Fia pagou “professores-bolsistas” para dar aulas na FEA no lugar de 6 docentes ligados à fundação
Daniel Garcia
fia
Professor José Siqueira

Sindicância constata a ilegalidade. Professor que fez a denúncia sofre assédio moral e perseguições no Departamento de Administração

Entre 2006 e 2008, no curso regular de graduação em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), seis “professores-bolsistas” sem qualquer vínculo com a USP, contratados e remunerados pela Fundação Instituto de Administração (FIA), lecionaram disciplinas oficialmente atribuídas a seis professores concursados. A figura do “professor-bolsista” não existe no Estatuto da USP. Foi criada em reunião do Conselho do Departamento de Administração realizada em 4/12/ 2006, ao mesmo tempo que a figura do “professor-tutor”, expressão que passou a designar os professores do departamento que viriam a ser substituídos por “bolsistas” nas salas de aula.

A substituição beneficiou os professores Cláudio Felisoni de Angelo, Maria Tereza Leme Fleury (ambos ex-diretores da FEA), Roberto Sbragia, Nicolau Reinhard, José Roberto Savóia e Geraldo Toledo, todos eles ligados à FIA. No chamado “Programa de bolsa para reforço ao quadro de pesquisadores e docentes do Departamento”, cada um deles aparece como tutor relacionado a um determinado bolsista.

A denúncia partiu do professor José de Oliveira Siqueira, que leciona na FEA desde 1990 e atuou paralelamente na FIA até 2003, quando se desligou da entidade privada, após tornar-se efetivo na USP. Siqueira acaba de apresentar à Ouvidoria Geral da USP documento em que relata as questões relacionadas ao programa de “bolsistas” e detalha as perseguições acadêmicas de que tem sido vítima desde que deixou a FIA por vontade própria.

Uma sindicância interna da FEA, encerrada em junho de 2009, atestou que, “conforme denunciado” por Siqueira, “existiu um programa de pesquisador-bolsista ou professor-bolsista no Departamento de Administração”; o bolsista “entre outras atividades, ministrava aulas aos alunos do curso de graduação em Administração”; o programa “foi aprovado pelo Conselho do Departamento”; “as bolsas eram concedidas pela FIA-Fundação Instituto de Administração, com a qual o pesquisador-bolsista assinava um contrato”.

“Atenuantes”

Diretor da FEA evita responder sobre ilegalidade

 

O diretor da FEA, professor Carlos Azzoni, evitou responder às três perguntas que lhe foram encaminhadas pelo Informativo Adusp sobre o caso dos “professores-bolsistas” do Departamento de Administração (EAD). Ele limita-se a sugerir que não pretende tomar qualquer providência punitiva. Por correio eletrônico, a reportagem enviou-lhe as seguintes questões:

  1. “O fato de a FIA remunerar pessoas contratadas sem concurso, com a finalidade de ministrar aulas no Departamento de Administração como substitutas de professores da USP que atuam como coordenadores de projetos na própria FIA, além de representar uma ilegalidade suscita uma situação de conflito de interesses. O sr. concorda?”
  2. “A Comissão Sindicante criada pelo sr. por meio da portaria interna 032009/ATAc/ FEA constatou que a denúncia do professor Siqueira sobre a existência dos ‘professores bolsistas’ era procedente. No entanto, não colheu depoimentos dos professores do EAD que se beneficiaram da atuação dos ‘professores-bolsistas’, nem prescreveu punições ou o aprofundamento das investigações. Como diretor da FEA, o sr. pretende tomar alguma outra medida que vá além da simples advertência aos departamentos para que não promovam novas contratações ilegais?”
  3. “O professor José de Oliveira Siqueira encaminhou à Ouvidoria da USP relato de perseguições e assédio moral que estaria sofrendo no EAD desde que decidiu desligar-se da FIA. O sr. tem conhecimento dos fatos por ele denunciados?”

A resposta do professor Azzoni: “Foi feita uma solicitação pelo professor de constituição de comissão de sindicância, que foi instaurada nos termos do regimento da USP, e da qual participaram apenas professores externos ao Departamento do professor. A Comissão realizou sua tarefa, produziu suas conclusões e fez recomendações. Seu relatório foi encaminhado à Consultoria Jurídica, como requerido. A CJ entendeu que os procedimentos formais foram cumpridos e encaminhou o processo à FEA, para providências. Cumpridos os requisitos formais, esta diretoria acatou as sugestões da Comissão de Sindicância”.

