Defesa da Universidade
Comissão Processante propõe arquivar processo contra ex-docente do IQ, mas Vahan manda reabrir
A Comissão Processante (CP) encarregada de conduzir processo administrativo disciplinar (PAD) contra o então professor do Instituto de Química (IQ-USP) Luis Francisco Moreira Gonçalves, por suposto acúmulo ilícito de cargos, decidiu arquivar o caso por perda de objeto, após consulta à Procuradoria Geral (PG-USP). Isso porque o docente havia pedido exoneração, em abril, e o reitor Vahan Agopyan aceitou o pedido e o exonerou. Porém, a PG-USP emitiu novos pareceres, modificando sua orientação sobre o caso, e o reitor determinou à CP que reabra o processo.
Químico mas com formação também em Medicina, Gonçalves — docente do IQ em regime probatório com excelente desempenho — atendeu a um apelo urgente do governo de Rondônia, difundido pelo Ministério de Saúde, por médicos que pudessem atender pacientes de Covid-19 num período especialmente crítico da pandemia. Mesmo sem experiência clínica anterior, ele se sensibilizou com o pedido de socorro e, em fevereiro último, procurou deslocar-se rapidamente para Porto Velho, para trabalhar num hospital de campanha, razão pela qual não aguardou os trâmites burocráticos do pedido de afastamento que apresentou à USP.
“Acolho o Parecer PG. P. nº 15.619/2021, bem com a manifestação da Chefia da Procuradoria de Pessoal, e determino a reabertura dos trabalhos pela Comissão Processante”, despachou o reitor em 29/7, “a fim de que seja dada continuidade do presente processo administrativo, tendo em vista as particularidades do caso concreto, em especial pelo fato de que o Poder Judiciário, em decisão anterior, condicionou a cobrança dos valores indevidamente recebidos pelo RDIDP [Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa] infringido à conclusão do respectivo Processo Administrativo Disciplinar”.
Vahan determinou ainda que os autos do PAD fossem reencaminhados ao diretor da FOB, Carlos Ferreira dos Santos, “na qualidade de presidente da Comissão Processante, para ciência e devidas providências”.
Em 10/5/2021, Gonçalves impetrou mandado de segurança no qual pleiteou a suspensão do PAD e da cobrança de R$ 12.261,46 por ter supostamente infringido o RDIDP. O pedido de liminar foi indeferido pela 1ª Vara da Fazenda Pública, mas a defesa do docente interpôs agravo de instrumento distribuído à 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP e que resultou, em 18/5/2021, em decisão monocrática parcialmente favorável do desembargador Spoladore Dominguez, que concedeu liminar suspendendo a cobrança daquela quantia “até o julgamento do presente recurso”, ou seja: até o julgamento em caráter definitivo.
Aparentemente foi essa circunstância que impeliu a PG-USP a mudar de posição e recomendar ao reitor a retomada do processo, mediante prosseguimento do PAD, “a fim de verificar se será o caso ou não de conversão da exoneração em demissão”. Em outras palavras, a USP ameaça converter a exoneração de Gonçalves, realizada a pedido e sem qualquer conotação negativa, em uma demissão decidida pela Reitoria, que por seu caráter punitivo acarretaria consequências desfavoráveis ao docente.
Em razão disso a Reitoria decidiu processá-lo por “acúmulo de cargos” e desrespeito ao RDIDP. Frustradas as tentativas de obter o afastamento (chegou a propor doação do salário), desgostoso, o docente decidiu deixar seu cargo na USP. Uma carta do secretário de Saúde de Rondônia em defesa de Gonçalves e a manifestação de apoio de seus colegas de departamento foram ignoradas pelo reitor e sequer anexadas ao PAD. Revelado pelo Informativo Adusp, o caso repercutiu na mídia.
