Debate
Ribeirão Preto relembra 1968 e repudia Ditadura
Cerca de 120 pessoas compareceram ao auditório da Bioquímica da FMRP |
Testemunhos marcantes sobre o movimento estudantil da época, a repressão militar, as comissões paritárias e o impacto do Ato Institucional número 5 (AI-5) foram o eixo do debate “1968 em Ribeirão Preto e no Campus da USP”, organizado pela Regional Ribeirão Preto da Adusp e realizado em 27/11 na Faculdade de Medicina (FMRP-USP).
Durante o debate foi homenageado, in memoriam, o professor Hélio Lourenço de Oliveira (1917-1985), da FMRP, que em 1968, na condição de reitor em exercício, estimulou a discussão da reforma do Estatuto da USP pelas comissões paritárias — e terminou cassado pelo AI-5, em 1969.
A primeira convidada a falar foi Áurea Moretti, estudante de enfermagem em 1968, depois presa política. “A arma principal era a gente mesmo”, afirmou, dando ênfase ao papel da militância nos conflitos com o regime. Áurea, que integrava um grupo de expressão regional, as “Forças Armadas de Libertação Nacional” (FALN), destacou o apoio recebido da Igreja Católica.
Ela mostrou como repercutiu na cidade o assassinato, no Rio de Janeiro, do estudante Edson Luís, atingido por tiros da polícia: por exemplo, uma edição extra do jornal mimeografado O Berro, trazendo a notícia, rapidamente esgotou-se em Ribeirão Preto.
Golpe civil-militar
Vanderlei Caixe, que também atuou nas FALN, assinalou na sua exposição a natureza do “golpe civil-militar” de 1964, que depôs o presidente João Goulart (Jango). As elites empresariais e os Estados Unidos articularam-se, disse, para barrar as propostas de Jango: reforma agrária, reforma bancária, regulamentação da remessa de lucros ao exterior e outras.
“O movimento estudantil era bastante organizado, com ótima capacidade de mobilização”, recordou Caixe, e por isso tornou-se alvo da Ditadura. A UNE foi declarada ilegal. Além disso, “acabaram com a autonomia dos centros acadêmicos e em seu lugar criaram os diretórios acadêmicos”, e procuraram implantar o acordo MEC-Usaid.
O professor Joaquim Alves de Rezende, da Faculdade de Odontologia (FORP), destacou a importância do debate: “É preciso rever a história, porque são os perdedores que contam melhor a história”. Rezende atuou na Ação Libertadora Cristã, sucessora da Juventude Universitária Católica, e realçou o papel desempenhado pelo bispo de Ribeirão Preto à época, dom Felício Vasconcelos, “que foi um homem de resistência” e chegou a excomungar policiais envolvidos com a tortura.
“Tinham-nos usurpado um dos direitos elementares, a liberdade”, afirmou o professor Wagner Ferraresi De Giovani sobre a Ditadura. Ele lembrou que 1968 foi “um ano de acontecimentos marcantes”: a rebelião estudantil de maio na França, a revolta de Praga, os diversos movimentos libertários. “A USP, como a mais importante universidade do país, contando com grandes cientistas e por isso com grande capacidade crítica, foi talvez a mais invadida pela Ditadura Militar, no sentido de ceifar o seu patrimônio humano”, salientou o professor do Instituto de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-RP).
Paritárias
O professor Antonio Waldo Zuardi, da FMRP, abordou detalhadamente a questão da reforma do Estatuto da USP e a atuação das comissões paritárias.
Ele lembrou que os estudantes não eram os únicos interessados na reforma da universidade: “A Ditadura tinha muito interesse na reforma, para implementar o acordo MEC-Usaid”, explicou.
A Congregação da FMRP constituiu, por pressão do centro acadêmico, cinco comissões paritárias, compostas por oito professores e oito alunos cada. “No dia 30 de agosto foi realizada neste anfiteatro uma grande assembléia universitária, com professores e alunos, que referendaram um projeto final de reforma universitária, produto destas comissões paritárias”, lembrou o professor Zuardi.
O cerne das propostas aprovadas era a ampla autonomia, que incluía a escolha do Reitor pela própria universidade.
No segundo semestre de 1968, reuniu-se uma comissão paritária geral da USP, com participação de um docente e um estudante por unidade. Mas a cassação de Hélio Lourenço, e sua substituição na Reitoria por Alfredo Buzaid (depois ministro da Justiça), encerraram o debate democrático na USP. Em 1969 foi aprovado um novo Estatuto, marcadamente antidemocrático e que vigoraria até 1988.
Matéria publicada no Informativo nº 273
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