Viagens

O Informativo Adusp enviou perguntas, por correio eletrônico, a todos os “professores-tutores”, solicitando que se manifestassem. Também entrou em contato com suas secretárias. O professor Geraldo Toledo, consultado por telefone, disse que não responderia. Os professores Roberto Sbragia e José Roberto Savóia estão no exterior. Os professores Cláudio Felisoni de Angelo e Nicolau Reinhard estão em viagem. A professora Maria Tereza Leme Fleury aposentou-se e não foi localizada.

Apesar da gravidade do fato, a comissão sindicante, presidida pelo professor Reinaldo Guerreiro, deixou de ouvir os “professores-tutores”. No relatório final, ela considera que a criação do programa derivou de uma “interpretação equivocada da figura de professor colaborador definida no Estatuto da USP” e que a “motivação do Conselho do Departamento foi solucionar um problema grave que existiu entre 2006 e 2008, quando havia obrigatoriedade de licença-prêmio pelos docentes”.

A comissão entende que tal “motivação”, bem como “o fato de que, atualmente, não existem mais professores nessa condição” (o programa foi encerrado no final de 2008, após as denúncias de Siqueira), são “atenuantes da irregularidade praticada”. Nenhum tipo de punição aos envolvidos foi prescrita pela comissão.

O diretor da FEA, professor Carlos Azzoni, encaminhou ofício aos chefes de departamento esclarecendo que “de acordo com a legislação vigente, somente podem ministrar aulas de graduação e pós-graduação os seguintes docentes: 1) professores regularmente contratados pela USP, admitidos por meio dos concursos da carreira docente; 2) colaboradores seniores, que são os professores aposentados da própria USP (…); 3) professores visitantes, conforme o artigo 87 do Estatuto (…); 4) professores colaboradores, de acordo com o artigo 86 do Estatuto, os quais podem ser contratados somente por meio da Reitoria”.

“Lugar nenhum”

A suposta analogia entre “professor-bolsista” e professor colaborador da USP surgiu no depoimento do chefe do departamento, professor Isak Kruglianskas, à comissão. O chefe do departamento, tentando defender-se da acusação de que a contratação de professores sem concurso é ilegal, chegou a afirmar que “em termos absolutos, não é verdade, porque o Estatuto da USP prevê a contratação de pelo menos duas categorias docentes sem concurso, que são as de professor visitante e professor colaborador” e que “não está escrito em lugar nenhum que é necessário fazer concurso para contratar ou admitir esses professores”.

Resta o fato de que os docentes são necessariamente contratados pela USP e não por outra instituição. Mas Kruglianskas deixou claro, no depoimento, que “o contrato era firmado entre a FIA e o pesquisador bolsista” e que “a FIA patrocinou esse programa”.

Outra questão a considerar é que professores da FEA que foram designados para lecionar determinadas disciplinas, como parte de seu dever funcional, não o fizeram, presumivelmente ao longo de três anos. Como todos os seis participam ativamente da FIA, entidade privada que remunerou os “professores-bolsistas”, e como todos os seis aparecem como “tutores” desses bolsistas, o caso comporta um claro conflito de interesses. Especialmente porque o professor Felisoni de Angelo é o atual presidente da FIA.

Retaliações

O professor Siqueira declarou ao Informativo Adusp que desde que saiu da FIA vem sofrendo retaliações e assédio moral. “Não aleguei o motivo, simplesmente pedi demissão. Decidi virar um RDIDP puro”, explica. Quando ingressou na FEA por processo seletivo, em 1990, como auxiliar de ensino, Siqueira diz ter sido imediatamente “compelido a ingressar na FIA, sem opção”, em razão de sua condição de contratado a título precário: “Descobri a função de ser precário, que é ficar na mão deles”, diz, referindo-se aos coordenadores de projeto da entidade privada.

Foi a efetivação em concurso público que lhe concedeu a “carta de alforria”, na medida em que se sentiu seguro para romper com a fundação sem correr o risco de perder o cargo na USP. Segundo Siqueira, não era possível compactuar com a venda de diplomas a R$ 30 mil reais, com selo “USP” ao invés de “FIA”. Na sua opinião, os cursos do tipo MBA são um modo de “lavar diplomas de faculdades que oferecem baixo nível de ensino”.

Ele relata uma série de perseguições: “Fui perdendo tudo o que tinha. Estou sem orientandos. Conseguiram impedir meu recredenciamento na pós-graduação”. Foi destituído dos cargos que ocupava: os de coordenador da área de Métodos Quantitativos e Informática (MQI) e de membro das comissões de pós-graduação e de seleção de mestrado e doutorado. Posteriormente a retaliação estendeu-se à pós-graduação da Economia, onde lecionava uma disciplina. “Quero recuperar meus direitos, para poder cumprir os meus deveres”, protesta.

 

Matéria publicada no Informativo nº 298

EXPRESSO ADUSP


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