Espalha-se pela USP um sentimento de indignação diante das interferências indevidas no processo de avaliação para fins de progressão horizontal na carreira docente. Depois que a imposição de notas de corte (a chamada “fração niveladora”) bloqueou a promoção de muitos docentes em diferentes unidades, tornou-se evidente que eles foram objeto de um ranqueamento, não preconizado na resolução 5.927, que reformou a carreira.

Misto de desapontamento e revolta, a sensação de mal-estar chegou a unidades como o Instituto de Química (IQ) e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), após passar até pelo Conselho de Cultura e Extensão Universitária (CCEx), o qual, na mesma reunião em que tomou conhecimento da renúncia de um de seus membros (que assim mostrou seu inconformismo por ter sido preterido na progressão horizontal), debateu o assunto em 10/10 e enviou à Comissão Central de Avaliação Docente (CCAD) ofício em que solicita “urgente revisão no peso das atividades de cultura e extensão dentro da avaliação docente, para fins de carreira”. 

No IQ, um texto encaminhado à CCAD por docentes em 24/10 aponta que a unidade teve apenas 36% dos candidatos à progressão horizontal aprovados plenamente e 12% parcialmente, e que tanto o IQ de São Carlos como o Departamento de Química de Ribeirão Preto exibiram resultados semelhantes. “Este percentual de aprovação, resultante da avaliação pela CAS de Química, causa estranheza ou perplexidade”, dizem os autores, questionando o fato de que a avaliação da CAS “não coincide com as avaliações externas” e que a expressão “análise comparativa”, presente nos pareceres conclusivos, leva ao entendimento de que “se tratou de um concurso em que existia um número de vagas inferior ao número de inscritos para serem promovidos”. 

A Congregação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) aprovou em 25/10, quase por unanimidade, documento já publicado pelo Informativo Adusp 354, que faz críticas aos procedimentos adotados pela CAS, pede abolição das notas de corte e listas classificatórias e sugere que “os processos da primeira etapa sejam revistos no sentido de promover todos aqueles que tiveram mérito acadêmico”. Trata-se da segunda congregação a pronunciar-se a respeito das distorções da progressão horizontal. A primeira foi a do Instituto de Geociências (IGc), que advertiu a CCAD sobre os graves riscos embutidos na fração niveladora.

Pareceristas

Na assembléia da Adusp de 6/11, depoimentos veementes de professores preteridos apontaram injustiças cometidas e incongruências metodológicas no processo de avaliação. Depois de relatar que no IQ um expressivo número de colegas, mesmo os já aprovados em concurso para professor titular, não conseguiu promoção sequer para Associado 2 na progressão horizontal, a professora Sílvia Agostinho desabafou: “Tenho 32 anos na USP e já me aposento no ano que vem. Encarei essa progressão horizontal como forma de reconhecer nosso trabalho. Estou indignada com isso”.

A professora criticou a conversão arbitrária, pela Comissão de Avaliação Setorial (CAS), dos conceitos emitidos pelos avaliadores externos em notas, para fins de comparação dos desempenhos dos docentes: “Estamos diante de um desrespeito aos próprios pareceristas”. Sílvia contou também que um dos membros da CAS lhe disse, informalmente, que seriam bem avaliados os docentes que estivessem “em ascensão”, ao que ela rebateu: “Eu não estou em ascensão!” No IQ, a nota de corte adotada pela CAS para os níveis de Professor Associado foi de 8,4.

O professor Ciro Correia, do IGc, concordou com a colega do IQ quanto ao tratamento dispensado aos pareceristas, uma vez que em vários casos a avaliação consolidada pelas comissões setoriais não corresponde, em absoluto, à avaliação feita por eles: “Estão dando um passa-moleque nos pareceristas. Tem parecerista dizendo que está surpreso com o que vem acontecendo”.

A professora Marly Namur, da Facul­dade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), relatou em detalhes o ocorrido na unidade depois que a Comissão de Avaliação Setorial de Arquitetura, Urbanismo e Design resolveu elevar a nota de corte da pro­­gressão setorial de 5 para 7 para Professor Doutor 2 e para Professor Associado 2 (Informativo Adusp 354), chegando a 8,5 para Professor Asso­cia­do 3. “O que aconteceu na FAU foi um verdadeiro escândalo. A maio­ria dos bem avaliados tirou nota 6 ‘vírgula alguma coisa’ e não foi aprovada. Os professores foram humilhados. A fração niveladora derrubou 21 professores, porque a CAS transformou conceitos em notas”.

 

Uma professora do Departamen­to de Estatística do IME apontou falhas técnicas nos ques­tio­ná­rios utilizados para a avaliação. Para ela, em alguns casos de aplicação do conceito “insuficiente”, o correto teria sido utilizar, por exemplo, “não se aplica”. Ela também relatou como se deu o emprego da fração niveladora no IME: “Misturaram doutores com associados e ordenaram os 115 candidatos numa lista única. Os primeiros 59 foram aprovados”.

