Gerson Alves Pereira Jr., ex-vice-presidente da Comissão de Implantação do curso e autor do projeto pedagógico, dera declarações sobre possível desvirtuamento do currículo. “O professor Gerson mente”, declarou e repetiu Carlos Ferreira dos Santos, diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru, em entrevista ao telejornal Enfoque Regional, propositalmente divulgada entre docentes e funcionários do câmpus local da USP

Numa entrevista concedida ao telejornal Enfoque Regional, da TV Preve de Bauru, e divulgada em 4/7, o diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), professor Carlos Ferreira dos Santos, atacou publicamente um colega da própria unidade, o professor Gerson Alves Pereira Jr., que foi o primeiro docente do curso de Medicina da FOB (iniciado em 2018), além de ter sido vice-presidente da Comissão de Implantação do curso e principal responsável pela elaboração do respectivo currículo.

Questionado na entrevista pelo apresentador Samuel Ferro — que após citar um comentário de Pereira Jr., em edição anterior do mesmo telejornal, de que o currículo do curso estaria sofrendo mudança de enfoque, indagou: “O que há de verdade nisso?” — o diretor da FOB respondeu: “Nenhuma. O professor Gerson mente”. Repetiu: “O professor Gerson mente”. Confira aqui a entrevista.

A declaração não foi acidental, tanto que na mesma data o Informativo HRAC, publicação oficial do Hospital de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC, ou “Centrinho”), trouxe como seu principal destaque a entrevista de Carlos Ferreira dos Santos, que acumula a direção da FOB com o cargo de superintendente desse hospital. O Informativo HRAC é enviado a todos os docentes e funcionários técnico-administrativos do câmpus de Bauru da USP.

“O professor Carlos perdeu a urbanidade”, declarou o professor Pereira Jr. em resposta ao diretor da FOB, em texto enviado por e-mail ao Informativo Adusp,. “Pelo que já expliquei sobre o histórico de minha participação no curso de Bauru, o professor Carlos confunde o projeto pedagógico do curso com o projeto do curso como um todo”. Ele também rebate a afirmação do diretor da FOB de que o currículo teve vários outros docentes como coautores, entre os quais a ex-diretora Maria Aparecida Moreira Machado, a Cidinha (atual pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária).

“A professora Maria Aparecida teve um papel fundamental na aprovação do curso e nas tratativas para os momentos iniciais de sua implantação. Ela, juntamente com o professor José Sebastião dos Santos (coordenador do curso), soube contornar os entreveros acadêmicos na operacionalização do projeto pedagógico inovador e integrado”. Contudo, explica o professor Pereira Jr., coube a ele próprio desenvolver esse projeto: “Entreguei o currículo pronto”.

Fui convidado a transferir meu vínculo docente para a FOB”

Foi por essa razão, aliás, que em 10/8/2017 a então diretora da FOB enviou carta à diretora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), professora Margaret de Castro, solicitando a transferência de Pereira Jr. “Fui convidado a transferir meu vínculo docente tendo em vista minha experiência em uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na construção de matrizes curriculares desde 2003”, esclarece ele no texto encaminhado ao Informativo Adusp. “Nesse período participei de sete mudanças ou implantações curriculares em vários cursos de medicina em todo o país, inclusive tendo participado de comissões do Ministério da Educação e Cultura (MEC) para essa finalidade”.

Uma vez transferido do Departamento de Anatomia e Cirurgia da FMRP para a FOB em 7/12/2017, Pereira Jr. tornou-se o primeiro professor do curso de Medicina de Bauru. Depois de um período em que fazia várias viagens por semana entre Ribeirão Preto e a sede do novo curso, em fevereiro de 2018 ele passou a residir em Bauru.

Desde o início da ideia de montagem do curso de medicina em Bauru, diz ainda o docente, “combinamos que eu entregaria um projeto pedagógico inovador e integrado com uso de diversas metodologias ativas de ensino-aprendizagem com inserção precoce dos estudantes em atividades em serviços de saúde e na comunidade, adequado às novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Medicina (2014), o que enviei ao professor Sebastião [dos Santos, presidente da Comissão de Implantação] e foi aprovado em todas as instâncias da USP”. 

A criação do curso foi aprovada em 4/7/2017. Em agosto, Pereira Jr. começou a ir a Bauru duas a três vezes por semana, “para os acertos tanto no câmpus (estrutura física para tutoria, livros para a biblioteca, e laboratórios de habilidades e anatomia) quanto na integração dos estágios na rede pública de saúde de Bauru (definição dos distritos e unidades de saúde a serem utilizadas, elaboração do Contrato Organizativo de Ação Pública Ensino-Serviço – Coapes etc)”. Nesse momento foi convidada a professora Alessandra Mazzo, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), “para auxiliar na estruturação do curso, particularmente do Laboratório de Habilidades e Simulação e montagem do acervo de materiais, equipamentos e simuladores”.

