhoria da regulamentação e dos sistemas de compras públicas e contratos”; instituição de uma Central de Compras; automação de procedimentos e serviços, “em linha” com o decreto 67.799/2023.

“Para a extinção e reestruturação de que trata o inciso I deste artigo”, reza seu parágrafo primeiro, “deverá ser apresentado anteprojeto de lei, pela Casa Civil”, no prazo de 60 dias contados da edição do decreto. Este curtíssimo prazo, como os demais, dá a entender que Tarcísio pretende levar a cabo a nova reforma “a toque de caixa”.

Outro aspecto do plano é que mistura questões do serviço público com outras de remetem a interesses e preocupações do mercado privado. Assim, no seu artigo 6º, que trata da “expansão de investimentos”, estipula-se que se ela se dará “por iniciativas de qualificação da infraestrutura, ampliação e contínua melhoria do ambiente de negócios [sic] no Estado de São Paulo, garantidas a ampla competitividade, a estabilidade regulatória, a previsibilidade institucional e a segurança jurídica”.

Parlamentares da oposição apontam contradições e ataque ao serviço público

O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) considera o novo plano de Tarcísio “uma nova farsa de reforma administrativa envolvendo diretrizes e questões como horas extras, venda de prédios públicos, extinção de fundações públicas, entre outras maldades”, e apresentou um projeto de decreto legislativo (PDL 25/2024) com a finalidade de “revogar os efeitos desse decreto absurdo”.

No dia 24 de maio, Giannazi subiu à tribuna para fazer um rápido pronunciamento contra o decreto 68.538/2024. “Estamos perplexos porque foi publicado no Diário Oficial um decreto do governador Tarcísio colocando já em curso, preparando, uma nova reforma administrativa, que vai privatizar equipamentos públicos, que vai implantar a securitização, que desvia recursos do Orçamento estadual, sobretudo da área da Educação e da Saúde”, destacou o parlamentar do PSOL.

De acordo com ele, está em curso “mais um ataque contra os servidores públicos, que terão mais direitos retirados”, e também um ataque aos serviços públicos destinados a atender à população. “Mas nós vamos reagir à altura a esse ataque”, declarou o deputado, que recentemente, ao denunciar na Alesp que alguns imóveis públicos de grande importância haviam sido literalmente colocados à venda no site da Secretaria de Gestão e Governo Digital, levou o Palácio dos Bandeirantes a recuar e tirar a página do ar.

Consultado sobre o decreto 68.538/2024 pelo Informativo Adusp Online, o advogado e jurista Márcio Sotelo Felippe, ex-procurador-geral do Estado, avalia que o plano “São Paulo na Direção Certa” é uma “medida deseducativa”, por sinalizar a concessão de benefícios a devedores tributários: “Não paguem, que depois o governo dá descontos e anistias. Podem pagar também com precatórios, que no mercado hoje têm deságios de 60% a 70%”, pontua. “O restante do decreto parece ser a típica política neoliberal de diminuição do tamanho do Estado”, resume.

“O governador tem interesse em expandir investimentos, mas elaborou LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] com previsão de redução de 12% dos investimentos em 2025 (de R$ 28,7 bilhões em 2024 para R$ 25 bilhões em 2025), em que pese as receitas estarem aumentando”, adverte, em nota, a bancada da Federação PT/PCdoB/PV. “Para 2025, ele reduz o investimento para aumentar o superávit, que será de R$ 15 bilhões, 300% acima do superávit projetado para 2024 (R$ 3,7 bilhões). Possivelmente, está de olho na expansão de investimentos apenas para 2026”.

Também é preocupante “o fato de que ampliar parcerias para investimentos com o setor privado precisa ser algo muito bem planejado e regulado, para que não vejamos se repetir exemplos tais como a concessão das Linhas 8 e 9 da CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos], com a Via Mobilidade, que piorou a qualidade do serviço prestado”, acrescenta a Federação. “Expansão de investimentos não pode se dar às custas da precarização do serviço para a população”.

No tocante à redução de despesas correntes e a melhoria da efetividade do gasto, a nota considera importante o estudo sobre a racionalização do gasto público e, especialmente, a revisão dos benefícios fiscais. “Essa é uma bandeira histórica que fazemos na Alesp, para que os benefícios possam ser continuamente revisados e se mantenham apenas aqueles que façam sentido para o desenvolvimento econômico do estado e manutenção dos empregos, que entreguem resultados sociais”. No entanto, pondera, embora apresente essa intenção no decreto, “o governador enviou à Alesp uma LDO que prevê aumento de cerca de 12% no montante de benefícios fiscais concedidos, que será de R$ 71,5 bilhões em 2025, ante o montante de R$ 63,9 bilhões em 2024”.

Apenas em 2023, seu primeiro ano de governo, “Tarcísio concedeu benefícios que terão um impacto de R$ 827 milhões em 2025”. Mais de 80% desse valor, assinala a nota, referem-se “às renúncias concedidas naquele ano em razão de desonerações às sementes de soja e produtos similares a produtores rurais, do setor de agronegócio ao qual o governador vem fazendo acenos”.

No que diz respeito à modernização da administração pública, a federação oposicionista observa que o governador não aponta, no decreto, quais órgãos pretende reestruturar ou extinguir, mas que são preocupantes acenos que ele tem feito “ameaçando a Fundação Padre Anchieta, a FURP [Fundação para o Remédio Popular], a Fundação Casa, órgãos de relevância para o estado com pretensões de extinção fundadas muito mais em convicções político-ideológicas do que em evidências técnicas que mostrem que esse serviço pode ser extinto ou ter a sua prestação modificada sem afetar a sua qualidade”.

Quanto à redução de despesas com pessoal, a nota da Federação PT/PCdoB/PV aponta “a precarização em massa do serviço público” que o Estado vem sofrendo, “com a aposentadoria de servidores e a não reposição de quadros, sem concursos públicos”, bem como a estrutura salarial defasada, que não retém bons quadros. “Em muitas carreiras, como na Assistência Social e na Segurança, os salários paulistas figuram nas piores posições do país. Sem servidores, a máquina não funciona”.

EXPRESSO ADUSP


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