Recurso

O professor Ciro anunciou na assembleia que impetrou na CCAD um recurso contra a sua preterição, no qual aponta a disparidade entre os pareceres, que lhe foram favoráveis (atribuindo-lhe repetidas vezes os conceitos “bom”, “muito bom” e “excelente”), e a avaliação final recebida da CAS de Ciências da Terra. “Em flagrante antagonismo à média obtida pelo candidato, segundo os critérios estipulados pela CAS” (que foi de 3,7 em 5) “e em desacordo frontal com as manifestações de todos os pareceristas”, argumenta o recurso, “con­clui o relator que no conjunto… as atividades do interessado não satisfazem os critérios para a progressão na carreira (sic)!”  (http://goo.gl/WkEXS)

O recurso prossegue indagando: “Como é possível tamanha discrepância entre o que consta dos pare­ceres dos assessores designados pela própria CAS — registre-se: todos professores titulares com atuação científica na área do candi­da­to (mineralogia e petrologia), reco­­nhecidos nacional e internacio­nalmente quanto às suas trajetórias acadêmica e de gestão uni­ver­sitária — e a conclusão do rela­tor?!”

Na assembleia, o professor do IGc destacou o fato de que fracassou a pretensão da Reitoria de não fornecer aos interessados os pareceres integrais do processo, depois que a Procuradoria Geral da USP admitiu que não há base legal para reter esses documentos (http://goo.gl/pCO91). Desse modo, a estratégia de aplicar a fração niveladora “ou de atribuir às CAS poder efetivo de decisão por meio de pareceres conclusivos totalmente dissociadas dos pareceres dos avaliadores externos foi desmascarada”, pondo a nu o que ele chamou de “processo espúrio, que não é para avaliar, mas para controlar e direcionar o trabalho docente de modo centralizado”.

No CCEx, o estopim da discussão foi a apresentação de uma carta encaminhada à pró-reitora Maria Arminda Arruda pelo professor associado Rubens Angulo Filho, do Departamento de Engenharia de Biossistemas (Área de Topografia e Geoprocessamento) da Esalq, na qual ele comunica seu desligamento do conselho e de todas as suas atividades nesta área, em caráter irrevogável, por não ter sido contemplado em seu pedido de progressão na carreira, apesar de sua reconhecida atividade na área.

A carta desencadeou um debate. Diversos docentes comentaram que também não haviam sido contemplados na progressão e que o peso das atividades de cultura e extensão é menor que o de outras áreas. Assim, o conselho e a pró-reitora concordaram com o envio de uma carta à CCAD (http://goo.gl/rZidg).

Radicais

O lance mais surpreendente, no crescente conflito desencadeado pelas avaliações vinculadas à progressão horizontal, foi a carta enviada pela CAS Química à CCAD em 23/10. No documento, os membros da comissão setorial, tendo à frente seu presidente, professor Luís Henrique Catalani, manifestam contundente defesa da fração niveladora, cuja aplicação a própria CCAD já desautorizou oficialmente dois meses antes.

A CAS Química expressou seu “total desapontamento frente ao resultado publicado e, portanto, homologado pela CCAD, de outras CAs que se recusaram a acatar o fator nivelador, proposto pela CCAD e aceito pelas CAS por ocasião da discussão da metodologia do processo”. Trata-se claramente, prossegue a carta, “de uma quebra de isonomia na USP, que trará consequências danosas ao convívio universitário, além de minar definitivamente a própria proposta do processo de Progressão de Nível, baseada no mérito”. 

Depois de informar que responde pela avaliação da maioria dos químicos da USP, “que atuam em três cursos de pós-graduação conceito Capes nível 7 e um nível 5”, a CAS diz haver trabalhado “com seriedade e retidão dentro do prazo e do horizonte definido pelo acordo, mesmo sabendo que, comparativamente, outros departa­men­tos e áreas estariam, segundo qualquer outro conjunto de parâmetros, em níveis inferiores”, e que a CCAD “teve em suas mãos a responsabilidade de barrar este desnivelamento, que deveria ter sido evitado a todo custo”. No entanto, conclui, a “visão que ficou para os avaliados é de confusão, frustração e injustiça”, e a da CAS Química, “de fracasso”. 

Por fim, a comissão setorial propõe à CCAD uma “repactuação do modelo”, de forma a preservar seu espírito original: “Continuamos defensores da fração niveladora, mas consideramos inaceitável o prejuízo da área da química em uma análise comparativa com outras áreas da Universidade”. 

A interpretação da CAS não consegue responder, contudo, ao principal questionamento formulado pelos docentes: “em todas as ocasiões em que o IQ pleiteou cargos de Professor Titular junto à Reitoria, o principal argumento utilizado fazia referência explícita à excelência de seu corpo de professores associados, grande parte deles impedidos de ascensão na carreira unicamente em razão da limitação de cargos … portanto de se estranhar que no momento em que se abre a oportunidade para o reconhecimento formal dessa excelência, por tantas vezes aclamada e usada como argumento político, negue-se de forma tão incoerente a sua existência, elegendo apenas um número reduzido de docentes como aptos à progressão horizontal na carreira”.

Rever o processo

Mais uma vez, fica evidente que procedimentos de avaliação não transparentes, centralizados e levados a cabo de modo desvinculado dos departamentos e unidades podem servir a finalidades várias, menos a de valorizar a diversidade de talentos e perfis, que no conjunto são responsáveis pelas virtudes da Instituição. É preciso rever esse processo, corrigir as injustiças, valorizar o trabalho coletivo e apontar para procedimentos consagrados de avaliação e promoção na carreira, que por mais limitações que possam ter, são passíveis de aferição pública. Parece que há evidências de sobra a favor de bancas com defesa e julgamentos públicos dos memoriais com relação ao malfadado procedimento em curso.

 

Informativo nº 355

EXPRESSO ADUSP


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