Resistência ao projeto pedagógico aprovado”

Segundo Pereira Jr., a discussão relacionada à “operacionalização” do currículo aprovado não foi simples, “pois houve resistência tanto de alguns docentes das áreas básicas da FOB quanto de membros da Comissão de Implantação do curso pela pouca experiência no uso de metodologias ativas”, portanto mais inclinados ao uso de um modelo tradicional de ensino. “Em certo momento, o professor José Sebastião dos Santos teve que ser mais incisivo na defesa do projeto pedagógico aprovado” (confira aqui declarações do ex-coordenador a respeito).

O Informativo Adusp pediu a Pereira Jr. que detalhasse suas apreensões relativamente a possíveis mudanças no currículo do curso. “Minha preocupação quanto à continuidade do currículo inovador e integrado para proporcionar a aprendizagem significativa dos estudantes é que a atual composição da Comissão de Organização de Curso tem apenas professores com visão e experiência no modelo tradicional de currículo”, esclarece. “Nessa modalidade de currículo tradicional, o mais importante é o que o professor pode ministrar e não necessariamente o que o estudante precisa aprender de forma integrada”.

Além do projeto pedagógico inicial, acrescenta, ele elaborou todas as ementas dos quatro ambientes de ensino — tutoria, sistemas orgânicos integrados, laboratório de habilidades e simulação, e atenção integral à saúde — e dos módulos eletivos que foram encaminhadas para a Seção Acadêmica da FOB e cadastradas no Sistema Júpiter nos três semestres já realizados do curso e inclusive do 4º semestre, cuja data de início foi alterada de 22 para 29/7/2019.

“Na operacionalização das ementas cadastradas dos três primeiros semestres, havia discussão entre os docentes que faziam parte do curso com foco no que os estudantes necessitavam aprender e não no que os professores queriam ministrar”, relata. “Sendo assim, os professores da FOB participaram principalmente no ambiente de ensino ‘Sistemas Orgânicos Integrados’ e definiam quais conteúdos dariam aula. Para os demais conteúdos não supridos eram convidados docentes externos. Nos demais ambientes de ensino, a participação foi quase que exclusivamente de médicos”.

“Realização semestral do Teste de Progresso”

Pereira Jr. afirma ainda que a “proposta de um projeto pedagógico inovador” requer diferentes modalidades de avaliação, estando previstas no curso, “além das provas modulares mais comuns, também a realização semestral do Teste de Progresso e a prova prática por estações (Objective Strutured Clinical Evaluation – OSCE)”.

Na mesma linha, destaca “a participação dos excelentes médicos de Bauru visando a integração com o curso, conhecendo as novas metodologias de ensino, com destacadas atuações não somente em conferências, mas também nas programações do Laboratório de Habilidades e Simulação e Sistemas Orgânicos Integrados, o que teve um apoio incondicional da Associação Paulista de Medicina (APM) de Bauru”. Essa interação com profissionais experientes e com atuação assistencial direta “possibilitou que os estudantes tivessem uma melhor visão do dia a dia profissional das diversas áreas”. 

Por fim, menciona a necessidade de “implantação precoce de programas de residência médica”, para maior atuação assistencial e apoio à integração do curso de graduação com a rede pública de saúde. “Para isso, foram elaborados e aprovados cinco programas de residência médica com 20 vagas, postados em 31/8/2018, no Sistema da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM): 6 para Medicina de Emergência, 4 para Cirurgia Geral, 4 para Clínica Médica, 4 para Medicina de Família e 2 para Medicina Intensiva. Desde essa época ficou pendente a necessidade de convênio com a Famesp [Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar] para seu funcionamento”.

No entanto, revela Pereira Jr., “a visita de membros da Comissão Estadual de Residência Médica (Cerem) para aprovação dos programas, que foi realizada no dia 1º/7/2019, foi cancelada pela Superintendência do HRAC, sendo visitados apenas os programas de residência da Famesp e da Uninove”. Porém, prossegue, “temos até outubro desse ano para acertar o início desses programas para março de 2020”.

Por outro lado, ele aponta duas lacunas importantes no curso: “Faltou a implementação de um Centro de Desenvolvimento Docente e de um Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos estudantes, o que é fundamental em qualquer curso, particularmente com o uso de metodologias ativas. Fizemos três capacitações docentes com convidados nos que nos auxiliaram, porém sem algo estruturado e regular”.

EXPRESSO ADUSP


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