Defesa pede arquivamento do processo e acusa cerceamento e falhas
Gonçalves foi notificado da reabertura do PAD em 30/7 e intimado a juntar documentos em 20/8. Em 5/8 sua advogada, Fátima Conceição Gomes, voltou a requerer o “imediato arquivamento do processo face à existência de nulidade absoluta”, porém esse requerimento foi encaminhado à PG-USP “sem análise e resposta juntada aos autos” até 26/8, quando a defesa voltou a peticionar no processo, reiterando os pedidos anteriores e entendendo ser intempestiva a intimação datada de 20/8, “vez que existe requerimento efetuado pela defensora”, e do qual não lhe foi dado conhecimento de resposta.
Segundo a defesa, “a intimação encaminhada antes da resposta do requerimento de arquivamento, a depender da tramitação dos autos, e sem abertura de novo prazo para manifestação, certamente implicará novo cerceamento de defesa ao acusado”, por contaminar “todo o processo disciplinar, em prejuízo do acusado”. Ainda de acordo com sua advogada, além da falta de intimação do acusado para a apresentação das alegações finais, que descumpre as leis 10.177/98 e 10.261/68, “a Comissão Disciplinar encerrou a instrução sem a produção de provas solicitadas na defesa prévia, contaminando todo o processo”.
O artigo 63 da lei 10.177/98 determina que o “procedimento sancionatório observará, salvo legislação específica, as seguintes regras […] IV – caso haja requerimento para produção de provas, a autoridade apreciará sua pertinência, em despacho motivado”. Já o artigo 290 da lei 10.261/68 reza o seguinte: “Somente poderão ser indeferidos pelo presidente, mediante decisão fundamentada, os requerimentos de nenhum interesse para o esclarecimento do fato, bem como as provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias”. Portanto, afirma a advogada, foram desrespeitados os princípios fundamentais constantes do artigo 5º da Constituição Federal: respeito ao devido processo legal e direito de ampla defesa e contraditório.
A advogada enfatiza também o fato de que o PAD vem trabalhando com uma informação errônea no tocante à contratação de Gonçalves pelo governo de Rondônia. “Novamente, se faz necessário esclarecer que a premissa da instauração do PAD constante da Portaria Interna nº 69/2021 se apresenta incorreta, vez que, ignorando o chamado emergencial do Governo de Rondônia, alegam que a contratação se deu pela inscrição do acusado em 12/5/2020, no Edital 73/2020/Segep-GCP: ‘que, a despeito do RDIDP junto à USP, teria participado do processo seletivo regido pelo Edital 73/2020/Segep-GCP, de 12/5/2020, tendo posteriormente, em 1/2/2021, entrado em exercício na função temporária de Médico Clínico Geral, junto ao Hospital de Campanha da Zona Leste, em Porto Velho/RO, da Secretaria de Estado de Saúde de Rondônia, com carga horária semanal de 40 horas e remuneração inicial de R$ 12.047,12 (doze mil e quarenta e sete reais e doze centavos)’”.
Ela sustenta que “maior inverdade não pode haver”, porque, como consta dos autos do PAD, Gonçalves recebeu em 27/1/2021 e-mail do Governo do Estado de Rondônia, nos seguintes termos: “Processo Seletivo do Estado de Rondônia. Assunto: Necessidade de recrutamento de médicos para o Estado de Rondônia”, o qual informava a “extrema necessidade de recrutamento e contratação imediata de profissionais médicos para laborar no combate ao Covid-19”. Assim, prossegue, “a verdade sequencial dos fatos é que a inscrição do acusado para socorro às vítimas de Covid em Rondônia só foi efetuada no ato do recebimento do e-mail, ou seja, em 27/1/2021, e convocado através do Edital nº 32/2021 de 1º/02/2021”.
Portanto, conclui, o deslocamento de Gonçalves para Porto Velho para trabalhar no combate à pandemia “foi sim um ato de atendimento de um chamado extremamente emergencial e temporário, perfeitamente permitido nos limites constitucionais, considerando-se o período de contratação e o regime de teletrabalho cumprido pelo docente no mesmo período” (destaques no original).
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