Defesa da Universidade
Prática de esportes no câmpus do Butantã gera custos sem contrapartida para a USP
Cerca de 4 mil pessoas contratam os serviços das chamadas assessorias esportivas para treinar na Cidade Universitária aos sábados. De acordo com dissertação de mestrado defendida em 2015 por assistente técnico da Prefeitura do câmpus, 117 empresas do tipo atuavam no local, movimentando cerca de R$ 580 mil por mês em valores da época
Daniel Garcia |
Ciclistas fazem alongamento |
Enquanto alguns pedalam, outros recebem massagem |
Avenida Professor Mello Moraes é um dos pontos permitidos para treinamentos |
Assessorias esportivas utilizam os próprios veículos para dar suporte aos treinos |
O grande público que ocupa os espaços do câmpus do Butantã da USP nas manhãs de sábado não é aquele usual de estudantes, professores e funcionários que caracteriza os demais dias da semana. Milhares de pessoas frequentam a Cidade Universitária nesse horário para praticar esporte, e aproximadamente 4 mil delas contratam os serviços das chamadas assessorias esportivas, apontou Marino Pereira Benetti, assistente técnico de direção da Prefeitura do Câmpus da Capital (PUSP-C), em levantamento que produziu para sua dissertação de mestrado.
Na pesquisa “Prática esportiva nas áreas comuns do Câmpus USP da Capital: conflitos e diagnóstico”, apresentada em 2015 à Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, sob orientação da professora Flávia da Cunha Bastos, Benetti identificou 117 assessorias que trabalhavam na Cidade Universitária.
A pesquisa traz um dado bastante revelador quanto à movimentação financeira realizada pelas assessorias. De acordo com Benetti, o valor médio cobrado de cada praticante ficava em R$ 145,76 por mês, chegando em alguns casos a R$ 250,00. O total de praticantes vinculados a elas era de 18,7 mil pessoas. Assim, conclui o pesquisador, o mercado das 117 assessorias que prestam serviço no câmpus movimentava mais de R$ 2,7 milhões mensalmente, em valores de 2015.
Esse montante não diz respeito exclusivamente aos praticantes que treinam na USP, mas ao total dos clientes dessas assessorias. Considerando-se os quase 4 mil frequentadores do câmpus aos sábados que contratam os seus serviços, o valor movimentado em 2015 era de cerca de R$ 580 mil por mês.
Nas últimas décadas, registra a pesquisa, “empresas de orientação e assessoria a esses praticantes passaram a atuar nas dependências do câmpus, explorando comercialmente o espaço”. Esses serviços geram receitas, prossegue Benetti, “e a universidade, além de não ter contrapartida pelo uso do espaço, como acontece em relação à regulamentação para a realização de eventos, desde 2009, arca com gastos e consequências desse uso desordenado e com fins lucrativos”. Portanto, diz, “conclui-se que faz-se necessária a formalização dessas contrapartidas, financeiras ou não, que possam fazer frente às despesas decorrentes da organização dessa ocupação.”
Nutrição, fisioterapia e massagem
A movimentação dos esportistas e treinadores aos sábados começa cedo: às 4h30 estão liberados os treinos dos ciclistas esportivos, que têm permissão para correr na Cidade Universitária de segunda a sábado até 6h30. Por volta de 6h começam a chegar também os treinadores e clientes das assessorias. Nesse horário, costuma já estar a postos a treinadora Silvana Cole, que atua desde 2000 na Cidade Universitária e vem acompanhando a evolução nos regulamentos para a prática de esportes no câmpus.
Uma dessas regras foi o estabelecimento de áreas determinadas para o trabalho dessas empresas, como a avenida Professor Mello Moraes. É ali, nas proximidades da EEFE, que Silvana recebe os clientes de sua assessoria. Além do verde abundante e das vias adequadas para corridas, ela cita o foco dos alunos como uma das vantagens para os treinos no câmpus. “Aqui não é como um parque, em que há outros tipos de movimento, atividades de lazer, pessoas passeando com seus animais. As pessoas vêm com o intuito de treinar e todas se respeitam”, diz.
