Defesa da Universidade
Formulação do “Estatuto de Condutas” ignorou contribuições na perspectiva de gênero e direitos humanos, diz docente que integrou equipe assessora
“É inconcebível, a essa altura da história e após tantos aprendizados sobre a importância do respeito aos procedimentos democráticos na tomada de decisões públicas, que ainda tenhamos documentos tão importantes como esse, que afetam de modo substancial a vida da comunidade acadêmica da USP, sendo produzidos assim, sem participação, inclusive, das pessoas formalmente integrantes da equipe assessora do Grupo de Trabalho”, protesta a professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
A forma como o projeto do novo “Estatuto de Conformidade de Condutas” foi produzido e apresentado à comunidade acadêmica “é, em si, um dos seus mais graves problemas, pela carência de legitimidade democrática e de respeito a valores republicanos”, avalia a professora Fabiana Severi, docente da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) e integrante da Rede Não Cala! USP.
“É inconcebível, a essa altura da história e após tantos aprendizados sobre a importância do respeito aos procedimentos democráticos na tomada de decisões públicas, que ainda tenhamos documentos tão importantes como esse, que afetam de modo substancial a vida da comunidade acadêmica da USP, sendo produzidos assim, sem participação, inclusive, das pessoas formalmente integrantes da equipe assessora do Grupo de Trabalho”, prossegue.
A professora integrou a Equipe Assessora, para assuntos de discriminação e violência de gênero, do Grupo de Trabalho encarregado de elaborar o novo Código Disciplinar da USP. Também integravam a equipe, constituída por uma portaria assinada pelo então reitor M. A. Zago em agosto de 2017, as professoras Deisy Ventura, Eva Alterman Blay, Sonia Seger Pereira Mercedes, Soraia Chung Saura e Prislaine Krodi dos Santos e a socióloga Wânia Pasinato.
A partir de então, relata, as integrantes do grupo organizaram uma agenda de trabalho por meio do Escritório USP Mulheres e de Comissões de Gênero e de Direitos Humanos de diversas unidades da USP na capital e no interior. Desse trabalho resultaram documentos de revisão do Código de Ética da USP e de diretrizes para que gestores da USP pudessem incorporar a perspectiva de gênero e de direitos humanos no enfrentamento às violências e discriminações contra as mulheres no ambiente universitário.
Os documentos foram encaminhados em julho de 2018 para o professor Floriano de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade de Direito e coordenador do GT responsável pela reformulação do Código Disciplinar da USP. “Depois disso, tentamos por diversas vezes contato telefônico e por e-mail em busca de algum retorno e nos colocando à disposição do Grupo de Trabalho. Nunca tivemos retorno algum e nunca fomos convidadas para nenhuma das reuniões”, diz Fabiana Severi.
No entanto, como demonstrou reportagem do Informativo Adusp, o GT acabou se desarticulando e a redação do documento, então convertido num novo “Estatuto de Conformidade de Condutas”, foi assumida por Marques Neto.
De acordo com a professora, “as principais contribuições que nosso grupo quis trazer a esse processo de revisão envolvem a construção de parâmetros e de sugestões de textos que pudessem favorecer a incorporação da perspectiva de gênero e dos direitos humanos no enfrentamento às múltiplas e interseccionais formas de discriminação e violências, sobretudo contra as mulheres, ocorridas no ambiente universitário”. Nesse sentido, continua, “nossas sugestões envolveram aspectos de prevenção, investigação, reparação e sanção a tais violências, conforme preconizado pelos diversos documentos internacionais de direitos humanos”.
Na avaliação de Fabiana Severi, “o documento apresentado prevê alguns temas relativos à violência e discriminação, como assédios, agressões e preconceitos em ambiente universitário, como tipos de infração disciplinar, mas longe de uma abordagem integral e com perspectiva de gênero”.
Rede Não Cala! repudia organização de evento com uma só mulher entre 16 palestrantes
As professoras e pesquisadoras que fazem parte da Rede Não Cala! USP divulgaram na última terça-feira (15/12) uma nota na qual manifestam sua indignação com a organização do evento “Vacinas e Covid-19: uma visão multidisciplinar”, ocorrido na segunda-feira (14/12). “Das dezesseis pessoas listadas para falar nas várias sessões do evento, quinze eram homens, havendo somente uma colega mulher”, diz a manifestação.
“Muitas pesquisadoras estão envolvidas ou lideram pesquisas sobre o Sars-Cov-2 e a Covid-19 e não há justificativa plausível para tamanha disparidade de gênero em um evento cujo tema é de extrema relevância e importância. Compomos quase metade do corpo docente da Universidade de São Paulo e, inequivocamente, construímos e mantemos as atividades dessa instituição”, prossegue a nota.
As professoras e pesquisadoras reiteram que não mais aceitarão “estar sub-representadas nos vários espaços da universidade”. “Não há mais lugar na universidade, assim como na sociedade, para concepções que se pautam por lógicas preconceituosas que excluem parte de sua comunidade. Defendemos que as diversidades estejam representadas em todos os eventos e atividades universitárias!”, conclui a nota da Rede Não Cala! USP.
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