A definição dos espaços liberados para o trabalho das assessorias é um dos fatores positivos citados pelo treinador Sidnei dos Santos, que atua no câmpus há cerca de 15 anos e recebe os clientes nas imediações do Bosque da Física. “As normas são respeitadas e o trabalho é harmonioso”, afirma. Na avaliação de Santos, as boas relações entre as assessorias esportivas e as autoridades da USP dependem principalmente da gestão da Prefeitura do câmpus.
“Na última contagem que fizemos, havia mais de 120 equipes de corrida que utilizavam o câmpus da USP para treinos aos sábados. Mais de 80% delas tinham um treinador associado à ATC [Associação dos Treinadores de Corridas de Rua de São Paulo]”, diz o educador físico Nelson Evêncio, que presidiu a entidade entre 2010 e 2018, sem precisar a data do levantamento citado. Os treinadores que atuam na Cidade Universitária não são obrigados a se associar à ATC.
Parte do crescimento das assessorias “deve-se à procura de empresas corporativas por administração de atividades físicas para seus colaboradores”, afirma Benetti. Das 117 assessorias identificadas em seu estudo, quase a metade atendia a grupos corporativos. A concorrência levou a que fossem criados outros serviços, como orientação nutricional, fisioterapia e massagem, oferecidos por profissionais contratados pela própria assessoria ou por parceiros. Entre as assessorias pesquisadas, 72,6% ofereciam o serviço de nutrição, 68,4% de fisioterapia e 12,8% de massagem.
Uma dessas prestadoras de serviço é a fisioterapeuta e massagista Vaneide Santana, que trabalha há sete anos no câmpus. Sua base de clientes, diz, é composta principalmente por corredores e triatletas, muitos deles orientados pelas assessorias esportivas a fazer massagem depois do treino ou a tratar de recuperação de lesões, dores ou sequelas de acidentes vasculares cerebrais (AVC), entre outras demandas.
Vaneide atua com uma equipe de seis pessoas das 8h às 13h no canteiro central da avenida Professor Mello Moraes, paralelamente à raia olímpica. Como as camas são armadas ao ar livre – e as regras da PUSP-C não permitem a montagem de tendas ou outras estruturas –, Vaneide e as colegas têm que torcer para que o tempo ajude e não chova. Se estiver frio, os clientes são cobertos com uma manta.
Mais de 90% dos praticantes não têm vínculo formal com a USP
Em sua pesquisa, Marino Benetti demonstra que “a prática esportiva nas áreas comuns do câmpus da USP conta com uma história de diversas tentativas de intervenções pela prefeitura”. Desde o início, registra, houve conflitos “entre a comunidade USP e os praticantes e profissionais que ministram atividade física”.
De acordo com a dissertação, a regulamentação para uso do câmpus nos finais de semana começou em abril de 1994, quando o então prefeito da Cidade Universitária, Antonio Rodrigues Martins, publicou ofício informando que aos sábados e domingos os veículos e motocicletas “seriam conduzidos a um bolsão único devidamente sinalizado” e que o acesso aos prédios “seria permitido apenas com autorização por escrito da diretoria da unidade”.
Em agosto do mesmo ano, portaria da PUSP-C estabeleceu normas para uso das dependências da Cidade Universitária de acordo com a finalidade, inclusive com cobrança em alguns casos – por exemplo, filmagens com fins comerciais, promoção de eventos e shows etc.
As primeiras medidas específicas em relação à prática de esportes foram tomadas em setembro de 1999, quando o prefeito Gil da Costa Marques solicitou consulta à Assessoria Jurídica da USP para cadastrar e autorizar o trabalho no câmpus de pessoas que se apresentavam como personal trainers.
Em abril de 2002, após reunião do prefeito José Geraldo Massucato com representantes da Corredores Paulistas Reunidos (Corpore) e da ATC, a PUSP-C autorizou a montagem de 60 tendas que serviriam de apoio – para alongamento e distribuição de água e frutas, por exemplo – aos treinadores e corredores, com regras de padronização e localização das tendas. Também foi instituída uma taxa mensal a ser paga pelas assessorias, cujo valor seria revertido “para a manutenção da infraestrutura do câmpus”, escreve Benetti.
As regras começaram a valer em fevereiro de 2003, mas em dezembro do mesmo ano o prefeito Wanderley Messias da Costa, em início de gestão, proibiu a instalação das tendas, anulando o acordo com as associações e extinguindo a cobrança da taxa. Sem as estruturas, os treinadores passaram a utilizar pequenas mesas ou seus próprios veículos para oferecer esse apoio. Nos anos seguintes, outras normas sobre a prática esportiva foram expedidas pela PUSP-C, mas algumas acabaram nunca sendo cumpridas, de acordo com Benetti.
O pesquisador fez também um levantamento dos registros de ocorrências envolvendo esportistas reportadas à Ouvidoria da USP e à Guarda Universitária em 2013 e 2014. A maior parte das ocorrências se referia aos chamados ciclistas esportivos.
Na avaliação de Benetti, os conflitos com os praticantes de esporte se relacionam diretamente com o fato de que a maioria das pessoas que treinam no câmpus não faz parte da comunidade USP: apenas 7,7% dos praticantes têm vínculo formal com a universidade. Benetti considera que a comunidade USP “acredita-se ‘dona’ do espaço” da universidade, o que favorece a ocorrência de vários conflitos.
Uso do espaço “deve priorizar atividades condizentes com a missão” da USP
De acordo com o próprio Benetti, o objetivo de seu trabalho era “realizar um diagnóstico de aspectos da ocupação das áreas comuns do câmpus da USP da Capital em relação à prática de atividade física com vistas a levantar elementos para a construção de um plano de gestão dessa atividade”. Além disso, os resultados de sua pesquisa seriam encaminhados à PUSP-C para integrar o acervo de informações que sustentam “ações relativas à gestão da ocupação do Câmpus relativas à prática esportiva”.
De fato, após a defesa da dissertação, a PUSP-C divulgou novas determinações em relação ao trabalho das assessorias esportivas no câmpus. Em novembro de 2016, foram divulgadas regras para o descarte de resíduos provenientes da prática esportiva na Cidade Universitária, que, de acordo com o comunicado, “acarreta custos indiretos (…), os quais têm sido absorvidos integralmente pela universidade”. Os esportistas e treinadores devem acondicionar os resíduos descartáveis e levá-los aos ecopontos distribuídos na cidade. Já o material não reciclável deve ser ensacado e descartado em lixeiras fora do câmpus.
Em fevereiro de 2017, a PUSP-C publicou normas dirigidas “aos praticantes de atividades esportivas e aos treinadores que utilizam o espaço” do câmpus, sob a justificativa de que o uso “deve priorizar as atividades condizentes com a missão da universidade” – ensino, pesquisa e extensão.
Além de reforçar a determinação sobre os resíduos, o comunicado estabelece outras cinco normas: proibição de montagem de tendas ou coberturas; proibição da realização de campanhas de publicidade, mesmo que beneficentes, de entidades não vinculadas à USP; probição da utilização de árvores ou quaisquer itens do mobiliário do câmpus como suporte para prática esportiva ou aparelhos; proibição de uso de carros de som; e proibição de realização de eventos sem autorização prévia. A PUSP-C comunica ainda que, ao lado da Guarda Universitária, é a responsável pela preservação do espaço e pode “solicitar apoio de força policial nos casos de descumprimento das normas”.
O Informativo Adusp solicitou entrevista a Marino Benetti, que pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail. As questões foram então remetidas por escrito, mas o servidor não as respondeu, de modo que não é possível associar diretamente as medidas adotadas nos últimos anos pela PUSP-C às conclusões de seu trabalho.
Uma das perguntas enviadas foi a seguinte: “Uma crítica recorrente ao uso do espaço da Cidade Universitária é o fato de que há horários de acesso restrito e pouca abertura para a população em geral, enquanto as assessorias esportivas – que são empresas privadas – utilizam esse espaço para atividades remuneradas. Qual a posição da prefeitura do câmpus a respeito?”
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